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«A Experimentação do Andor e o Manel da Baracinha» «Ou as Histórias de Dois Garrafões de Vinho, Vinte e Quatro Sandes e as Galinhas da D. Maria» «A experimentação do andor da Nossa Senhora da Piedade, ou simplesmente a experimentação como é comummente denominada, é a cerimónia que inaugura, anualmente, as Festas da Mãe Soberana. Perdeu-se na memória o primeiro ano em que se realizou este ritual semi-privado. Talvez, ainda, remonte ao século XIX. Realiza-se todos os anos, no Domingo de Ramos, na ermida da Nossa Senhora da Piedade. Além de se tratar do ritual iniciático Mãe Soberaneiro, adquire uma importância fundamental para que as Festas corram da melhor maneira. É lá que todos os novos Homens do Andor têm o seu primeiro contacto com o emblemático andor. Que experimentam, pela primeira vez, o seu peso. Que sentem a futura responsabilidade que lhes será imputada. Por outro lado, a experimentação do andor serve para realizar as seguintes operações: ajustar as posições do andor; fixar os lugares de cada homem debaixo do andor; descer, manter ou subir as cantoneiras, os meios e as palhetas; pregar as almofadas/ombreiras nos varais e nas palhetas; verificar a estabilidade do andor em andamento; e, por último, treinar um pouco o passo do andor. Porém, serve, igualmente, para realizar mais um alegre convívio. Para cimentar o espírito do grupo. Para relembrar histórias passadas. Antigamente, esse salutar convívio realizava-se lá em cima. Ou na casa da ermitoa, a popular D. Maria; ou no adro da ermida. Os tempos, entretanto, mudaram. E o local do convívio também. Actualmente, realiza-se num restaurante na zona de Loulé. Manuel Tereza (1918-1998), popular e carinhosamente alcunhado de Manel da Baracinha, era um homem bom. Infantil. Ingénuo. Bondoso. E generoso. Amigo do seu amigo. Dono de um inesquecível olhar de criança e de um, não menos famoso, sorriso de gaiato. Excelente sineiro. E, sempre, disposto a ajudar. Experimentação do andor sem o Manel não era a mesma coisa. E ele, raramente, faltava à função. O Manel era o encarregado do transporte do vinho e da comida para o repasto. Fazia-o por gosto. Por amizade. E para se sentir útil. E os Homens do Andor por isso lhe agradeciam. E lhe tributavam a sua recíproca amizade. Resta-me, somente, acrescentar, porque de inteira justiça, que o vinho e a comida eram, e assim foram durante muitos anos, uma generosa oferta de um enormíssimo e dedicado Mãe Soberaneiro. Falo-vos do popular Francisco José Viegas Prado (1925-1975), proprietário do não menos popular restaurante Flor da Praça. Porém, em dois distintos anos verificaram-se outros tantos curiosos episódios, que tiveram o nosso Manel como principal protagonista. Vamos por partes. Num certo ano, abalou da vila, carregado com dois garrafões de bom vinho. Motivo: regar, da melhor maneira possível, o convívio. Os Homens do Andor depois de concluída a experimentação dirigem-se para a casa da ermitoa. O Sol estava alto, radioso e quente. A fome apertava. As gargantas secas estavam. Chegados à casa da ermitoa dão-se conta que o Manel ainda não tinha chegado. Estranharam. Era homem de palavra e de compromissos. Interrogaram-se: terá ele parado em qualquer sombra pelo caminho e terá se deixado dormir? Terá parado para fazer a sua baracinha, esquecendo-se das horas? Terão pensado os seus amigos. O tempo, entretanto, passava. E da ermida ninguém conseguia vislumbrar a silhueta do Manel. Resolveram investigar. Preparam-se para descer a ladeira, para saberem notícias do Manel. Passados poucos instantes, por alturas da Cruz Grande ou Cruzeiro como também é conhecida, e que se localiza numa das curvas da ladeira, dão-se de caras com um cenário nunca visto. Nem queriam acreditar. Então não é que estava o bom do Manel, à torreira do Sol, descomposto, relaxado e dormindo de perna aberta. A seu lado os dois garrafões de vinho. Alegraram-se: tinham descoberto o Manel e o vinho. Porém, assim que o vão acordar reparam que o Manel estava completamente alcoolizado. Bebera que se fartara. Pegaram nos dois garrafões de vinho para trazerem para cima. Só que da vila tinham saído cheios. E, agora, só um deles tinha vinho. Concluíram: o dia estava quente e o Manel tinha parado para se refrescar um pouco. E como tinha vinho à mão, foi bebendo, bebendo e bebendo… Até que vazou um garrafão de vinho. Resultado final: um garrafão cheio, um outro vazio e uma monumental bebedeira. E, já agora, se me permitem, uma história para mais tarde recordar… Numa outra experimentação do andor o Manel ficou encarregado de levar para a casa da ermitoa a comida. Ao todo vinte e quatro sandes. Dentro de um saco de plástico. O Manel lá saiu, mais uma vez, da vila, transportando o saco que continha as sandes no seu interior. Chegado à casa da ermitoa, só pensa em descansar. Pousa o saco no poial, junto à pia, que se encontrava de fronte para a porta principal da casa da ermitoa. E descansa. Inicia-se a experimentação e o Manel interrompe o seu descanso. É altura de ajudar. Terminada a função, é hora de enganar a fome. Os Homens do Andor encaminha-se, todos, para a casa da ermitoa. Lá chegados, não querem acreditar no que os seus olhos vêem. O Manel tinha deixado junto à pia, que existia no exterior da casa da ermitoa, o saco contendo as sandes. Pormenor: o saco não ficara fechado. Conclusão: as galinhas da D. Maria tinham-se encarregado de almoçar algumas sandes. E as que não tiveram tempo para comer fizeram o favor de as esburacar por completo. Mais uma vez, ninguém queria acreditar no sucedido. Tinham acabado de ficar sem o almoço. Então, os seus olhares viraram-se todos para o Manel. Em sinal de recriminação. Pelo seu enorme desleixo. E o bom do Manel retribuiu-lhes os seus olhares censórios, da melhor maneira que sabia, isto é, rindo-se da caricata situação. Com o seu eterno sorriso de criança, que lhe enchia a cara, ao mesmo tempo que nos amolecia o coração e nos desarmava por completo. Mas alguém tinha coragem para se zangar com o nosso Manel? Conclusão: num ano o vinho disponível para o convívio dos Homens do Andor ficou reduzido a metade. Num outro ano ficaram sem a comida. Porém, a companhia, a amizade, a bondade e a generosidade do Manel, essas, nunca se perderam. Era assim o nosso Manel da Baracinha! VIVA À MÃE SOBERANA!!!» João Romero Chagas Aleixo
Posted on: Mon, 28 Oct 2013 04:38:26 +0000

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