(Ciência Com Consciência - Viver de morte, morrer de vida - - TopicsExpress



          

(Ciência Com Consciência - Viver de morte, morrer de vida - EDGAR MORIN) Aqui, chegamos ao cerne do paradoxo. A confiabilidade, a não degeneratividade, a geratividade dos sistemas vivos dependem de certa forma da não confiabilidade e da regeneratividade de seus componentes. O êxito da vida depende de sua própria mortalidade. Desordem, ruído, erro são mortais em diferentes aspectos, graus e termos para o ser vivo: mas também são parte integrante de sua auto-organização não degenerativa e são elementos fecundantes de seus desenvolvimentos generativos. A constante degradação dos componentes moleculares e celulares é a enfermidade que permite a superioridade do ser vivo sobre a máquina. É fonte da constante renovação da vida. Não significa apenas que a ordem viva se aumenta de desordem, mas também que a organização do ser vivo é, essencialmente, um sistema de reorganização permanente (Atian). O nó da complexidade biológica é o nó górdio entre destruição interna permanente e autopoese, entre o vital e o mortal. Enquanto a "solução" simples da máquina é retardar o curso fatal da entropia pela alta confiabilidade de seus constituintes, a "solução" complexa do ser vivo é acentuar e ampliar a desordem, para dela extrair a renovação de sua ordem. A geratividade funciona com a desordem, tolerando-a, servindo-se dela e combatendo-a, em relação antagônica, concorrente e complementar. A reorganização permanente e a autopoese constituem categorias aplicáveis a toda ordem biológica e, a fortiori, à ordem sociológica humana. Uma célula está em autoprodução permanente por meio da morte de suas moléculas. Um organismo está em autoprodução permanente por meio da morte de suas células (que etc); uma sociedade está em autoprodução permanente por meio da morte de seus indivíduos (que etc): ela se reorganiza incessantemente por meio de desordens, antagonismos, conflitos que minam sua existência e, ao mesmo tempo, mantêm sua vitalidade. Portanto, em todos os casos, o processo de desorganização-degenerescência participa no processo de reorganização-regeneração. A desorganização torna-se um dos traços fundamentais do funcionamento, ou seja, da organização do sistema. Os elementos de desorganização participam na organização, como o jogo desorganizador do adversário, numa partida de futebol, é constituinte indispensável do jogo do time, que, integrando a aplicação de regras imperativas (como o são as instruções do código genético) numa estratégia flexível sugerida pelas aleatoriedades do combate, se toma capaz das construções combinatórias mais requintadas. Eis a base do orderfrom noise principie de von Foerster (von Foerster, 1960), que vai se aplicar a toda criação, a todo desenvolvimento, a toda evolução. O princípio foersteriano (orderfrom noise) é diferente do princípio mecânico orderfrom order, que é o da física clássica e impõe a invariância, e do princípio orderfrom disorder, que é o da estatística, em que os movimentos desordenados-aleatórios das unidades obedecem, no plano dos grandes números ou populações, a leis de ordem, a tendências médias ou globais, mas sem nenhuma geratividade. É complementar-antagonista do princípio disorder from order, que é o do segundo princípio da termodinâmica. Supõe um princípio de seleção/organização, que, no caso do ser vivo, tem caráter informacional capaz de desenvolver "um processo que absorve as mais baixas formas de ordem e por isso converte um grau correspondente de desordem num sistema de ordem mais alta" (Gunther, p. 341). Trata-se, diz Gunther, de uma "síntese das idéias order from order e order from disorder, isto é order from (order + disorder)" (ibid., p. 341). Gunther esquece, a meu ver, que, para que essa "síntese" se efetue, é necessário também a presença do princípio (que ele esqueceu) disorder from order O princípio order from noise pode ser entendido em dois sentidos diferentes, embora complementares. O primeiro é o da não degeneratividade, em que a auto-reorganização e a autopoese permanentes precisam de "ruído" para manter a ordem viva. É o que vimos. O segundo é o da geratividade em sentido criativo do termo, tal como se manifesta em toda evolução, quer seja biológica, quer, no plano humano, sociológica. Consideremos o caso da evolução biológica que se opera ao longo de mutações. O que é uma mutação? Sejam quais forem as prodigiosas sombras que a envolvem, trata-se, em todo caso, de um fenômeno de desorganização da "mensagem hereditária" sob o efeito de ruídos que perturbam a reprodução da mensagem matricial e que suscitam "erros" em relação a essa mensagem. Mas é por meio da ação desses ruídos e da ocorrência desses erros que se opera a reorganização da mensagem em outra que, nos casos felizes, pode ser mais rica, e mais complexa do que a mensagem anterior. O encontro do ruído e de um princípio auto-organizador é, portanto, o que provoca a constituição de uma ordem superior mais complexa. Assim, vemos que a noção de auto-reorganização diz respeito tanto aos fenômenos constantes de autoconservação não degenerativa, de auto-reprodução generativa, como os fenômenos de transformação, de desenvolvimento, de aumento da complexidade da geratividade. A partir daí, compreendemos o termo neguentropia justamente aplicado ao ser vivo. A neguentropia não suprime a entropia. Pelo contrário, como todo fenômeno de consumo de energia, de combustão térmica, provoca-a, acentua-a. Bem entendido, o ser vivo combate a entropia reabastecendo-se de energia e de informação, no externo, no ambiente, e esvaziando, também no externo, sob a forma de dejetos, os resíduos degradados que não pode assimilar. Mas, ao mesmo tempo, a vida reorganiza-se sofrendo internamente o caráter desorganizador/mortal da entropia. A entropia participa da neguentropia, que depende da entropia. Não se trata, por conseguinte, da oposição maniqueísta, não complexa, de dois princípios antagônicos, como se compreende muitas vezes. Trata-se, pelo contrário, de uma relação complexa, complementar, concorrente e antagônica. Essa verdade, esse segredo da complexidade biológica, Heráclito já havia formulado da forma mais densa do que se pode conceber "Viver de morte e morrer de vida." E Hegel quase pressentira a neguentropia naquilo que denominava "força mágica (Zauberkrafi) que transforma o negativo em ser".
Posted on: Sun, 14 Jul 2013 07:10:28 +0000

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