«Dou exemplos. Recentemente assisti a um ciclo das nove sinfonias - TopicsExpress



          

«Dou exemplos. Recentemente assisti a um ciclo das nove sinfonias de Beethoven pela Bremen Kammerphilharmonie, regida por Neeme Järvi. No último domingo ouvi o Concerto para violino de Sibelius e a Sinfonias nº 4 de Beethoven pela fantástica Orquestra Sinfônica de Lahti, da Finlândia, regida por Okko Kamu. Tenho me deparado com pianistas, violinistas, quartetos de corda. E o padrão se repete de forma assombrosa. Järvi, por exemplo, imprimiu uma alteração brutal dos andamentos dos movimentos das sinfonias em relação ao executado habitualmente pelas grandes orquestras. Tudo soa muito dinâmico, muito adiantado, muito camerístico, são muitas notas, tantas e em tamanha velocidade que meu ouvido não teve tempo de se acostumar a elas. Kamu transformou o concerto de Sibelius em uma enfiada de movimentos dançantes, rítmicos. E fez o mesmo com a Quarta de Beethoven – peça que, embora seja apropriada à exploração dançante, por ser quase uma suíte, eu tive vontade de dançar e rodopiar como se estivesse em um clube de rockabilly da Lapa e não na veneranda Sala São Paulo. Os pianistas em moda hoje, como a venezuelana Gabriela Montero e o chinês Lang-Lang, abordam Chopin e Liszt como se os compositores pilotassem carros de corrida em um videogame de última geração. Na ópera não é diferente. Em CD recente, a soprano russa Ana Netrebko canta árias obscuras de Verdi como se fossem exibição de perícia vocal em um ambiente molto prestíssimo, hostil aos cantores normais e mais hostil ainda aos ouvintes que amam sorver a ópera com o enlevo da transcendência melódica. Assisti em agosto no Festival de Salzburgo a uma récita de Don Carlo de Verdi regida por Antonio Pappano. Pois Pappano parece ter injetado esteróides nos solistas e na orquestra para tratar o drama verdiano como uma empreitada atlética quase pop aos ouvidos. E assim vivemos o reinado da alta velocidade nas pistas de corrida da música clássica. (…) Talvez tenha sido a busca pela fidelidade à partitura e às fontes históricas – pelos músicos dos instrumentos de época, do movimento da música historicamente informada – a principal responsável pela alteração da forma de executar a música. A moda barroca trouxe de volta a percussão, a dança e o exagero pop das óperas e dos concertos dos séculos XVII e XVIII. A música tal qual era executada nos tempos de Monteverdi e de Cavalli contaminou permanentemente a audição do público. A isso podemos acrescentar a agitação do mundo contemporâneo e o surgimento de uma sensibilidade mais voltada ao ritmo do que à melodia ou às tramas harmônicas dos tempos de Wagner. Ninguém quer mais ouvir pedais longos, notas sustentadas e paisagens infinitas. Quer, sim a agitação que Stravinski preconizou em La sacre du printemps. Não esqueçamos que Stravinski, fascinado pelo ritmo, estudou e reinterpretou as fontes da música barroca. E não esqueçamos do reinado de 60 anos do rock e da música pop – que arruinou melancolicamente os ouvidos da juvenília. E assim vivemos na montanha-rsussa da música clássica. Eu gostaria de pedir para os maestros e músicos desembarcar porque já estou ficando enjoado. Com medo de que a música morra, vocês parecem ter entrado em rota suicida. Que tal desacelerarem um pouco e chegar a um meio-termo, nem tanto ao mar agógico de Wagner, nem tanto à terra batida e dançante de Cavalli?»
Posted on: Fri, 25 Oct 2013 02:04:56 +0000

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