*Fabi Bela Incorrupta Robert Phillips West, estudante de - TopicsExpress



          

*Fabi Bela Incorrupta Robert Phillips West, estudante de medicina na mitológica universidade de Miskatonic,nunca aceitara o fato de que a morte é o único desfecho possível no livro dos homens. Filho de um rico construtor de ferrovias, desde pequeno desenvolveu um mórbido interesse pela morte que assustara os pais e inevitavelmente o levou a estudar o corpo humano. Entrou na universidade, onde realizou experimentos abomináveis com cadáveres, baseados em sua crença de que o corpo humano funciona tal qual uma máquina e que, munido das peças e dos combustíveis adequados, ele poderia prolongar indefinidamente o período da vida. Os experimentos do jovem deixaram boquiabertos os professores da universidade, com resultados inquestionáveis em cadáveres, tais quais espasmos e até mesmo olhos se abrindo, após a injeção de um fluido miraculoso de sua invenção. Mas os anos de 1900 ainda não estavam preparados para tamanho salto na ciência, ameaçado pela crença de alguns cientistas e, principalmente, da Igreja, de que o corpo reanimado era desprovido do faz-de-conta conhecido como alma. Assim, os experimentos de West foram interrompidos, seu acesso aos cadáveres proibido e, enfim, sua matrícula na conceituada universidade cancelada. Contudo, a purgação do mundo acadêmico jamais seria um impeditivo para o obcecado West. Durante quase dezesseis anos, com a ajuda de Randy Carter, um colega do curso, o jovem de cabelos loiros e olhos azuis realizou experimentos secretos nos fundos de sua mansão, visando nada mais nada menos que o desbravamento da morte, a mais longínqua e inevitável das fronteiras. Tudo o que ele precisava eram cadáveres ainda frescos e, mesmo pagando polpudas quantias em subornos a coveiros e médicos, dificilmente ele conseguia corpos em tal estado. Esse sempre fora seu grande calcanhar de aquiles já que, por mais que tenha desempenhado avanços notáveis no campo da reanimação, ele aprendera a duras penas que a técnica deveria ser executada preferencialmente poucos minutos após o óbito, sob o risco de criar bestas movidas somente pelo instinto após a decomposição inicial do tecido cerebral. Por diversas vezes, West inadvertidamente criou em seu laboratório improvisado o que povos como os mbundu chamaram de nzumbe, os haitianos zonbi, e, os ocidentais, zumbis. Mas, para West, os corpos que se reanimavam desprovidos de consciência e famintos por carne humana tinham somente um nome possível: fracasso. A jornada em busca da reanimação de cadáveres o levou a transitar pelo meio-fio da sanidade, e ele foi visto pela última vez rondando os cemitérios de Boston no ano de 1921, certamente buscando novos corpos para seus inomináveis experimentos. Àquela época, o amigo e assistente Randy Carter já havia se afastado, temendo a gradual insanidade que se apoderava de West. E o fato de que ele sempre se queixara de que se sentia vigiado levou Carter a especular sobre seu assassínio. Caso soubesse do que realmente acontecera, o ex-amigo jamais dormiria novamente. A verdade é que, após sucessivas falhas em seus experimentos, West concluiu que sua técnica de reanimação, que consistia em injetar seu fluido na veia dos cadáveres, era absolutamente perfeita, pois em 100% dos casos era capaz de reanimar os mortos. Contudo, ela carecia de uma base mais sólida, uma etapa preparatória. Fazia-se necessário frear o relógio da decomposição enquanto sua técnica agia sobre o corpo. Durante as décadas seguintes a seu suposto desaparecimento, West empregou a enorme fortuna deixada pelo pai, morto em circunstâncias misteriosas, para viajar em segredo a diferentes localidades da Ásia, Índia e Europa, disposto a desvendar o mistério que orbita os mais antagônicos cultos e religiões: a incorruptibilidade, condição que, segundo se crê, mantém cadáveres intactos, sem qualquer sinal de decomposição senão um pequeno ressecamento da pele,durante séculos. Nas proximidades de Yamagata, no norte do Japão, West ouviu relatos de corpos de monges budistas mortos há duzentos ou trezentos anos que, sentados em posição de lótus jamais se decompuseram. Todo seu ser se encheu de euforia comparável somente a sua decepção ao desvendar tal enigma. Os chamados Sokushinbutsu, ou budas vivos, como eram conhecidos os monges, tão somente causavam as próprias mortes através da inanição, que livrava os corpos de gordura, enquanto ingeriam quantidades graduais de venenos capazes de lentamente se acumular nos tecidos e inibir a ação de bactérias e vermes após o óbito. No Vietnã, West descobriu a história de Vuc Khac Minh, outro monge budista morto em 1639 em posição de lótus, durante uma jornada de 100 dias de prática meditativa. Seu corpo fora encontrado pelos outros monges intacto, e assim permanecera pelos três séculos seguintes. Mas pouco de sobrenatural havia no fenômeno. Especula-se que seu extraordinário estado de conservação se deveu a uma combinação de sais minerais encontrados em sua pele que, em contato com a gordura do tecido adiposo, teriam se tornado uma espécie de sabão fato que, por mais peculiar que fosse, não servia aos propósitos de West. Ele precisava de um corpo morto, conservado e com os tecidos intactos. Já na França, ele viu de perto o corpo da freira Bernadete Soubirous, que durante os 40 anos desde sua morte fora exumada duas vezes, sem que ninguém pudesse explicar a suposta incorruptibilidade de seu corpo. Essa história, e dezenas de outras colecionadas, sobre lamas, santos e até mesmo camponeses comuns cujos corpos não se decompunham, levaram West a crer que, mesmo com uma farsa aqui e acolá, a incorruptibilidade era um fenômeno raro, mas real. Fosse ele capaz de desvendá-la, teria a chave para a reanimação. Foi na cidade de Düsseldorf, de uma Alemanha arrasada pela guerra, que West descobriu a mais notável ocorrência do fenômeno. O corpo de uma jovem de identidade incógnita, conhecida como Bela Incorrupta, fora encontrado por camponeses há mais de 100 anos, enterrada dentro de um esquife de vidro. A relíquia fora julgada perdida após um bombardeio à cidade, mas foi encontrada intacta pelos americanos debaixo dos escombros de uma igreja. Ainda que muitos fenômenos de incorruptibilidade desafiassem o pensamento científico, todos eles pareciam meras fraudes se comparados ao corpo de Bela. A pele ainda era rosada, coberta por uma fina camada de sebo. Os cabelos, sedosos, brilhavam como se recém-lavados, e os lábios ainda estavam levemente umedecidos. West precisava daquele corpo, guardado numa base de ocupação americana. E os anos roubando cadáveres em morgues e cemitérios haviam lhe dado o treinamento necessário para orquestrar um roubo de complexidade filarmônica. Usando o resto da fortuna deixada pelo pai, subornou guardas, soldados e um assassino, que deu cabo de uma jovem de traços parecidos com os da morta. Na calada da noite, ele trocou os corpos e levou o esquife num caminhão militar para a velha casa de campo comprada de um lavrador. A casa pouco interessava a West, mas seu porão largo era tudo o que precisava. Lá ele levou o corpo, determinado a prosseguir seus experimentos. Daquele porão, ou os dois sairiam vivos, ou nenhum. Talvez tenha sido a excitação ou o esforço por ter carregado o corpo escadas abaixo, mas tão logo desceu ao porão, sentiu uma pontada aguda no coração, seguida por um formigamento em todo o lado direito do corpo. Ainda que não acreditasse em céu e muito menos em inferno, do contrário jamais executaria seus experimentos profanos, rogou a quem quer que estivesse ouvindo-o por mais tempo. Apressou-se em sua pesquisa. Deitou o corpo numa mesa de cirurgia improvisada e logo puxou a pálpebra esquerda da finada. A córnea estava brilhante como se ainda vivesse, e não turva como é da natureza dos outros cadáveres. Tocou-a levemente, estava úmida, e em seguida perfurou-a lentamente com uma seringa, extraindo um líquido negro e viscoso que vazou pelo buraco e murchou o globo ocular, maculando permanentemente sua magnífica feição. A perfuração abriu o apetite da curiosidade de West e ele introduziu uma pequena faca dentro da cavidade óssea e cutucou o olho até extraí-lo. Suas mãos desprotegidas já estavam manchadas de preto. Esticou a camada de músculo e gordura rosa que envolvia o olho e ficou estupefato por eles ainda estarem úmidos. Uma nova perfuração fez com que um líquido transparente conhecido como humor aquoso vazasse, e não havia nada nele que indicasse ter sido extraído de um corpo enterrado há centenas de anos. Durante longas horas, ele dissecou cuidadosamente as camadas do olho, numerosas como as de uma cebola e frescas como ele jamais vira antes. No fim do trabalho, inconclusivo, teve vontade de extrair novos órgãos, mas foi vencido pelo sono. Dormiu ali mesmo, com o rosto deitado sob os viscosos líquidos oculares. Outro fenômeno incrível deixaria West estupefato: ao acordar no dia seguinte, reparou que os líquidos haviam secado e o olho já se decompunha em ritmo acelerado. O que quer que fosse responsável pela incorruptibilidade estava intrinsecamente ligado ao corpo, e ele concluiu que seguir om a dissecação implicaria em perder seu belíssimo e valioso objeto de estudos. Nos meses que se seguiram, West realizou experimentos mais comedidos em Bela. Pela primeira vez na vida, sentiu remorso, ao olhar para o rosto maculado da jovem, sem o olho esquerdo. Usando um pouco de barro, moldou uma esfera e a inseriu na cavidade ocular, fechou a pálpebra e recuperou,em parte, sua beleza original. Contanto que a pálpebra não fosse erguida, a jovem parecia tal qual havia sido encontrada, o que trouxe uma sensação de alívio para West. Por mais que desconhecesse, de tanto olhar para Bela, ele começou a nutrir por ela um sentimento de proteção, talvez até carinho,se seu abominável coração fosse capaz de tanto. A cada novo experimento, ele arrancava pequenos nacos de pele e tecido, e, depois de muito relutar, extraiu-lhe a tíbia esquerda, enquanto pedia mil desculpas ao corpo inerte. No lugar das mutilações, o sangue não escorria, mas formava-se uma pequena vermelhidão, tal qual ocorria com outros corpos incorruptos exumados por cientistas. Quase um ano se passou desde que West roubara o corpo. Além de não ter conseguido avançar em seus estudos, as frequentes pontadas no peito indicavam que o tempo para experimentos estava no fim. Mas se o mistério da incorruptibilidade do corpo estava além de seu alcance, por outro lado ele tinha em suas mãos o cadáver mais bem preservado que já vira. Ao avaliar o estado dos outros tecidos, não havia razões para duvidar que o cerebral gozasse da mesma saúde. Durante quase uma noite, ele preparou depois de muitos anos seu fluido maldito. Ao terminar, injetou o líquido no braço incrivelmente macio da moça, até que a substância negra transbordasse pelo pequeno buraco da agulha. Pacientemente, ele falou em com sua voz arranhada e um tanto gaga sobre como Bela lhe traria fama e fortuna uma vez que ele revelasse ao mundo o êxito de seus experimentos. De como o corpo docente da Universidade de Miskatonic e até mesmo seu melhor amigo e assistente, Randy Carter, voltariam correndo de joelhos quando o fluido estivesse presente em todas as salas de cirurgia do mundo, pronto para reanimar os recém-mortos. E no dia em que seu coração finalmente falhasse, ela, sua amada Bela, seria quem lhe traria de volta com a técnica miraculosa, para que juntos gozassem de uma vida livre de julgamentos e das amarras da morte. Por vários minutos, ele observou atentamente o rosto corado de Bela, esperando o momento de ser surpreendido com a abertura de seu belo olho azul. Mais uma vez, lamentou-se por ter arrancado o olho, a tíbia e alguns dedos, mas ela haveria de entender quando acordasse. Horas se passaram. Ele tentou ainda uma segunda dose do fluido, sem efeito. O fantasma do fracasso logo jogou sua sombra sobre West e, enfurecido, ele socou o peito do corpo sem vida da moça por repetidas vezes, gritou-lhe que despertasse, desafiou-a a abrir a boca e tentar devorar seu cérebro como seus experimentos anteriores fizeram, mas ela permanecia imutável como o mais belo dos quadros. West virou-se de costas e foi até a porta. Apoiou-se sobre o batente e começou a chorar de raiva. Dedicara anos de sua vida a encontrar aquele belo corpo atrás de si, e outros tantos a desenvolver seu fluido reanimador. Anos que lhe custaram a brilhante carreira, a herança deixada pelo pai e a juventude. Agora, sem recursos para sequer voltar para casa, sem poder praticar medicina e dado como morto em sua terra natal, restava-lhe apenas esperar pelo próximo ataque do coração, que já se anunciava através de um familiar formigamento no braço. Voltou-se para Bela e tocou-lhe suavemente o rosto. Aproximou-se e, em seu ouvido, agradeceu-lhe pela ajuda em seus experimentos. Ele sabia que a morte se aproximava, mas disse que, já que não conseguira lhe trazer de volta à vida, ele ao menos poderia dar-lhe algo. Vestiu-a com seus belos trajes de princesa. Escreveu uma carta, em que detalhou com riqueza de detalhes a autópsia parcial realizada no olho, nos dedos e na tíbia, sem especificar a real razão pela qual o fizera. Esperava que o corpo pudesse ser estudado pelas gerações futuras e deixou seu laboratório improvisado. Numa delegacia da cidade, ele confessou o roubo que deixara o exército americano e toda a Alemanha boquiaberta, e indicou com precisão sua localização, antes de sofrer um derrame fulminante que o deixou em coma durante seus derradeiros dezoito meses. A reaparição do corpo incorrupto logo ganhou as páginas de jornais do mundo todo e ele foi transportado para universidades e laboratórios por toda a Europa para averiguação. À exceção das mutilações promovidas por West, e mais algumas que vieram a ser feitas pelos cientistas, aquele era o cadáver perfeito de uma jovem de vinte e poucos anos, em melhor estado do que o de muitas que ainda viviam. De volta à Alemanha, o corpo foi novamente colocado num esquife de vidro, desta vez, blindado, para ser exibido no Museu Gemäldegalerie, em Berlim. Durante todo resto do século XX, ele foi visitado diariamente por milhões de cristãos, fiéis e curiosos, que diziam que seu simples vislumbre era capaz de curar enfermidades. Contudo, inexiste qualquer fato que comprove a tese. O corpo foi novamente roubado misteriosamente no ano de 1982, numa sequência cinematográfica de crimes e fraudes executados com perfeição. Contudo, o esquife voltou a aparecer dois anos depois, a bordo de um navio abandonado na costa da cidade de Nice, França, aparentemente intacto,de onde foi devolvido ao povo alemão. Com a segurança reforçada, comparável somente àquela que foi montada para proteger a Mona Lisa, Bela Incorrupta agora recebe seus visitantes protegida por um pequeno exército. Mas, ao olhar para o rosto sedoso e tranquilo da jovem que atravessou séculos sem se decompor, os fiéis cheios de pedidos e esperanças sequer imaginam a horripilante história por trás do caixão transparente. Não sabem que a pobre Bela ouve suas preces, escuta e sente tudo o que se passa consigo e a sua volta,incapaz de se mover ou se fazer ouvir desde que mordera uma maçã envenenada, em 1598. - Conto retirado do livro Branca Dos Mortos e Os Sete Zumbis e Outros Contos Macabros. -
Posted on: Mon, 19 Aug 2013 23:51:02 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015