*Maurício Santoro Hoje se completam 40 anos do golpe de Estado de Augusto Pinochet no Chile. Em breve serão cinco décadas daquele deflagrado pelos generais do Brasil. Os aniversários acontecem em meio a um intenso esforço brasileiro por memória e justiça com relação à ditadura, impulsionado pelo trabalho das Comissões da Verdade, por movimentos sociais, pesquisas de acadêmicos e investigações jornalísticas. Uma das consequências desse processo é a compreensão mais acurada do papel que Brasília desempenhou na década de 1970 na promoção e coordenação da repressão política na América do Sul, inclusive na derrubada do regime democrático chileno. Documentos oficiais descobertos recentemente nos dois países estão ajudando a reconstituir a história de como empresários, diplomatas e militares brasileiros auxiliaram os grupos que conspiravam para depor o presidente Salvador Allende, infiltraram agentes para espioná-lo e depois apoiaram o regime autoritário a perseguir, torturar e matar pessoas de vários países sul-americanos que viviam no que era então um oásis de liberdade na região. A embaixada brasileira em Santiago foi uma das poucas a não oferecer asilo após o golpe, nem sequer aos cidadãos do Brasil. A cooperação da repressão foi formalizada na criação da Operação Condor, em Santiago, em 1975, mas o apoio mútuo das ditaduras era anterior e começou por iniciativa brasileira. Há denúncias de torturadores do Brasil assessorando colegas chilenos no interrogatório aos prisioneiros políticos reunidos Estádio Nacional, logo após a tomada do poder por Pinochet. O voo da Condor foi longo e abrangeu sequestros, torturas e assassinatos em diversos países da América do Sul, inclusive no Brasil. Desde 2009 o Supremo Tribunal Federal autorizou a extradição de dois militares – um argentino e um uruguaio - para serem julgados na Argentina por envolvimento na Condor. O STF considerou desaparecimentos forçados cometidos na ditadura como crimes ainda em andamento, estabelecendo um precedente crucial para o Brasil. O Ministério Público Federal investiga quase 200 casos semelhantes e denunciou militares e policiais, mas enfrentado grande resistência por parte dos juízes de primeira instância em levar adiante esses processos. A experiência chilena tem lições importantes para o Brasil: o caminho para a justiça é longo, requer persistência e múltiplas tentativas. O país vizinho teve três Comissões da Verdade (1990-1, 2003-4 e 2010-1). A primeira delas foi presidida pelo jurista Raúl Rettig, que havia sido embaixador de Allende em Brasília. A Lei de Anistia não foi anulada, mas houve mais de mil processos contra pessoas acusadas de envolvimento na repressão política, com cerca de 70 condenações. A própria prisão de Pinochet no Reino Unido, por ordem do juiz espanhol Baltasar Garzón, afirmou de maneira clara a força das redes internacionais no enfrentamento aos crimes contra a humanidade, como a tortura. O Brasil é retardatário em iniciativas de justiça de transição. A Comissão Nacional da Verdade mal completou o primeiro ano, em meio a conflitos internos e com recursos escassos. Apesar das dificuldades, é passo crucial na busca por justiça e tem funcionado como catalizador que impulsiona instituições semelhantes em estados, universidades, na Ordem dos Advogados do Brasil e na cidade de São Paulo. Surgiram movimentos de questionamento da impunidade dos torturadores, como o Levante Popular da Juventude e uma nova e dinâmica geração de procuradores da República. Há sentimentos de indignação e perplexidade pela recusa do governo federal em cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que determina a anulação da Lei de Anistia, por sua incompatibilidade com os acordos diplomáticos ratificados pelo país. Com o aniversário de 50 anos do golpe brasileiro se aproximando, é mais do que hora da sociedade enfrentar esses dilemas. *Mauricio Santoro é cientista político e assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil.
Posted on: Sat, 14 Sep 2013 19:39:16 +0000
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