"É possível esquerda fora do eixo marxista? O que achei mais - TopicsExpress



          

"É possível esquerda fora do eixo marxista? O que achei mais instigante neste debate em torno das relações de produção e das formas de vida em experimento pela rede Fora do Eixo foi ver a esquerda confrontada com alguns velhos preconceitos marxistas que ainda não foram devidamente apreciados e superados. Uma coisa que eu não entendo na "cosmogonia" marxista é que a tão alegada determinação recíproca entre infraestrutura e superestrutura nunca é satisfatoriamente elucidada em termos claros do que predomina sobre o que, por que parece se reconfigurar de modo inconsistente conforme a ocasião. Aí se diz comumente, que a determinação é "dialética", e de Hegel até as ramificações últimas do marxismo o que esta palavra significa se tornou algo incontrolável, e aí ora o que decide é a infraestrutura, ora é a superestrutura, mas nunca isso faz outro sentido além de se chegar a velha conclusão de que não há outra alternativa à barbárie que não seja a direção da vanguarda intelectual que planeja a tomada de poder e a estatização imediata de toda a economia. Então, quando queremos criticar os aparelhos ideológicos de estado, dizemos, que os que estão aí, educação, imprensa, leis e administração, que não adianta trabalhar a partir deles, eles estão sistematicamente comprometidos com os interesses do capital e nunca poderão de fato conter os excessos das relações de produção vigentes. Se as relações de propriedade dos meios de produção não forem desmanteladas na base da economia, elas vão viciar qualquer iniciativa institucional que tente limitar seus interesses, o que leva a conclusão de que a ideia de interesse público é sempre vazia. E a razão é o dogma "a infraestrutura determina a superestrutura". Para defende-lo, se aponta com razão que a efervescência intelectual iluminista e a constituição dos estados burgueses constitucionais teve que ser antecedida pela ascensão econômica de uma nova classe a partir de relações de produção específicas que foram se infiltrando entre as rotas comerciais espremidas entre os rincões do feudalismo e se estabelecendo como predominantes nos centros urbanos. Muito bem, mas então o que se propõe? Tomada violenta do Estado, suspensão das garantias legais que dão a configuração específica da democracia institucional em curso (por que esta era, lembre-se, o fruto da árvore envenenada). A partir daí, constituição de um Estado revolucionário do zero, com poderes absolutos, que vai implementar de cima pra baixo novas relações de produção, o que de imediato consiste em estatização de toda a economia a pretexto de posterior socialização dos meios de produção num horizonte mais ou menos distante conforme as circunstâncias. Então vem o que me intriga. Mas peraí, não era a infraestrutura que determinava a superestrutura? Então como é que é o Estado revolucionário, uma logística cultural que não gerencia a produção econômica diretamente, que vai, por sua própria iniciativa, implementar do zero um novo modo de produção, com novas formas de propriedade e relações de produção, se elas não foram sequer esboçadas em formas de vida concretas? Aí nessa hora se diz, que a relação de determinação é "dialética", e como isso não significa mais nada, fica a esperança de que neste caso, por que nossos intelectuais orgânicos são melhores que os deles, vão ser capazes de fazer a economia funcionar em termos inteiramente novos na base de leis e decretos, o que mostra uma miragem tecnocrata na pragmática marxista. Diante deste quadro, experimentos de outros modos de produção, em atitude de resistência, dissonância e contracultura graduais à infraestrutura e superestrutura capitalistas não seriam válidas como o que são, experimentos, como foi o primeiro carroceiro medieval que teve a ideia de comprar batata num feudo e vender mais caro noutro? Não poderiam depois gerar resultados concretos para novas leis e até para um eventual estado constituído em novos termos encontrar já algumas logísticas de produção bem sucedidas para serem ampliadas em alternativa às relações capitalistas? Mas aí a intelectualidade marxista emperra de novo, fazendo pouco caso como sempre faz de iniciativas de empreendedorismo comunitário, alegando que tudo isto é absorvido na lógica dominante do capitalismo, que esta sim tem que ser erradicada de um ato só, enérgico, decisivo, heroico, e numa escala transcontinental por líderes políticos guiados por princípios econômicos estritamente científicos, que funcionariam por si mesmos uma vez postos de lados os interesses dos capitalistas. E então se diz que estas iniciativas dissonantes não prosperam. Mas eu pergunto, em que medida decisiva prosperaram as iniciativas políticas comunistas? A União Soviética ou o socialismo cubano prosperaram em todos os aspectos que nos interessam na gestão de uma nação e na realização dos anseios de um povo? Não se viram também os líderes revolucionários, uma vez convertidos em castas burocráticas, forçados a desempenhar "o papel de patrão capitalista" ? E o que é mais desastroso em termos de experimento? A KGB ou o cubocard? O que me parece é que o marxismo ainda se vê muito fascinado pelo autoritarismo de estado e pelo cientificismo, um ranço de século XIX que presume que basta alguém ter a ideia cientificamente correta e os meios de força adequados para conduzir de modo satisfatório cidades, países, povos e culturas, e que diálogo, horizontalidade e criatividade difusa são só ruídos atrapalhando o esforço teórico do líder, no caso, o intelectual orgânico ou sua classe revolucionária em assembleia. No fim é o mesmo sujeito cartesiano, legislando com autoridade a priori sobre um mundo "objeto". Me pergunto se esta ideia ora efervescente de multidão não terá que pôr em tensão estes preconceitos que o marxismo nos legou."
Posted on: Sun, 11 Aug 2013 16:49:06 +0000

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