1. Em que acreditar A sociedade moderna passa por uma profunda - TopicsExpress



          

1. Em que acreditar A sociedade moderna passa por uma profunda crise de identidade no que concerne a crenças religiosas. Desde o Renascimento e, mais tardiamente, o Iluminismo, passamos por uma busca progressiva pelo racionalismo, estimulando a ciência, o materialismo histórico, a lógica, o método científico, a experimentação, em suma, o conhecimento. A espiritualidade, ou sua expressão institucional, a religiosidade, chegam a ser vistas até com um certo preconceito, assemelhando-se a superstições, mitos e lendas. Se por um lado a Era da Razão, sinônimo iluminista, trouxe uma notável evolução ao pensamento, procurando eliminar os resquícios de tirania provenientes da Idade Média, por outro lado superestimaram o papel e a capacidade da espécie humana, e negligenciaram tudo aquilo que não era palpável, mensurável ou reprodutível em laboratório. A própria razão humana, talvez até narcisisticamente, engrandeceu a si própria. Podemos ter uma noção desse extremo na seguinte expressão que muito me impressiona do físico e matemático francês Laplace: “se uma inteligência pudesse saber a posição de todas as partículas de matéria em dado momento, todas as nossas dúvidas se dissipariam e o futuro e o passado se descortinariam diante de nossos olhos”. Esta frase pode expressar o ápice do chamado pensamento mecanicista, determinista, estipulando que tudo já estaria determinado pelas leis da física e, com o conhecimento adequado, tudo seria previsível ou manipulável. Longe de querer ser reacionário ou demasiado conservador, reconheço que a sociedade moderna, progressista, democrática e produtiva que conhecemos hoje não existiria não fossem tais pensadores. No entanto, não há como negar que, do ponto de vista espiritual, houve um considerável retrocesso. Deus foi sendo cada vez mais relegado à periferia da ciência e da filosofia, trancafiado na penumbra das salas de Teologia. É frequente, ao perguntarmos às pessoas em que elas acreditam, se em Deus, se em Cristo, se na imortalidade da alma, se no julgamento post mortem, ouvirmos uma titubeante e vacilante expressão de fé (ou, melhor dizendo, de crença) na existência de um deus. Um deus cada vez mais impessoal, distante e vago. Ou seja, algo que corresponderia, em termos práticos, a uma espécie de agnosticismo. Talvez fosse mais coerente reconhecer-se como ateu ou, no mínimo, agnóstico, do que professar um vão “acreditar”, sem nem se ter uma teoria de em que se acredita. Seria mais plausível acreditar que tudo que existe sempre existiu e sempre existirá, ainda que de outra forma diversa da atual, desempregando Deus e estabelecendo sua desnecessidade. Uma das subteorias do big bang afirma que, assim como houve uma explosão, um dia acontecerá uma retração, culminando no inverso do big bang, o big crunch, que por sua vez explodirá novamente. A força gravitacional acabaria por desacelerar as galáxias e elas se fundiriam novamente. Se esta teoria estiver certa, o tempo e o universo seriam uma série de infinitas repetições. Toda a nossa vida já teria acontecido infinitas vezes e aconteria em outras infinitas ocasiões. Seria o apogeu da ideia de Laplace, e teríamos que reconhecer que sua teoria, formulada há mais de duzentos anos, estava surpreendentemente correta. Teríamos, pois, um tempo redondo, como bem expressaria Nietzche: “Esse eterno devir nunca acaba? De hora em hora o ponteiro avança, para retornar seu caminho depois das doze". Tudo o que existe, portanto, sempre existiu e sempre existirá. Nada precisaria ter surgido do nada. Se eu tivesse intenções de ser ateu, seria nessa teoria que fundamentaria minhas crenças, teoria, por que não reconhecer, perfeitamente lógica e factível. Científica, possível, e que responderia às questões que sempre incomodaram a psique humana: “de onde viemos?, para onde vamos?, Deus existe?, quem criou o universo?”. Viemos de onde sempre estávamos; vamos para onde sempre estaremos; Deus não precisa existir; o universo não foi criado, ele é eterno. Não podemos, do ponto de vista lógico, excluir essa possibilidade. No entanto se, por uma questão de fé, negamos o ateísmo, devemos defender o que acreditamos com toda a força e sermos seguros e confiantes das nossas crenças. Crer por crer, vagamente, é mais incoerente do que o ateísmo. “Credo quia absurdum” (creio, porque é absurdo), como diria Tertuliano no século II. Ou, como disse Cristo a Tomé: “Tu acreditaste porque me vistes, bem-aventurados os que acreditaram sem me ver” (Jo 20,29). Acreditar num deus impessoal, que não movimenta a História, não interfere no destino da raça humana, não se comunica com a sua criação, não se intromete no nosso dia-a-dia, é pior do que acreditar na teoria do Big Crunch. Neste ponto sou contra, em parte, ao materialismo histórico. Ao que parece, para muitas pessoas o único trabalho de Deus foi criar o mundo, o cosmos. Depois, para onde foi, se não nos mandou mensageiros, se não se preocupou conosco, se não interferiu no desenrolar da História? Retirou-se para um descanso eterno no completo silêncio? Seria apenas um Grande Arquiteto do Universo que, ao terminar sua construção, se recolheu a seus aposentos? Penso que não. Essa visão é, além de ilógica, desesperançosa, triste e desoladora. Um deus assim, em suma, não seria muito útil ou altruísta. Não seria Deus. Mas, se mantivermos nossa fé forte e vívida, acreditaremos num Deus pessoal, não necessariamente antropomórfico, mas real, não uma pura abstração. Acreditaremos que ele se revelou à humanidade de algumas formas, ao longo dos tempos e em diferentes culturas, mostrou-se àqueles que são sua imagem e semelhança e até, por que não, interferiu no seu destino. Acreditar num Deus pessoal é crer naquele que se revelou a Moisés no Monte Sinai, ou a Maomé no Monte do Templo em Jerusalém. Aquele se mostrou a Abraão como um arbusto em chamas. Ora, se Deus não tivesse se revelado a ninguém, como saberíamos o que ele quereria de nós? Como saberíamos o que lhe agrada ou desagrada? Se ele não se revelou, nada poderia nos cobrar. Seríamos absolvidos pela ignorância. Não podemos praticar algo que sequer conhecemos. O que quero defender é que as diversas manifestações religiosas ao redor do mundo são expressões do mesmo ente divino, que na sua beneficência manifestou-se a diferentes povos em diferentes culturas e através de diferente épocas. Toda espiritualidade que cultua um Deus único, toda crença monoteísta, é expressão válida e confiável do mesmo Deus. Prova disso é que as três principais religiões do mundo, o judaísmo, o islamismo e o cristianismo, cultuam o mesmo deus de Abraão, patriarca de todas elas. Seja Iaweh, Jeová ou Alá, são nomes próprios diferentes para o mesmo criador, aquele que orientou Abraão pela terra de Canaã. Paulo Bezerra
Posted on: Wed, 18 Sep 2013 17:47:23 +0000

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