1 Nunca murmurei uma prece, nem escondi os meus pecados. - TopicsExpress



          

1 Nunca murmurei uma prece, nem escondi os meus pecados. Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia; mas não desespero: sou um homem sincero. 7 Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes, mas ninguém se deleita sempre em suas páginas. No copo de vinho está gravado um texto de adorável sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia. 9 Que pobre o coração que não sabe amar e não conhece o delírio da paixão. Se não amas, que sol pode te aquecer, ou que lua te consolar? 14 Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos. Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno? Conheces alguém que visitou esses lugares? E ainda queres encher o mar com pedras? 17 Como o rio, ou como o vento, vão passando os dias. Há dois dias que me são indiferentes: O que foi ontem, o que virá amanhã. 18 Não me lembro do dia em que nasci; não sei em que dia morrerei. Vem, minha doce amiga, vamos beber desta taça e esquecer a nossa incurável ignorância. 21 Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam, com medo do inferno; mas se realmente soubessem dos segredos de Deus, não iam plantar as mesquinhas sementes do medo e da súplica. 23 O vasto mundo: um grão de areia no espaço. A ciência dos homens: palavras. Os povos, os animais, as flores dos sete climas: sombras. O profundo resultado da tua meditação: nada. 26 Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos o que se oculta por trás das aparências. As nossas moradas são provisórias, menos aquela última. Não vamos falar, toma o teu vinho. 28 Os sábios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância, e eram os luminares do seu tempo. O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas, e depois adormeceram, cansados. 37 Quando me falam das delícias que na outra vida os eleitos irão gozar, respondo: Confio no vinho, não em promessas; o som dos tambores só é belo ao longe. 45 O oleiro ia modelando as alças e os contornos de uma ânfora. O barro que ele conformava era feito de crânios de sultões e mãos de mendigos. 46 O bem e o mal se entrelaçam no mundo. Não agradeças ao Céu pela sorte que te coube, nem o acuses: Ele é indiferente. 47 Se em teu coração cultivaste a rosa do amor, quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus, ou esgotado a taça do prazer, a tua vida não foi em vão. 53 Mestres e sábios morreram sem se entenderem sobre o Ser e o Não Ser. Nós, ignorantes, vamos apanhar as tenras uvas; que os grandes homens se regalem com as passas. 56 Só de nome conhecemos a felicidade. O nosso melhor amigo é o vinho; afaga a única que te é fiel: a ânfora, cheia do sangue das vinhas. 58 Senta-te e bebe, felicidade que Mahmud não teve. Escuta os sussuros dos amantes, são os Salmos de Davi. Não te importes com o passado, não sondes o futuro, não percas este instante: Eis a paz. 59 Pessoas presunçosas e obtusas inventaram diferenças entre o corpo e a alma. Sei apenas que o vinho apaga as angústias que nos atormentam, e nos devolve a calma. 66 Vinho, bálsamo para o meu coração doente, vinho da cor das rosas, vinho perfumado para calar a minha dor. Vinho, e o teu alaúde de cordas de seda, minha amada. 72 No turbilhão da vida são felizes aqueles que presumindo saber tudo não se instruem. Fui buscar os segredos do Universo e voltei invejando os cegos que encontrei pelo caminho. 80 O que realmente possuo? O que restará de mim depois da morte? É tão breve a vida, uma fogueira: Chamas, e depois, cinzas. 81 Convicção e dúvida, erro e verdade: são palavras, como bolhas de ar; brilhantes, ou baças: vazias, como a existência dos homens. 87 Alguns sábios da Grécia sabiam propor enigmas? É absoluta a minha indiferença por tanta inteligência. Dá-me vinho, minha amiga; deixa-me ouvir o alaúde, olha como lembra o vento que passa, como nós. 91 O amor que não consome, não é amor; a brasa tem o mesmo calor de uma fogueira? Aquele que ama, pelas noites e dias, vai se consumindo no prazer e na dor. 92 Não aprendeste nada com os sábios, mas o roçar dos lábios de uma mulher em teu peito pode te revelar a felicidade. Tens os dias contados. Toma vinho. 94 Nunca rezei nas mesquitas, mas antes ainda sentia uma tênue esperança. Agora gosto de me sentar lá; aquela sombra é propícia ao sono. 105 A aurora encheu de rosas a taça do céu, e o último rouxinol canta o seu meigo canto; e ainda há quem pense em honras e glórias… Vem, menina… que sedosos são os teus cabelos… 109 Homem ingênuo, pensas que és sábio e estás sufocado entre os dois infinitos do passado e do futuro. Não podes sair. Bebe, e esquece a tua impotência. 113 Estudei muito e tive mestres eminentes e me orgulhava dos meus progressos e triunfos. Agora lembro-me do sábio que eu era: era como a água que toma a forma do vaso, como a fumaça ao vento. 115 Despe-te dessas roupas que te envaidecem e que não trazias ao nascer; os teus conhecidos não te cumprimentarão mais, mas em teu peito cantarão os Serafins do céu. 120 Rosas, taças, lábios vermelhos: brinquedos que o Tempo estraga; estudo, meditação, renúncia: cinzas que o Tempo espalha. Trechos do Rubayat - Omar Khayyam
Posted on: Wed, 23 Oct 2013 10:46:02 +0000

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