10.3 A TORRE DE BABEL O narrador bíblico não foi apenas um - TopicsExpress



          

10.3 A TORRE DE BABEL O narrador bíblico não foi apenas um compilador amorfo de narrativas advindas do seu passa-do. Vai num crescendo mostrando o rastro de efeitos do pecado em todo o ambiente em que se insere e que cerca o Homem. Abordou todos os fatos em todos os ângulos em que sentiu uma provável presença desse desequilíbrio. Daqui passa a abordar outro efeito catastrófico dele, a começar com o episódio que tomou o nome de Torre de Babel. É que o Homem, desprovido da unidade que lhe proporcionaria Deus, passa a buscá-la apenas a partir dos seus semelhantes, índole que lhe fora incutida na própria natureza (Gn 2,18). Somente vivendo em agrupamentos humanos poderia ele vencer as diversas intempéries que o mundo hostil lhe oferecia e que sozinho nunca superaria. Várias obras arquitetônicas, monumentos e até mesmo cidades imensas vêm corroborar esse fato de haver uma vida social organizada, como fruto de sua inteligência, voltada para a conduta e comportamento em comum. O equilíbrio advindo vem sublinhado com a afirmação de que “todo o mundo usava e se servia da mesma língua” (Gn 11,1) apesar de antes já se mencionar várias delas (Gn 10,5.20). O sentido que se quer imprimir é que os homens se entendiam, tinham um objetivo comum que os mantinha na unidade, aqui significado numa obra monumental, superando a ameaça de desunião. As torres da Mesopotâmia tinham a forma de uma escada, como que a unir o céu e a terra, permitindo aos deuses descer, para se entreter com os homens. A narração mostra que para se tornarem famosos e salvar a unidade pretenderam construir uma torre: “Disseram um ao outro: ‘Vinde! Façamos tijolos e cozamo-los ao fogo!’ O tijolo lhes serviu de pedra e o betume de argamassa. Disseram: ‘Vinde! Construamos uma cidade e uma torre cujo ápice penetre nos céus! Façamo-nos um nome e não sejamos dis-persos sobre toda a terra” (Gn 10, 3-4). O “não sejamos dispersos sobre toda a terra” mostra com propriedade que a finalidade deles era a própria unidade em perigo eminente. Apegaram-se tão ciosamente uns aos outros, por perderem o liame com o próprio Criador, bem como contrariaram aqueles desígnios que lhes imprimira com a ordem expressa de “povoar a terra e enchê-la” (Gn 9,1.7). Pelos degraus da Torre que construíam “Iahweh desceu para ver a cidade e a Torre que os homens tinham construído” (Gn 11,5), e não se alegrou: “E Iahweh disse: ‘Eis que todos constituem um só povo e falam uma só língua. Isso é o começo de suas iniciativas! Agora, nenhum desígnio será irrealizável para eles! Vin-de! Desçamos! Confundamos sua linguagem para que não mais se entendam uns aos outros.’ Iahweh os dispersou dali por toda a face da terra, eles cessaram de construir a cidade” (Gn 11,6-8). Há nessa narrativa muito mais que a tentativa de explicar a origem das línguas, como geral-mente se presume. Não se pode esquecer de que “o coração do homem continua voltado para o mal” como já fora diagnosticado, manifestando-se ainda em discordâncias familiares tais como a entre Noé, dois de seus filhos, e Cam, o caçula que ofendeu culturalmente a honra do pai (Gn 9,20-25). Apesar do Dilúvio a desarmonia familiar continuava, terminando com a maldição de Canaã, o primogênito de Cam, numa pretensa justificativa perante a consciência tribal do motivo de Deus tirar a Terra de “Canaã” e entregá-la aos descendentes do filho primogênito de Noé, “Sem”. Também, da descendên-cia de Cam vêm os “homens que emigraram para o oriente, ...um vale na terra de Senaar e aí se estabeleceram” (Gn 11,2.4 / 10,10.19): são os filhos amaldiçoados (Gn 9,25-27) e, tal como os de Caim, passaram a construir “cidades”, fontes de perdição, entre elas Babel (Gn 10,10) e Sodoma e Gomorra (Gn 10,19; 13,13; 18,20; 19,4-11). É evidente que o narrador quer demonstrar as conse-qüências do pecado difundindo-se e alastrando-se até mesmo pela vida social pois os homens não mais se entendem, “não falam a mesma língua”, fruto da mesma cobiça e do mesmo orgulho, que os afastara da intimidade de Deus no Paraíso, comparando-se: Gn 3, 4-5 Gn 11,4 Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal. IConstruamos uma cidade e uma torre cujo ápice penetre nos céus. Façamo-nos um nome e não sejamos dispersos sobre toda a terra E não conseguem a não ser repetir o infortúnio e a frustração anterior: Gn 3,22 Gn 11,6-7 Se o homem é como um de nós, versado no bem e no mal, que ele agora não estenda a mão e colha também da árvore da vida, e coma e viva para sempre. Isso é o começo de suas iniciativas! Agora, nenhum desígnio será irrealizável para eles. Vinde! Desçamos! Confundamos sua linguagem para que não mais se entendam uns aos outros. Há assim uma espécie de ratificação da Queda Original, pela identidade dos efeitos finais, em que o preceito violado foi a difusão do gênero humano, feita de maneira harmônica e pacífica, sem as causas da separação ocorrida, em que não mais se fala a “mesma língua”, não mais se entendendo. Como se agrupavam contra os Planos do Criador, que determinara a dispersão dos homens por todo o mundo, o narrador coloca em Deus a fonte do desentendimento deles. Do fato advém o nome Babel (Gn 11,9) que significa “porta de Deus”, naturalmente se referindo ao lugar por onde Deus desceu causando a confusão e desentendimento. A grande mensagem dessa narrativa é a necessidade e premência do Homem sempre ter uma grande obra para conseguir manter a unidade com os seus semelhantes. Inutilmente, pois o desenten-dimento que se manifesta no relacionamento social foi originado no rompimento havido com o Criador. Comprometido o centro irradiador da energia unitiva de Deus não é possível a unidade humana a não ser a custa de esforços gigantescos bem como em obras de grande projeção. O próprio interesse humano se desviou, não sendo por amor a Deus que se busca o progresso, mas por motivos humanos e egoístas, fama e vaidade ou qualquer outra forma de cobiça e orgulho. A mudança e inversão desse quadro somente se dará com a inauguração da era cristã, fato significado com o fenômeno de Pentecostes: “E todos ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia se exprimissem. Achavam-se então em Jerusalém ju-deus piedosos, vindos de todas as nações que há debaixo do céu. ...cada qual os ouvia falar em seu próprio idioma” (At 2,4-6). Noé teve três filhos: Sem, Cam e Jafet (Gn 9,18-19 / 10,1-32 / 11,10-32), com os quais foi estruturada a História da Salvação. De acordo com as genealogias bem delineadas estão as duas posições que aparecem desde Caim: a separação entre a geração dos “bons”, aqui em Sem, e a dos “maus”, em Cam, de cuja descendência Deus tirará a Terra Prometida para entregar aos descendentes de Sem (Gn 10,15-17 / 15,18-20 / Dt 7,1). Da mesma forma manifestar-se-á na descendência de Cam as cidades pecadoras “Nínive, Sodoma e Gomorra” (Gn 10,11.19). Até aqui o narrador quer mostrar o estado do mundo ou, melhor, a situação ou condições a que ficou reduzida a Criação após a separação havida entre o Homem e Deus. Por sua vez, com a Queda perdido sentiu-se o Homem, desprovido do verdadeiro e único sentido da vida, ofuscado pela desordem conseqüente, difuso em sua estrutura e sem critérios básicos normais de conduta e compor-tamento, guiando-se apenas e tão somente pelo próprio instinto de sobrevivência e de conservação da espécie.
Posted on: Mon, 12 Aug 2013 06:00:01 +0000

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