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22/06/2013 Zero Hora Cultura | Pág. 2 Clipado em 22/06/2013 06:06:42 Para entender as vozes das ruas Fomos todos surpreendidos. Afinal, como compreender as manifestações que vêm reunindo tantos, em tão pouco tempo e em tantas cidades brasileiras? Quais seriam as particularidades do que se vê hoje nas ruas e quais semelhanças podem existir entre o que temos visto e as mobilizações de outras décadas? Uma característica do momento é a forma descentralizada e acelerada com que se dissemina a notícia de uma manifestação e de uma agenda de reivindicações. O que está disperso se movimenta para se aglutinar na “rede” ou nas ruas. Isso se deve, por um lado, ao uso de tecnologias móveis de comunicação e, por outro lado, à inexistência de uma liderança reconhecida e organizada, capaz de deliberar sobre o que reivindicar, como protestar, que ruas seguir etc. Esta ausência é, para muitos, o prenúncio do seu fracasso. Ao contrário, essa parece ser sua qualidade. Não que partidos e agremiações organizadas estejam com seus dias contados no Brasil. A democracia comporta – e mais, depende – de organizações formalizadas. Porém, sociedades democráticas estão ancoradas igualmente em movimentos autônomos, mais ou menos espontâneos, mais ou menos dispersos e completamente independentes da tutela de partidos e governos. Aqui, outra novidade. Há muito não se via o que se conhece por sociedade civil se pronunciar sem estar movida por fartos recursos públicos, de empresas de petróleo, banco público ou orçamento municipal, estadual ou federal. Nos últimos anos, em especial na última década, assistimos a um processo lento, mas persistente e deliberado para financiar com recursos públicos toda e qualquer iniciativa civil. O resultado não foi outro senão a domesticação da iniciativa e a estatização das lideranças, das agendas e da indignação. Pelo menos parte daquelas pessoas que têm se manifestado parece estar exaurida desta que parecia ser uma maneira de conduzir a vida. É possível que muitas delas queiram definir outro roteiro para si e para os lugares em que vivem. Esta é a essência mesma da democracia, ou seja, assumir por conta e risco o próprio “destino”, individual e coletivo, retirando de terceiros esta prerrogativa. Isso é típico de democratas em uma democracia. Porém, tentar definir “uma identidade” para esses movimentos tenderá a ser um empreendimento malsucedido. Isso porque não parece haver hegemonia no tipo de pessoas, biografias, motivações e agendas. O que há é diversidade. E é também essa diversidade que se rebela às tentativas de governos de pasteurização de agendas e interesses. Aos estudiosos cabe decifrar esta diversidade. Aos destinatários das reinvindicações e indignações cabe reconhecer a polifonia dessas manifestações. Ao lado dessas particularidades, temos algumas semelhanças que aproximam o momento atual da efervescência de outras décadas, em especial dos anos 1980. A principal delas talvez seja a fusão de motivações políticas e econômicas a despertar o interesse em vocalizar a insatisfação. O economista Albert Hirschman nos ensinou que, diante da decadência de uma organização ou de uma nação, os indivíduos possuem, pelo menos, duas opções: a voz e a saída. O exercício da voz é a melhor opção quando exprimir a insatisfação pode evitar a decadência da organização ou, aqui, da própria nação. A opção de “saída” seria mais adotada quando a opção de “voz” não for possível ou quando já não tiver qualquer efeito visível. Essa tem sido, por exemplo, a opção de um grande contingente de jovens espanhóis, italianos e gregos que, ao virem fracassar a expressão dos seus descontentamentos, trataram de migrar para outros lugares, onde o mercado e a sociedade são mais promissores. Com eles, carregam a possibilidade de uma recuperação, pois são justamente os portadores do conhecimento, da vitalidade e dos anos de vida adiante que poderiam recompor seus respectivos países. Essa foi, igualmente, a opção de milhares de brasileiros, que na década de 1980 abandonaram suas famílias e rumaram para os Estados Unidos, Japão e Europa. Ainda que não estejam completamente conscientes, é essa opção que parte dos que estão nas ruas procuram evitar a todo custo. Mas ainda fica a pergunta: o que teria deflagrado a opção de voz? Afinal, contra o quê exatamente se manifesta atualmente? O aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus é a síntese de uma mazela que paira sobre a sociedade brasileira: a inflação. Ainda que parte considerável dos manifestantes não tenha um conhecimento preciso das implicações da inflação na vida cotidiana, os aumentos dos preços nos últimos meses parecem ter servido de estopim, ainda que a palavra de ordem “Abaixo a inflação” não tenha sido pronunciada, até o momento. O termo “inflação” é estranho e de difícil compreensão, mas seu combustível é precisamente a corrosão das expectativas dos atores, individuais e coletivos. Aí reside, em boa medida, a fonte de parte dos problemas a mobilizar milhares de pessoas, cuja expressão é, simultaneamente, um fracasso econômico e político. Econômico porque se manifesta no aumento descontrolado de preços, ao mesmo tempo em que indica problemas de condução política, na medida em que os governantes se mostram indiligentes ao tratar das expectativas futuras dos atores atuantes no mercado, não importa se dirigente de empresa, estudante, profissional ou dona(o) de casa. Outros fatores concorrem para estimular a vocalização das insatisfações. É o caso da ausência, até o momento, de oposições viáveis, capazes de apresentar alternativas, seja por incompetência seja pelos esforços, vários, do governo, para sufocar qualquer ensaio de aglutinação de setores oposicionistas. Ao mesmo tempo, vemos as tentativas governamentais para solapar a preservação das instituições e responsabilidades republicanas, valendo-se de expedientes estranhos ao jogo democrático. Este é o caso da tentativa de cercear o Ministério Público em suas responsabilidades constitucionais de investigação, a tentativa de barrar a criação de novas agremiações partidárias, a espionagem de pré-candidatos, a tentativa recorrente de vigiar e punir o exercício da liberdade de expressão, a corrupção disseminada e perdoada pelos correligionários. Temos ainda, como elemento adicional e talvez definidor do momento para estas manifestações, o fato de ocorrer a Copa das Confederações, véspera da Copa do Mundo. Esses eventos evidenciam algumas discrepâncias. Por um lado, é visível a maneira como as diferentes instâncias de governo se mobilizam, tornando-se gestores do cronograma de reformas, construções e reconstruções, em compromisso assumido com os organizadores desses eventos. Contudo, essa mesma diligência não se verifica quando se trata de prover as mesmas estruturas de transporte, lazer e cultura para aqueles que financiam tudo isso: os contribuintes, que são também eleitores. Outra discrepância se verifica em qualquer cidade onde tem havido manifestações. A opulência bilionária dos belíssimos estádios de futebol onde se realizam os jogos, vários deles custeados com recursos públicos, não combina com a infraestrutura de educação e transporte existente em nossas cidades. Escolas públicas deterioradas em sua infraestrutura e em sua pedagogia e pontos de ônibus sem o mínimo de conforto, sem qualquer informação sobre as linhas que param no ponto, sem bancos para esperar a chegada incerta do ônibus, sem proteção adequada contra a chuva e o frio. Tudo isso desperta em muitos a vontade de dizer: assim não dá mais! POR HERMÍLIO SANTOS PROFESSOR, COORDENADOR DO CENTRO DE ANÁLISES ECONÔMICAS E SOCIAIS DA PUCRS.
Posted on: Mon, 24 Jun 2013 19:38:50 +0000

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