4. COLISÃO DE DIREITOS ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OUTROS - TopicsExpress



          

4. COLISÃO DE DIREITOS ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS A liberdade de expressão, em suas mais variadas faces, pode entrar em rota de colisão com outros direitos fundamentais, igualmente protegidos pela Constituição, sejam individuais, caso do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem; sejam de ordem pública, caso de atos que albergue em si possível discurso odioso (“hate speech”). A superação destas colisões exige do profissional do direito uma análise cautelosa, individualizada e, sobretudo, fundada em premissas jurídico-constitucionais.[9] É aqui que emerge o princípio da proporcionalidade, o qual irá atuar como genuíno mediador para se desvelar qual a solução adequada do conflito dos bens jurídicos antes assinalados. É o princípio da proporcionalidade que permitirá restabelecer a coerência, a unidade, a harmonia e a coesão que devem caracterizar o sistema jurídico. A ideia de proporção remete a própria concepção de Justiça dos Romanos, conforme a máxima de Ulpiano, que afirmou que esta consiste na “vontade firme e permanente de dar a cada um o seu direito” (justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere). Assim também a concepção de “Justiça Distributiva”, formulada por Aristóteles, no capítulo 5, de Ética a Nicômaco.[10] Os próprios símbolos da Justiça, seja o empregado pelos Gregos, com a Deusa Diké (filha de Zeus e Themis), que, de olhos bem abertos, na mão direita, segurava a espada; e, na mão esquerda, a balança, com os dois pratos, sem o fiel, declarava existir o justo somente se os pratos estivessem em equilíbrio, ou seja, em “íson”, daí a expressão isonomia; seja aquele dos Romanos, com a Deusa “Iustitia”, que da mesma forma segurava, com as duas mãos, uma balança, com dois pratos e o fiel ao meio, de olhos vendados, pela qual declarava somente haver Justiça (“jus”) se o fiel estivesse em posição completamente vertical, reto de cima a baixo (“de + rectum”), daí o vocábulo “Direito”.[11] Dessa simbologia se conclui que o próprio princípio da igualdade, expresso na máxima “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”, induz à ideia de justiça ou de justa proporção, isto é, de equilíbrio; harmonia; justiça, nem que, para tanto, seja necessário, em determinados casos, adaptações, retificações, concessões, exclusões, exceções, de modo a realamente tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades como forma de restabelecer a igualdade material e substancial entre os protagonistas do caso. Todavia, ao laborar com o princípio da proporcionalidade, o profissional do direito deve se pautar por critérios jurídicos, e não de acordo com circunstâncias que não estejam pré-demarcadas pela Constituição, sob pena de fazer de referido princípio uma válvula para o arbítrio; para a opinião e vontade pessoal; para a manipulação de linguagem, para redefinição de sentidos dos termos empregados nos enunciados normativos, o que não encontra respaldo jurídico; ao contrário, agride-o. Para que isto não ocorra, tem-se que, a aplicação do princípio da proporcionalidade, deve-se levar em conta os seguintes elementos: a)- adequação, conformidade ou idoneidade; b)- necessidade ou exigibilidade; c)- proporcionalidade em sentido estrito.[12],[13] No que alude à adequação é necessário a conciliação entre meios e fins. Como se sabe, a liberdade de expressão não autoriza que o emissor, seja ele quem for, possa tudo. Não se justifica, “e.g.”, que alguém ofenda, gratuita e aleatoriamente, a honra de um desafeto seu, exclusivamente, por motivos de foro íntimo, sob o manto protetor da liberdade de expressão. A liberdade de expressão viabiliza o exercício de um direito aos membros da sociedade: o direito de externar suas convicções, sentimentos, pensamentos, sonhos, objetivos, críticas, ideias, teorias, bem como de se opor a tudo aquilo que repute inadequado, incorreto, imoral, amoral ou injusto. O exercício desse direito, porém, deve se manifestar de maneira regular. Sem abusos; sem excessos. Deve haver uma compatibilidade sensata, razoável e coerente entre meios e fins. Para ser mais claro: o fim expressar-se, interagir em sociedade, não pode legitimar excessos desproporcionais e abusivos em sua veiculação (meio). O fim não pode servir como pretexto para ofensas aleatórias, exacerbadas, descontextualizadas que venham a ferir a honra de outrem. Nesta ordem de ideias, revela-se inadequado, mediante o exame de compatibilidade de meios e fins, que, por exemplo, um jornalista, ao divulgar notícia de suposto erro médico, invista contra o profissional de saúde e passe adjetivá-lo como incompetente, burro, imbecil, monstro etc. Note-se que esses adjetivos (meios) são desnecessários à informação (fim), excedendo aos limites da notícia, convertendo-se em ataque pessoal à honra de uma pessoa. Se isto ocorrer, não haverá compatibilização entre meios e fins. Aliado à informação ou sob o pretexto de informar, houve agressão a direitos da personalidade que excede os limites da informação propriamente dito, o que não se compatibilidade com a essência e fundamento da liberdade de imprensa. No que concerne à necessidade ou exigibilidade, deve-se aquilatar se, na situação concreta, justifica-se a restrição ou limitação da liberdade de expressão ou de outro direito fundamental em rota de colisão com aquela. Ou seja, se a restrição ou limitação se apresenta como indispensável no caso, lembrando que a ideia deve ser, sempre, a de menor restrição ou limitação possível. Por conta disso, antes de se implementar qualquer medida que confira maior relevância a um bem jurídico sobre outro, antes se deve buscar à exaustão a compatibilização, a conciliação de ambos bens jurídicos. A restrição somente pode ocorrer como último recurso; como medida excepcional; como única forma para dirimir o conflito instalado. Para este exame deverá o operador do direito, antes de qualquer medida, tentar fazer um prognóstico dos possíveis efeitos adversos que a medida restritiva-limitativa poderá resultar; deverá avaliar sua efetiva e real necessidade para solução da matéria. É neste contexto que Robert Alexy adverte: “quanto mais grave é a intervenção em um direito fundamental, tanto mais graves devem ser as razões que o justifiquem”.[14] Um exemplo ilustra o que se quer dizer. Suponha-se que determinada autoridade judicial, em razão de sua atuação funcional, venha a ter acesso a material de imprensa, cuja exibição está agendada para os próximos dias, o que não conta com aval dos protagonistas nela mencionados, os quais, por sua vez, pretendem a não divulgação do assunto por reputarem que há ofensas às suas honras. Pois bem. Suponha-se, agora, que o juiz, ao examinar o conteúdo do material, conclui que, de fato, há excesso no teor da reportagem, o que implicará em ofensa direitos fundamentais, como honra, privacidade ou intimidade dos sujeitos, objeto da matéria. Nesta situação, excepcionalmente, e por inteira necessidade em prevenir e impedir danos a honra dos potenciais ofendidos, como também por não vislumbrar interesse público relevante a justificar a divulgação, poderá a autoridade judicial obstar a exibição da matéria. Note-se que, no caso hipotético, a princípio, não havia outra alternativa a não ser a restrição para evitar um mal maior: lesão a outros Direitos Fundamentais, o que, por seu turno, encontra respaldo jurídico, inclusive, no art. 20, do Código Civil. Em suma, o que se pretende dizer é que a medida era a única possível e necessária para preservar um bem maior no contexto vislumbrado. Por fim, está a proporcionalidade em sentido estrito, por vezes nominada como justa medida. É esta que irá permitir ao órgão decisor, responsável pelo sopesamento dos bens jurídicos em conflito, sejam ponderados, lado a lado, de modo a dizer, de modo sensível e percuciente, qual desses bens deverá prevalecer, de acordo com os valores e premissas Constitucionais. Aqui se realiza, portanto, a ponderação propriamente dita. Aqui se investiga o núcleo essencial, o núcleo de proteção, de cada bem jurídico então em rota de colisão, como forma de permitir a convivência harmônica entre ambos. Será, pois, com base nesta premissa que se formulará a solução que mais atenda aos ideais, princípios, valores e aspirações democráticas tal como expostas no texto Constitucional. Isto, por sua vez, exige do intérprete e aplicador do Direito expressa motivação quanto ao “iter” decisório a ser levado a efeito. Significa dizer: deverá o juiz externar qual bem jurídico deverá prevalecer na lide e por qual motivo. Deverá, por outras palavras deixar expresso as premissas fático-jurídicas que o conduziram à decisão trilhada, mediante uma linguagem clara e objetiva; transparente e sindicável. Cumpre repetir que esta operação deverá ser realizada tomando por base o “núcleo essencial” de cada um dos bens jurídicos em conflito, e não segundo as convicções pessoais do operador do direito. Para tanto, este mesmo profissional deverá se valer, inclusive, de orientação doutrinária e jurisprudencial a fim de perscrutar e descobrir esse “núcleo essencial” de cada um dos Direitos Fundamentais em confronto. Esta escolha – frise-se – deve expressar uma verdade consensual, estabelecida objetivamente em determinado tempo e local, acerca dos bens e valores jurídicos em conflito. A proporcionalidade propriamente dita visa evitar medidas excessivas, razão pela qual também é chamada de proibição do excesso. Dessa maneira, ao examinar o caso real, o operador do direito deverá atentar se a medida deflagrada não se apresenta como demasiadamente drástica para a finalidade a que se destina. Neste particular, tome-se o mesmo exemplo da matéria jornalística em que se postulou sua não exibição para se prevenir (tutela preventiva) lesão à honra, intimidade, privacidade; porém, desta feita, ao contrário da hipótese veiculada, tenha-se que o juiz não detivesse acesso ao conteúdo do material a ser veiculado. Em tal situação, em tese, não haverá elementos para se deferir a medida, especialmente porque sua restrição poderá implicar – agora, sim – em censura, o que é vedado pela Constituição (CF/88, art. 220, § 2º). A medida, pois, revelar-se-ia excessiva, de modo que, entre optar pela liberdade de expressão em seu sentido amplo ou adotar uma postura que se caracterize, direta ou indiretamente, como censura, deve-se optar pela menos gravosa. No caso, a divulgação da matéria, com base na liberdade de expressão, sujeitando-se os responsáveis às sanções legais (civis ou criminais) posteriormente, se danos houver. Em síntese, deve-se buscar a solução menos excessiva e/ou drástica. Deve-se almejar aquela que, entre texto normativo e contexto fático, melhor represente e traduza as disposições e o espírito Constitucional. Sobre o tema, as palavras do Ministro Marco Aurélio Mello, do STF: A questão da colisão de direitos fundamentais com outros direitos necessita, assim, de uma atitude de ponderação dos valores em jogo, decididos, com base no caso concreto e nas cicunstâncias da hipótese, qual direito deverá ter primazia. Trata-se do mecanismo de resolução de conflito de direitos fundamentais, hoje amplamente divulgado no Direito Constitucional Comparado e utilizado pelas Cortes Constitucionais no mundo.[15] E prossegue: Essa ponderação de valores ou concordância prática entre os princípios de direitos fundamentais é um exercício que, em nenhum momento, afasta ou ignora os elementos da situação concreta, uma vez que a hipótese de fato dá configuração real a tais direitos.[16] É de se notar que em todas as dimensões – adequação, necessidade e ponderação em sentido estrito – deve-se analisar, em minúcia os fatos, e, a partir do dimensionamento mais preciso possível destes, cotejá-los com os princípios insertos na Constituição, contextualizando a via pela qual se está a exercer a liberdade de expressão e – mais – se esta posição pode, de alguma forma, macular, arranhar, ferir ou afrontar outros princípios constitucionais, caso da dignidade humana, da honra, da privacidade, da intimidade; ou se, ao contrário disso, apesar de se confrontar para com tais bens jurídicos, deverá, ainda assim prevalecer, em vista do interesse público inerente à temática. Essa ponderação se torna mais difícil na medida em que a Constituição deve ser lida e interpretada como unidade, o que, “prima facie”, não permite concluir pela existência de hierarquia rígida entre os diversos Direitos Fundamentais nela previstos, o que poderia desnaturar a própria concepção de sistema que é ínsita e lhe dá suporte.[17] A Constituição assegura o direito à imagem, à intimidade e à privacidade das pessoas, de maneira que, em linhas gerais, a liberdade de expressão, principalmente quando veiculada pelos meios de comunicação e se contiver excessos em seu conteúdo, desviando-lhe de sua essência, deve ceder de modo a possibilitar o equilíbrio necessário para não violar outros bens jurídicos, igualmente reconhecidos pela Constituição, caso dos mencionados. Nesta perspectiva, poder-se-ia supor que o direito à imagem, à intimidade e à privacidade se sobrepõem à liberdade de expressão. Mas não é necessariamente assim. Em verdade, não há bens jurídicos que contenham conteúdo de direito absoluto. Por exemplo, se se estiver diante de pessoas públicas – artistas, por exemplo – dificilmente poder-se-á falar em direito à imagem nas mesmas condições de um sujeito que não disponha dessa fama. É que a imagem da pessoa pública já está incorporada e fluída no meio social, por vontade prévia e expressa de seu próprio titular que, ao exercer sua atividade profissional artística e pública, tacitamente, abdicou de parcela de sua individualidade. Isto se aplica, por igual razão, às autoridades públicas. A princípio, estas também fazem jus à intimidade e à privacidade no que tange às suas vidas privadas. Todavia, em determinadas circunstâncias, cumpre aquilatar se esses direitos individuais não conflitam com o interesse público que perpassa pela sociedade; em caso positivo, será o interesse público que deverá prevalecer. Tome-se como exemplo um parlamentar, que, em dia e horário de regular expediente, desprovido de qualquer licença ou justificativa funcional, encontre-se em casa de veraneio de amigos, local onde se realiza uma festa que envolva prostituição, inclusive infantil, e consumo de drogas ilícitas. Nesta hipótese, é quase evidente que o parlamentar não poderá se apegar ao argumento de invasão à sua vida privada. Primeiro porque, naquele dia e horário, deveria estar cumprindo seu mister público para o qual foi eleito pelo voto popular e em razão do qual percebe, como contraprestação dos serviços, numerário provindo do erário. Segundo: o conteúdo da informação a respeito da conduta privada de um homem público que, em tese, viola preceitos éticos e de decoro, incluindo práticas delituosas, reveste-se de interesse público, razão pela qual deve prevalecer sobre o direito individual. Novamente, cumpre se valer das palavras de Robert Alexy: A teoria dos princípios logra não apenas a solução de colisões de direitos, mas a estruturação de solução das colisões de direito. Esta teoria tem uma outra qualidade que é extremamente relevante para o problema teórico do Direito Constitucional. Ela permite uma via intermediária entre vinculação e flexibilidade. A teoria da regra somente conhece a alternativa validade ou invalidade. E completa: “assim, a teoria dos princípios apresenta não apenas uma solução para o problema da colisão, como também para o problema da vinculação dos direitos fundamentais”.[18] Em suma, se a liberdade de expressão estiver em confronto com outro(s) Direito(s) Fundamental(is), o caso deverá ser dirimido à luz do princípio da proporcionalidade, mediante os elementos que o compõem (adequação, necessidade e proporcionalidade propriamente dita), os quais irão franquear a solução jurídica e Constitucional que deve imperar no episódio. Isto não implica em dizer, em contrapartida, que um bem jurídico que preveleceu determinado caso sempre irá prevalecer. Muito ao contrário disso, a solução de cada caso levará em conta suas especificidades, tomando-se por base as diretrizes jurídicas antes apontadas. Continue Lendo » Leia mais: jus.br/revista/texto/24266/liberdade-de-expressao-versus-direitos-fundamentais#ixzz2WuLizvUv
Posted on: Sat, 22 Jun 2013 02:23:14 +0000

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