4 de setembro de 1926 Ivan Illich “é fácil enumerar alguns - TopicsExpress



          

4 de setembro de 1926 Ivan Illich “é fácil enumerar alguns dogmas que ainda não foram questionados. Temos, em primeiro lugar, a difundida opinião de que o comportamento adquirido sob as vistas de um pedagogo é especialmente valioso para o aluno e de particular benefício para a sociedade. Relaciona-se isso com a suposição de que o homem social nasce apenas na adolescência e nasce adequadamente só se amadurecer no útero escolar. Este, alguns o querem acolchoar dando maiores regalias ao aluno, outros o querem encher de artefatos e outros ainda o querem envernizar com uma tradição liberal. Há, finalmente, uma difundida opinião, acerca dos jovens, que é psicologicamente romântica e politicamente conservadora. Segundo esta opinião, as mudanças na sociedade devem ser efetuadas colocando sobre os jovens a responsabilidade de transformá-la — mas só depois de sua eventual soltura da escola. É fácil para uma sociedade baseada em tais crenças erigir um senso de sua responsabilidade pela educação da nova geração e isto, inevitavelmente, significa que algumas pessoas vão fixar, especificar e avaliar as metas pessoais de outros. Numa «passagem de uma enciclopédia imaginária chinesa», Jorge Luís Borges procura evocar o desvario que tal tentativa deve produzir. Diz que os animais estão divididos nas seguintes categorias: «a) os pertencentes ao imperador, b) os embalsamados, c) os domesticados, d) os leitõezinhos, e) as sereias, f) os mitológicos, g) os cachorros vadios, h) os incluídos na presente classificação, i) os que se tornam loucos, j) os inumeráveis, k) os pintados com um finíssimo pincel de pelo de camelo, 1) etcetera, m) os que recentemente quebraram o jugo, n) os que de longe se parecem com moscas». Semelhante taxeonomia jamais terá vez a não ser que alguém a julgue apropriada para seus intentos: neste caso, suponho que esse alguém seja um coletor de impostos. Para ele, ao menos, essa taxeonomia dos animais deve ter sentido, da mesma forma que a taxeonomia dos objetivos educacionais tem sentido para os autores científicos. A visão de um homem com tal inescrutável lógica, autorizado a ter acesso a seu gado, deve causar ao camponês um angustiante senso de impotência. Os estudantes, por razões análogas, tendem a sentir-se paranoicos quando seriamente submetidos a um currículo. Estarão inevitavelmente ainda mais assustados do que meu imaginário camponês chinês, pois são suas metas de vida e não seu gado que estão sendo marcados com um sinal inescrutável. Este trecho de Borges é fascinante, pois evoca a lógica da concordância irracional que tornou as burocracias de Kafka e Koestler tão sinistras, mas tão representativas de nossos dias. A concordância irracional hipnotiza os cúmplices que se comprometem numa exploração mutuamente conveniente e disciplinada. É a lógica gerada pelo comportamento burocrático. E torna-se a lógica de uma sociedade que exige que os administradores de suas instituições educacionais sejam publicamente responsáveis pela modificação comportamental que produzem em seus clientes. Os estudantes que conseguem se motivar para valorizar os pacotes educacionais que seus professores os obrigam a consumir são comparáveis aos chineses que conseguem adaptar seus rebanhos à forma taxeonômica descrita por Borges.”. Sociedades sem escolas.
Posted on: Wed, 04 Sep 2013 02:08:20 +0000

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