A CASA Estando eu observando a velha casa do meu pai, comecei a - TopicsExpress



          

A CASA Estando eu observando a velha casa do meu pai, comecei a pensar em quanta história não se encontra ali naquelas paredes tantas vezes pintadas, para nós, tão importantes como as velhas pinturas rupestres de Lascaux para a Paleontologia; essa paredes são a história viva de meus irmãos que muito cedo se evadiram para as terras do sul. Lembrei-me do telhado com telhas coloniais do tempo da Cecral, onde meu pai trabalhou durante longos anos, até a extinção da empresa. Hoje restam apenas uns cômodos com tais telhas, mas é irrelevante para quem não conhece a história. O forro que minha mãe resolveu colocar não permite a visão das telhas, meus pequenos textos da infância “cerâmica Crato Ltda.”. Foi uma das minhas primeiras leituras. Hoje, só fazem sentido pra mim e, talvez para meus irmãos. Aquelas telhas grandes que durante muito tempo nos protegeram das intempéries da chuva, do sereno, do sol escaldante naquela casinha que ao longo de pouco mais de trinta anos se metamorfoseou chegando ao que tá hoje. Cada vão que te compõe, meu eterno lar, é uma narrativa que ouço cada vez que lembro dos tempos em que eu era apenas uma criança. As noites em que, intruso, invadia o quarto de meus pais, medo de escuro, de trovão, de relâmpago. –Posso dormir no meio? Perguntava. Meu pai entre chateado e sonolento, deixava. Era a felicidade sem preço. Saudades! Cheguei até o quintal e as lembranças vieram quase vivas. O pequeno cão latiu. E todos os outros que criamos ressurgiram. Eu tinha o hábito de nomeá-los sempre com o mesmo nome, tive três ou quatro, todos os chamei “Bube”. Tão mansos, tão fieis, tão cães. Minha mãe criava porco, cevava-os para vender a um açougueiro amigo da gente. Eu buscava restos de comidas nas casas dos amigos, no mercado. Quando isso era pouco, buscava uma erva chamada brito. Eles adoravam. Eu sabia que o dinheiro da venda ajudaria. Às vezes tinha preguiça, mas ia, era nosso código consuetudinário. Obediência, respeito aos pais. Quando chegava a época da venda, chegava uma carroça, o homem levava o porco. Adeus Baier!!! Só vim compreender o valor tão insignificante em relação ao trabalho que dava criá-los, quando li “Vidas secas” minha mãe era um Fabiano. Cheguei ao corredor lateral e toquei o muro de pedras. Um metro e meio de altura, só pedra e cimento. Acima é de tijolo e recente. Lembrei-me de Bertold Brecht, no poema “Perguntas de um operário “No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde foram os seus pedreiros”“? Não sei. Meus irmãos, eu e papai fomos os pedreiros dessa nossa amurada, a julgar pelo trabalho que tivemos, trazendo pedras de uma distância de, em média, dois quilômetros, sensibilizo-me pelos que trabalharam naquela murada. Percorro o caminho de volta à sala, a cozinha, hoje ampliada, a sala de janta onde tantas vezes juntos celebramos a dádiva da família. Entro no quarto onde meu pai passou os últimos dias. Seu cheiro ainda está lá. Talvez, nunca sairá. Na verdade, o cheiro está em mim. Nas lembranças. Na saudade. Chego à sala de estar, fecho os olhos e vêm à tona outras lembranças: a primeira cerâmica, a primeira TV, o primeiro som. As redes à guisa de estância de romeiros. Por um instante penso que meus irmãos chegarão do Sul e novamente nos reuniremos ali, naquela sala apertada. Saio da sala e chego ao terreiro. Olho as árvores, as barreiras que no inverno teimavam em descer até à porta. Essa rua nossa. Essa casa nossa. Essa vida nossa. Meu filho e minha filha chegam correndo. Eles não têm noção de tanta história, mas um dia eu as contarei. Crato, 19 de setembro de 2013 Francinaldo Dias
Posted on: Fri, 20 Sep 2013 21:39:41 +0000

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