A COMUNICAÇÃO A SERVIÇO DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA Reflexões - TopicsExpress



          

A COMUNICAÇÃO A SERVIÇO DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA Reflexões sobre a visita do papa Francisco ao Brasil *Por Jorge Alberto Todo tipo de agressão, ofensa ou tratamento diferenciado, que se pratique em função da crença de alguém, pode ser considerado um ato de intolerância religiosa. A intolerância se configura como um conjunto de ideologias e atitudes que nos impede de conviver respeitosamente com o outro. No caso da religião, essa não tolerância representa crime de ódio, ferindo constitucionalmente a dignidade da pessoa humana. É também uma violação ao direito à liberdade de expressão, que garante a livre manifestação, tanto na perspectiva das práticas religiosas, quanto na possibilidade de crítica a dogmas, tradições e interferências na vida política. Visando a concretização de tais premissas, temos, enquanto conquista da democracia, a noção de laicidade. Estado laico é aquele em que todas as manifestações religiosas são respeitadas, mas nenhuma é favorecida politica ou economicamente. A partir dessa introdução, a visita do papa Francisco suscita alguns questionamentos. Façamos um exercício de perguntas e respostas. Se o Estado brasileiro é laico, o que justifica toda a pompa e circunstância envolvendo tantas autoridades na recepção de Vossa Santidade? Essa é fácil, o líder da Igreja Católica também é chefe de Estado do Vaticano, portanto, nada mais adequado, diplomaticamente, que ser recebido como manda o protocolo. Acontece assim com todos os chefes de Estado? Não. O Vaticano é um país relevante em termos de importações e exportações para o Brasil? Não. Logo, a visita do papa só tem valor no que se refere à religião, não é mesmo? Sim. Tudo bem, não é significativo para o Estado, mas em termos de religião o Brasil é um país de maioria católica, isso não justifica? Justifica-se pela tradição, mas do ponto de vista legal é uma aberração. Estado laico pressupõe respeito igual, atenção igual, investimento igual. Se entrarmos em uma discussão estatística, em que os católicos são maioria, poderíamos, por exemplo, aceitar uma série de privilégios a esse grupo. No entanto, em se tratando de legislação, de democracia e de Estado laico, a única estatística tolerável é a de cidadania, que se refere a 100% dos brasileiros. Como assim a visita do papa se justifica pela tradição? O papa é líder da Igreja Católica. Pelo IBGE, mais da metade dos brasileiros são católicos. Logo, nenhuma autoridade teria coragem de não recepcioná-lo, ainda que legalmente seja questionável. Se for político perde voto, se não for, de qualquer forma, seria execrado pela opinião pública, que hoje é formada, quase que exclusivamente, pelas grandes corporações privadas. Então quer dizer que os políticos defendem a vinda do papa para não perderem voto? Sim. E a opinião pública não questiona? Na verdade, essa dita opinião pública é a maior das responsáveis por esse fator. O que se entende por opinião pública é o que circula nos grandes meios de comunicação. A opinião pública acha que a novela tal é boa, a opinião pública critica o político fulano, as declarações do beltrano não caíram bem na opinião pública. Não existe qualquer manifestação espontânea nesse ambiente. As grandes corporações buscam lucro, portanto um veículo de comunicação desse tipo não está preocupado em dar visibilidade a versões críticas da vida, mas sim em ter mais público, e consequentemente investimentos. É por isso que os principais meios de comunicação estão dando uma imensa visibilidade para a visita do papa? Exatamente, visibilidade essa que nenhum outro chefe de Estado ou líder religioso receberia. E o que isso tem a ver com intolerância religiosa? Pense que a intolerância é caracterizada pelo preconceito. A pior forma de disseminar preconceitos é através da invisibilidade. Você não precisa dizer que o preto é ruim, triste, morto. Basta usar toda sua fala para mostrar o quanto o branco é bom, feliz, vivo, e não dar ao preto a possibilidade de se expor, que não tendo a outra versão, o raciocínio é natural. Mas essa visita é do papa, o que tem a ver com as outras religiões? Nenhum outro líder religioso teve a mesma visibilidade, portanto, alguns meios de comunicação, que funcionam através de concessão pública e pregam o discurso da imparcialidade, estão expressamente praticando a intolerância religiosa. Tudo bem, as outras religiões não recebem o mesmo espaço. Mas o papa não tem um poder sobrenatural de convencer as pessoas a se tornarem católicas só por seus discursos. O que tem demais ele falar na TV? Não é um poder sobrenatural, é apenas a influência da comunicação. Quando você ouve várias versões, você escolhe a que parece mais confiável ou faz um misto entre elas. Quando você só tem acesso a uma, toda sua perspectiva de escolha gira em torno desta, de maneira que até sua negação é uma forma de influência direta. Então ouvir o papa é ser influenciado por ele? Sim. Essa influência pode acontecer do lado dos que admiram, acreditam no que ele diz, ou entre aqueles que não gostam, que recusam seu discurso. Só de saber quem é o papa, por exemplo, e não conhecer os líderes das outras religiões, já estamos sofrendo sua influência. E quem escolheu essa influência? As grandes corporações, em nome dessa opinião pública. Não só da mídia, mas também dos patrocinadores, que enxergam nesses eventos grandes ações de marketing. Mas no caso da mídia, podemos simplesmente mudar de canal ou ler outra coisa não? Sim, essa hipótese existe. Contudo, toda escolha é baseada no catálogo das opções. Nós, enquanto telespectadores, leitores, ouvintes... decidimos qual programação, dentre as disponíveis, dedicaremos nossa atenção. Mas não fomos nós que fizemos e muitas vezes não teremos, sequer, a oportunidade de influenciar. Se te perguntam se você quer sorvete de chocolate ou de morango, não estão te dando nem a opção de escolher creme ou de dizer que prefere pudim. O poder de quem monta as alternativas é muito maior do que o de quem escolhe. Exatamente por isso, muitas vezes a simples troca de emissora, não garante uma visão diferenciada do assunto. Você está dizendo que todas as emissoras falam a mesma coisa? Não necessariamente, mas muitos discursos, ainda que apresentados de forma diferente, ideologicamente representam um mesmo pensamento. Por exemplo, você tem várias opções de canais para ver a vinda do papa. Em cada um, vai rolar uma apresentação específica e diferenciada entre si. No entanto, todos estão falando do mesmo assunto. Portanto, nesse caso a sua escolha é apenas do tipo de discurso que você quer assistir, mas o conteúdo não varia muito. É óbvio que existem referências de comunicação alternativa, contudo, em termos de cultura de massa representam uma parcela muito pequena dos espaços ocupados. Diante de tudo dito, qual seria a solução para quem quer se manter informado, mas não está disposto a ser manipulado? Parece resposta do Mestre dos Magos, mas não há uma solução efetiva, apenas subsídios de várias soluções possíveis. Primeiramente é importante aguçar sempre o nosso senso crítico. Podemos assistir qualquer coisa, mas o filtro da reflexão, do questionamento, da avaliação do que é visto é fundamental para a construção de consciência. É importante entender também, que tudo que passa por nossa vida nos influencia de alguma forma, portanto, para além de uma observação crítica, a escolha dos conteúdos forma bastante de nossa opinião. Lembre-se sempre que sua programação foi produzida por alguém, e esse alguém, como todo e qualquer ser pensante, tem objetivos com aquele feito. Avalie se esses objetivos estão de acordo com suas aspirações. Um conteúdo de lazer, por exemplo, serve para entreter, para divertir, mas pode funcionar também para distrair atenções de um outro evento mais significativo. E um conselho, um chamamento na verdade, é que possamos, dentro de nossas perspectivas (econômicas, de linguagem, de público...) produzir nossa própria informação. Blogs, vídeos, rádios de bairros, jornais comunitários, murais, discussões em redes sociais ou mesmo a disputa de espaços nos veículos tradicionais (e-mails para jornais, mensagens para os programas, tornar público opiniões sobre os canais...). Enfim, comunicação é um terreno em disputa. Não encarar essa briga é aceitar virar massa de manobra para um lado, que na maioria das vezes nem conhecemos para valer. Portanto, utilize as novas ferramentas (e até as velhas) para fazer com que o mundo ouça aquilo que só você pode produzir: sua voz. Quem se comunica, se multiplica! *Jorge Alberto é jornalista, consultor de Educação em Direitos Humanos na UNESCO e autor do blog jorgealbertor.br.
Posted on: Sun, 28 Jul 2013 14:23:12 +0000

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