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A CRISE DO CHATO DE GALOCHA (*crônica exclusiva da página Henrique Valle) Talvez meus "amigos" tenham razão em achar-me um chato de galocha. Ninguém suporta quem é fanático, e por falar só de filosofia e afins creio que andam me evitando. Se eu fosse um desses literatos assoberbados isso não me abalaria, pois o que me abalaria de verdade seria uma análise filosófica da realidade, nos moldes de Hegel. Mas como não sou assoberbado, e muito menos literato, isso machuca. E muito. Eu tentei escrever um poema nestes dias: "A vida é direito de todos / Tenha a sua / E dane-se você". Este é o relacionamento do mundo de hoje, em todos os níveis. Creio que hoje a vida está se virtualizando de tal maneira que até os sentimentos estão se tornando plásticos... Pleno fiasco da humanidade. Meu amigo Edu Funicelli dizia que os amigos virtuais são bons porque são amigos, mas cada um fica no seu canto. É o "não-mexe-no-meu-que-eu-não-mexo-no-seu", um status-quo de dar inveja a muita gente. No mundo virtual, as pessoas podem se tolerar e se evitar sem que o espectro da hipocrisia possa jogar-lhes a culpa no rosto. Aí eu me pergunto: como acontecer um verdadeiro humanismo se hoje nos assolam os sentimentos plásticos e fúteis? Como escrever verdadeira poesia se nos assolam a imediatidade, a literatura "fast-food" e a dificuldade que existe em viver de arte? Como fazer amizade com pessoas que você sequer viu, mas que gostam de tudo o que você gosta? A Humanidade inventou um brinquedinho com o qual nem sabe lidar, e pior: ela nem sabe os efeitos que advirão deste mesmo brinquedinho... Por isso o que importa é manter o status-quo: todo mundo sentado no ônibus, mas ninguém olha para ninguém. Todo mundo desesperado, mas ninguém pergunta o porquê. Quando converso com os jovens de minha idade, eles acham super estranho que eu seja escritor. "Como assim?", dizem eles, como se olhassem para uma peça de museu. Eu, todo orgulhoso, começo a falar da importância da literatura como o remédio que regula e equilibra os sentimentos humanos, que ser escritor não é apenas profissão, mas vocação, e todas aquelas coisas apaixonadas que dizemos quando vivemos um verdadeiro amor. A resposta deles é digna para um chato de galocha: "Ah". Ah. A+H. Uma interjeição. Duas letrinhas, uma delas muda, que mostram que realmente eu sou uma peça de museu. Um jovem que se trancafia numa biblioteca e passa horas lendo papéis empoeirados. Quando eles me criticam com um olhar tão irônico, eu me pergunto se estou vivendo minha juventude. O que Rimbaud me diria disso? Eles dizem que agora não é preciso, mas talvez daqui a cinquenta anos os mesmos jovens cínicos de hoje precisarão ler alguma crítica, alguma opinião, algum texto... Alguma poesia! E talvez se lembrarão daquele jovem barbado que cheirava a mofo, que decorava Poe, que ouvia jazz e andava de um jeito todo estranho. Aí, tremendo em suas bengalas, dirão: ONDE É QUE ESTÁ NOSSO CHATO DE GALOCHA?
Posted on: Sun, 21 Jul 2013 21:11:23 +0000

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