A Turca Uma quase aparição sondava silenciosa as ruas e becos - TopicsExpress



          

A Turca Uma quase aparição sondava silenciosa as ruas e becos da cidade. Parecia ter sido desencantada por mágica flauta que a tirara das mesquitas e a transpusera enigmaticamente para o ocidente. A Turca, com sua vestimenta preta que, além do corpo, lhe cobria parte do rosto, vagava como uma cicatriz aberta à curiosidade pública. Morava em um palácio, construído aos poucos ,diziam, com recursos de uma Turquia inatingível e imponderável, em que os meandros e serpentinas de tradições milenares se misturavam com colunas e andares morosamente construídos no afã de fincar uma vida em um ocidente tão incompreensível. Entre andaimes e tijolos, a Turca e sua filha , transitavam assombrosamente entre as grossas paredes do seu Palácio inacabado buscando talvez a preservação dos rastros de um passado assustador. Sua imagem coberta de preto parecia revelar uma Ásia impenetrável e obscura ,em misteriosa camuflagem nos bastidores de uma história povoada de lendas , mitos, atalhos sinuosos. Diziam ser ela viúva , ou pelo menos nunca se viu uma figura que sugerisse o patriarcado entre os muros da fortaleza; era de fato o Palácio da Turca , e só a sua esfinge atravessaria soberana os portais dos séculos. As crianças ouviam palavras espalhadas em incontroláveis boatarias que detalhavam terríveis destinos a quem ousasse penetrar no castelo assustador; outras vozes mais insensatas juravam ter visto altares exóticos e rituais macabros semelhantes aos das catacumbas dos sem fins. Sua filha, tornada professora, usava um adocicado perfume de álamo que incensava a quantos o absorvessem, e sua perturbadora presença despertava curiosidade e assombro. Afinal, era a filha da Turca! Tinha um porte robusto, ao contrário de sua mãe, e o estranho hábito de falar no diminutivo, em claro confronto com sua figura quase gigantesca. A Turca , sempre só , costumava carregar uma cesta onde talvez escondesse seus melhores guardados e compunha, por assim dizer, o esboço de um ser descabido ao tempo. Quando caminhava pela cidade, não poucos mudavam de calçada como a temer um toque ou um olhar mais profundo, afinal nada deixava transparecer uma leve e desnuda expressão humana naquele amortecido rosto. Era de fato uma barreira que o ocidente jamais desvendaria! Morta a Turca , mas ainda vivos os vestígios de sua permanência perpetuada nos sons e ruídos daquele que , embora hoje Museu, sempre será a eterna morada da velha senhora que impõe sua presença nos tijolos que deixou como guardiões de um templo que não pertencerá a mais ninguém! Beth Vianna
Posted on: Tue, 03 Sep 2013 08:40:05 +0000

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