A Verdade Texto de Guilherme Andrade. Antes de começar a falar - TopicsExpress



          

A Verdade Texto de Guilherme Andrade. Antes de começar a falar propriamente sobre a questão da verdade e o pensamento de Nietzsche, talvez seja interessante lembrar uma citação de Joseph Goebbels, ministro de propaganda do governo nazista de Adolf Hitler: “uma mentira cem vezes dita, torna-se verdade”. Podemos pensar, do alto de nossa concepção moral, que seria um ultraje juntar Nietzsche a Goebbels e o pensamento nazista. Afinal, pela forma como somos ensinados, um foi filósofo de extrema importância no pensamento moderno, outro foi um “manipulador de massas”, em prol de um regime ditatorial. Contudo, esqueçamos pelo breve tempo de quatro páginas, toda concepção que fazemos de verdade, despindo-nos inclusive de nossa moral, de nossas experiências e de todo conteúdo intelectual que carregamos. Intento dificílimo, com certeza! Perder nossas orientações e mergulhar no vazio, pode muitas vezes dar-nos a impressão que estamos perdendo a nós mesmos, nossas essências, motivações e significados. Mas isto é apenas um convite a um exercício. Portanto, fiquem tranquilos! Não serão necessárias as pílulas vermelha e azul do filme Matrix, por enquanto. Podemos começar perguntando: o que é a verdade? Talvez não seja muito difícil de responder, mas curioso que desde os primórdios da humanidade essa busca tenha ocorrido de forma incessante e múltipla. Neste sentido, é irresistível não voltar ao período helênico, com seus deuses e templos: o berço da filosofia ocidental! Um bom ponto de partida, não? Um oriental talvez não concordasse, tendo em vista a história da filosofia budista e a maneira como esta permeou as sociedades asiáticas ao longo de inúmeros séculos. Da mesma forma, quantas verdades não surgiram pelas tribos africanas, pelas florestas tropicais de América do Sul, das montanhas dos Andes, das pradarias norte americanas e até dos remotos confins das calotas polares? Um grande feito seria comparar todas estas “verdades”! Nosso trabalho, entretanto, visa apenas o construto do que chamamos “pensamento ocidental”, oriundo da península balcânica. Vários séculos após o anexo da Grécia ao Império Romano, resultando no prenuncio da suplantação da filosofia helênica, é interessante notar que o pensamento de Sócrates, Platão, Aristóteles e tantos outros pensadores da época ainda se mantenham vivos, seja pela evolução de suas ideias (que serviram de inspiração às gerações futuras), seja pela crítica que se faz a estes. O fato, contudo, é que independente de uma abordagem crítica ou simpática aos pensamentos filosóficos gregos, seu estabelecimento na sociedade helênica foi a base de tudo que se seguiu no ocidente, quando pensamos em história da filosofia, seja na visão estóica medieval, seja nas portas que foram abertas a partir do Renascimento. Tendo em vista este resgate histórico, não poderia deixar de ser comentado também, o dualismo cartesiano, matizado na corrente filosófica conhecida como racionalismo, bem como a experimentação através dos sentidos, defendida pelos empiristas, já que o fortalecimento destes dois pensamentos possibilitou o início da era moderna, caracterizada pela emergência da ciência como saber hegemônico, suplantando o dogmatismo religioso. Ora, mas qual a importância de Nietzsche e Goebbels nesta história? Tratemos antes do primeiro! Pensemos na filosofia como uma forma do homem compreender a si e ao mundo. Estabelecer este parâmetro requer um esboço de verdade, em algum tipo de norte que indique certezas. Não à toa, é difícil encontrar na literatura qualquer sociedade que não tenha algum tipo de crença. Estabelecer verdades, talvez possamos dizer, é uma característica inata ao ser humano. Verdades estas que variam em função da cultura, da localização geográfica, da ocorrência de fenômenos climáticos entre outros. Focando-nos, porém, na sociedade helenista, a filosofia suplantara justamente este saber dogmático, oriundo das crenças e da existência dos deuses, dando lugar ao saber epistemológico, construído a partir de reflexões. Nietzsche, contudo, faz uma crítica ao estabelecimento destas verdades filosóficas, alegando que sua construção é forjada na intenção de domínio, de controle, fomentados pelo o que chamou de vontade de potência, ou seja, idealização de domínio do homem sobre a natureza e seus semelhantes. A partir desta ideia, podemos então dialogar com o filósofo alemão: existem verdades? Pensemos na questão da pluralidade de povos. Certamente os deuses da mitologia grega não eram os mesmos da mitologia nórdica, dos diversos panteões africanos, nem dos espíritos que “habitavam” as florestas sul-americanas. Um paralelo entre estas diferentes crenças poderia até dar certo aspecto de correspondência, deixando de levar em consideração, contudo, todos os aspectos que lhe são peculiares. Neste sentido, seria difícil encontrar uma única verdade, mas sim, uma multiplicidade de argumentos que se adequam a cada cultura, a cada povo. Nietzsche, por sua vez, nos oferece a proposta da aparência como única possibilidade de verdade. A verdade nunca poderá ser alcançada (talvez sequer exista), pois é fluida, adaptando-se em função do olhar e da motivação que lhe é imposta. Fato, de certa forma, até simples de ser compreendido, quando nos despimos de nossos valores construídos sob o âmbito religioso. Mas a crença é dogmática! Ela não dá brechas para questionamentos. Diferente, entretanto da ciência, que além de não se fechar a eternos postulados, se recicla periodicamente, sem qualquer pudor em alterar sua própria compreensão do que é “A“ verdade. Um argumento sedutor, principalmente a partir do século XVI. Tão sedutor que até os dias de hoje, a ciência continua com o bastão das verdades universais. Nietzsche, contudo, encontra um efeito colateral na visão maravilhosa trazida pelas descobertas científicas. Como encarar uma “nova” verdade universal, balizada pela matematização da vida (com as “bênçãos” do conhecimento científico), sem levar em consideração os aspectos que fogem ao alcance dos cálculos? A própria matemática pode ser relativizada, considerando que é um construto simbólico, uma forma sui generis de linguagem. De certo, um fruto que cai de uma árvore da Inglaterra, terá um comportamento previsivelmente similar nas Ilhas da Páscoa. Contudo, ao encararmos tais pensamentos como uma construção de significados, necessariamente nos leva a uma linha de chegada? A própria mecânica newtoniana teve seus domínios reavaliados à partir do surgimento da mecânica quântica, passando a exercer suas leis precisas em apenas uma parte específica da matéria. Desta forma, não se torna tão difícil compreender o pensamento de Nietzsche ao dizer que a ciência se engana (e consequentemente, nos engana). O cerne deste impasse nos leva, mais uma vez, à vontade de potência, tendo como alvo agora, as razões “incontestáveis” das probabilidades e da precisão matemática. Ou não é isso que vivenciamos todos os dias? A ciência se tornou o dogma da modernidade, alicerçada no argumento da exatidão numérica e do método. Pouco importa ser a dois anos atrás o colesterol era um agente do bem ao organismo; pouco importa se Dalton encarava os átomos como partículas indivisíveis! Hoje sabemos que sua contribuição nos levou a “novas” verdades. O pragmatismo foi além da filosofia, tornando-se um efetivo meio de vida! Talvez não fosse algo tão absurdo, se estivesse restrito aos aspectos epistemológicos. Mas a vontade de viver, segundo Nietzsche, não respeita uma divisão. Ela faz parte da existência humana! Tendo a cultura, as relações sociais e as ciências como seu construto, não há como separar “o que é de quem”. Pode parecer uma visão pessimista em um primeiro momento. De certo, crítica e ácida, características próprias de Nietzsche. Contudo, como também construídas sob a forma de linguagem, possuem certo viés de dualidade. Da mesma forma que a vontade de potência pode ser compreendida sob o aspecto de dominação, também pode ser vista de forma positiva. Curiosamente, além de Nietzsche voltar ao período pré-filosófico, caracterizado pela influência direta dos deuses, cria uma complementação entre opostos, constituídos pelos ideais apolíneos e dionisíacos. A desordem e a irreverência de um, unidos à medida e à beleza do outro. A arte é seu pano de fundo, a criação é seu meio, o aumento de força, seu fim. Não através da verdade, expressão de domínio perante os homens, mas através da liberdade. Anexo à isto, a curiosa observação acerca de Freud e suas instâncias psicológicas do id e do ego. Talvez Nietzsche não esteja sozinho... Mas e Goebbels? Qual seu papel neste ensaio? Podemos encará-lo como uma personificação de Apolo (ainda que aprendamos seu pensamento como algo puramente dionisíaco)! Não apenas Goebbels, como tudo que lhe sucedeu. A “verdade” não conhece nações, não conhece alianças. Ela é soberana dentro de seus limites culturais, dentro das motivações que a impelem. Desta forma, talvez faça sentido que a mentira se torne verdade, não importando se você é nazista ou norte americano. Obviamente que podemos pensar na escolha das pílulas azul ou vermelha. Mas estamos realmente prontos para voltarmos do vazio, abdicando de nossas “verdades”, tendo a capacidade de escolher? Creio eu que se conseguimos chegar a entrar no vazio, já conseguimos no mínimo sair da Matrix. Talvez este seja o primeiro passo.
Posted on: Thu, 22 Aug 2013 06:43:02 +0000

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