A atividade pesqueira no Brasil, mais especificamente a pesca - TopicsExpress



          

A atividade pesqueira no Brasil, mais especificamente a pesca artesanal, é desenvolvida como forma de garantir a sobrevivência e reprodução social de inúmeras comunidades pesqueiras espalhadas pelo litoral do país e ao longo dos rios. A principal característica dessas comunidades é a forma com que usam e se apropriam da natureza para o desenvolvimento de suas atividades. As relações estabelecidas se dão para além do uso produtivo dos recursos naturais. Há nesse processo a identificação e o sentimento de pertencimento que caracterizam a construção de uma relação cultural com a profissão de pescador (a) artesanal (RIOS, 2012). Atualmente, existem no país mais de 850 mil pescadores(as) artesanais cadastrados(as) no Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). Estes compõem as inúmeras comunidades tradicionais pesqueiras existentes no país que, em sua maioria, sobrevivem direta/indiretamente do desenvolvimento da pesca artesanal e da mariscagem, portanto, sendo estas, muitas vezes, as suas únicas fontes de renda familiar. Estes pescadores artesanais são responsáveis por mais de 65% da produção de pescado do país e praticamente 100% do pescado capturado na Bahia (MPA, 2012). Com a expansão do capitalismo, a evolução das tecnologias e modernizações no setor industrial, novas formas de apropriação da natureza e ocupação do espaço foram estabelecidas. Com isso, observa-se um desenvolvimento predatório, baseado na expansão do capital, o que tem comprometido a existência de diversas comunidades tradicionais que se apropriam da natureza de forma interativa e respeitosa e dependem diretamente da mesma para sua reprodução. Como observou Bertha Becker, as comunidades tradicionais, a exemplo dos pescadores artesanais, vivem da e na natureza, desenvolvem formas de manejo dos recursos naturais mais sustentáveis do que o modo industrial de produção, e devem, portanto, ser consideradas como agentes que contribuem com a conservação da natureza, tal como ocorreu na evolução do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, financiado pelo G7 (PPG7). Inicialmente previsto como mero programa de preservação integral da natureza, evoluiu no decorrer das discussões entre financiadores e pesquisadores brasileiros para incluir as populações tradicionais no planejamento da proteção ambiental graças à garantia de seu modo particular de produção. Com a inserção das novas formas de apropriação em suas áreas de uso, tais comunidades têm seu desenvolvimento comprometido, devido à diferenciação de apropriação/produção existente entre as mesmas (DIEGUES, 2004). O cenário atual que envolve os territórios pesqueiros revela que a expansão do modelo urbano-industrial nas zonas pesqueiras de característica artesanal tem levado ao aumento relativo da degradação dos recursos naturais, além da inserção de diferenciadas formas de produção social que se instalam e materializam-se no espaço dessas comunidades. Cabe ainda destacar, o histórico de invisibilidade dessa atividade frente aos órgãos públicos incluindo os gestores do setor pesqueiro no país. Mesmo com sua importância, durante décadas, observamos a pesca artesanal sempre sendo colocada em segundo plano por esses órgãos, principalmente em relação à criação de políticas públicas voltadas ao setor. Observa-se, ao longo do tempo, que as políticas públicas buscam privilegiar os grandes empreendimentos, que, por sua vez, vêm sendo inseridos, de forma deliberada, nos territórios dos pescadores artesanais. Essa invisibilidade e a inexistência/ineficácia de leis que regulamentem o acesso e o direito aos territórios pesqueiros têm levado, nas últimas décadas, à expansão da inserção de atividades de diversos setores (aquícola, portuário, turístico, petrolífero etc.) nos territórios de pesca artesanal. Os territórios pesqueiros passaram a ser vistos como concorrentes e empecilhos nos espaços de interesse estratégico ao desenvolvimento do capital. Tal fato tem sido o principal motivo de inúmeros conflitos nas comunidades pesqueiras do país, a exemplo das existentes no litoral do estado da Bahia. Assim, além de invisibilizados os pescadores artesanais são inviabilizados. Compreendemos os territórios pesqueiros como os espaços utilizados e apropriados pelos pescadores artesanais para o desenvolvimento de suas atividades produtivas, sociais e culturais. Cabe destacar que esse território abrange tanto os espaços marítimos como terrestres. O acesso à terra, assim como à água é condição indispensável para reprodução dos pescadores artesanais, tanto pelo seu lado produtivo como pelas múltiplas relações existentes/desenvolvidas entre a comunidade e estes ambientes. Para Maldonaldo, as relações estabelecidas pelos pescadores com os ambientes marítimos e terrestres são compreendidas para além de seu uso produtivo, “no mar, os territórios são mais do que espaços delimitados. São lugares conhecidos, nomeados, usados e defendidos. A familiaridade de cada grupo de pescadores com cada uma dessas áreas marítimas cria territórios que são incorporados a sua tradição” (MALDONADO, 1994, p. 105). O território da pesca artesanal é uma articulação de várias territorialidades em que os pescadores necessitam ter o livre acesso para desenvolverem suas atividades de pesca e de reprodução da vida. Nesse caso, torna-se de suma importância que os pescadores artesanais tenham livre acesso a esses territórios, bem como preservadas as suas condições naturais que permitem o desenvolvimento das atividades praticadas. Assim, a inserção de novas atividades em qualquer um desses ambientes, principalmente se estas possuem formas diferenciadas de apropriação da natureza, que podem interferir no desenvolvimento da pesca artesanal, constitui-se ameaça ao desenvolvimento das comunidades, uma vez que o território, que antes se configurava como característico e de uso da comunidade tradicional pesqueira, passa a ter novas funções e atividades que fogem ao controle dos pescadores artesanais, além de trazer mudanças significativas ao mesmo. Tais considerações expõem a dimensão política desses territórios, uma vez que seu uso, apropriação e controle, por exemplo, é de interesse de diferentes grupos sociais e atividades produtivas. Essa dimensão faz com que se explicitem disputas políticas das quais emergem novas disputas territoriais (RIOS, 2012). Esse é o cenário brasileiro de inúmeras comunidades tradicionais pesqueiras principalmente, após a expansão das atividades industriais no país. Os territórios terra e água passaram a ser vistos como espaços de interesse estratégico ao desenvolvimento do capital, o que por sua vez faz com que estes estejam atualmente em constantes ameaças, ocasionando conflitos entre as comunidades tradicionais pesqueiras e os empresários. Nessa perspectiva que ressaltamos a importância da preservação desses territórios, principalmente em um período histórico em que o modo de produção capitalista vem se apropriando cada vez mais das áreas litorâneas para diversos fins (industrial, turístico, aquícola, portuário, dentre outros) como se pode observar em vários pontos do litoral do país e ao longo de seus rios. Assim, a consolidação da organização dos pescadores não é somente uma necessidade de articulação e fortalecimento das comunidades frente às constantes ameaças que seus territórios vêm sofrendo, mas principalmente uma forma de garantir sua territorialização, dentro de um modo de produção que não reconhece a importância social, econômica e ambiental da pesca artesanal. Nesse sentido, tornam-se cada vez mais necessárias as ações, por parte do Estado brasileiro, para a regularização destes territórios, pois somente com a segurança do direito sobre seus territórios, os pescadores artesanais poderão continuar a desenvolver suas atividades e a se reproduzir socialmente, culturalmente e economicamente. Entretanto, o edital lançado pelo MPA (Licitação 12/2013) constitui aspectos negativos sobre os territórios pesqueiros, já que dentre seus objetivos, a privatização das águas significa uma ameaça aos direitos dos pescadores artesanais, ou seja, de exercer seu trabalho, a perda da legitimação do seu espaço de reprodução social seus usos e modo de vida. A privatização das águas é uma tentativa recorrente do Estado brasileiro, desde a década de 1990, o mesmo vem apresentando projetos para consolidar a parceria pública-privada no fortalecimento de empresas privadas a exemplo do hidronegócio e aquicultura. Os territórios pesqueiros ocorrem em ecossistemas bem estruturados, condição indispensável para sustentar a produção pesqueira. Pela Constituição brasileira, de 1988, (capítulo 6 art. 225), os ecossistemas são bens de uso comum, devendo-se impor “ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A importância da manutenção dos ecossistemas é fundamental pelos bens e serviços que esses oferecem a toda sociedade garantindo sua própria sustentação e capacidade de reprodução. Afinal, toda a vida na terra incluindo a humana depende essencialmente desses bens e serviços, os quais por essa grandeza apresentam uma quase impossibilidade de valoração em termos financeiros. Esse alto valor faz com que esses territórios pesqueiros se tornem em forte aliado na conservação dos ecossistemas a eles associados e por isso receberam destaque da legislação que regulamenta a cessão de águas da União para fins de aquicultura conforme disposto na Instrução Normativa Interministerial N° 06, de 31 de maio de 2004 e do Decreto no 4.895, de 25 de novembro de 2003. Essa regulamentação prioriza a Cessão para as comunidades tradicionais, criando inclusive uma modalidade de Cessão de Área Preferencial, para atender a sua alta capacidade de “I - desenvolvimento sustentável; II - aumento da produção brasileira de pescados; III - inclusão social; e IV - segurança alimentar”. Desta forma, é fundamental que em territórios ocupados pela pesca artesanal os usos das comunidades tradicionais pesqueira sejam priorizados. Texto: grupo de apoio ao território pesqueiro
Posted on: Fri, 27 Sep 2013 15:05:55 +0000

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