A banalidade de Dilma Fernando Gabeira Ao sair do filme Hannah - TopicsExpress



          

A banalidade de Dilma Fernando Gabeira Ao sair do filme Hannah Arendt, a filósofa judia descrita na tela por Margareth von Trotta, muitas ideias vieram à minha cabeça. Lembranças da ditadura, meu depoimento no Tribunal Bertrand Russel, em Roma, onde também defendi a presença da banalidade do mal entre torturadores brasileiros, quase todos dedicados pais de família, operosos funcionários do governo. A experiência de Hannah Arendt que cobriu o julgamento de Adolf Eichmann para a New Yorker e causou uma verdadeira comoção, não só por questionar o papel de alguns líderes judeus, mas por afirmar que Eichmann não era um monstro. O enigma para ela era a contradição entre a mediocridade de alguns homens e a dimensão da tragédia que provocaram. O nazismo passou, passou também a ditadura militar no Brasil. Mas existem elementos no discurso de Hannah Arendt, especialmente o que faz para seus alunos, no auge da polêmica sobre o artigo na New Yorker, que merecem ser retomados à luz da conjuntura brasileira. Eichmann declarou que colocava os judeus nos trens, cumprindo ordens. Não se importava com o que aconteceria com eles, porque uma vez colocados nos trens, seu destino pertencia a outras repartições, que não a dele. Hannah observa que Eichmann renunciou a pensar e que essa a raiz de sua desumanização. A renúncia a pensar não é privilégio das pessoas medíocres, mas, de fato, é muito mais frequente entre elas. Na semana em que vi Hannah Arendt, acompanhei também pela tevê a cobertura da visita do Papa e, nela, o discurso da Presidente Dilma no Rio de Janeiro, saudando Francisco. A sensação que tenho é que Dilma se recusou a pensar ao aceitar ler esse texto. Foi uma tarefa de militante. Ela cumpriu sua missão sem se importar muito com as consequências. Em primeiro lugar fez um discurso de propaganda de seu governo, precisamente no Rio, onde as pessoas estão fartas dessas farsas grotescas e gritam nas ruas pela saída de Sérgio Cabral. E diante de um Papa sem grandes ilusões sobre os políticos realmente existentes. Dilma convidou a Igreja a fazer uma parceria com o governo do PT na luta contra a miséria. Como se a Igreja Católica não tivesse já suas estratégias nesse campo. E como se precisasse do PT para se implantá-las mundialmente. Isso não apenas falta de modéstia. Dilma é obrigada a repetir, diariamente , que as pessoas foram às ruas em junho não por causa dos erros mas sim por causa dos acertos do governo. Quanto mais as pessoas têm, mais querem, costumam dizer os petistas. Uma vez que jamais podem admitir um erro, a única explicação para a revolta popular é a sucessão de seus acertos. Como é que uma força política pode chegar a esse ponto, sem trazer consigo alguns traços de totalitarismo? Nesse caminho, o primeiro passo fundamental surge ao se admitir que a realidade não importa, mas sim a versão dos fatos. Um momento típico dessa tragédia moderna foi a ida de Colin Powell à ONU demonstrar com alguma imagens vagas que o Iraque dispunha de armas de destruição massiva. Um segundo momento, entretanto, se desdobra: os militantes se dispõem a repetir, mecanicamente, as teses que vêm da cúpula partidária. E, ao constatar que as são teses frágeis, tentam salvá-las com seu entusiasmo e, naturalmente, com a raiva contra quem discorda. Por que se recusam a pensar, se isto é um dos fatores que distinguem o ser humano? Não creio que a recusa se deva apenas ao deslumbramento com a engrenagem ou mesmo a ilusão de que nunca possa cometer erros. Existe um fator importante, pavloviano, nessas organizações rigidamente hierarquizadas: recompensa e punição. Todos os descontentes vão para uma gelada Sibéria que, ao longo do processo histórico, toma inúmeras formas : uma subsecretaria , um cargo de fiscal do Ibama na fronteira com a Colômbia. Um terceiro componente que deve ser levado em conta é a constante repetição da importância da engrenagem sobre indivíduos substituíveis. Esse componente é importante para analisar o caso espantoso de Dilma Rousseff. Como essa mulher poderia chegar à presidência do Brasil se é incapaz de, por si própria, se eleger vereadora numa grande cidade? Seus méritos estavam ancorados não na capacidade política mas nos talentos de gestora. Mas o que tinha gerido com sucesso antes de tornar presidente? Se, pelo menos, esse traço fosse verdadeiro, ela teria alguma moeda de troca nas transações com a máquina burocrática. Dilma Rousseff foi colocada na presidência pela engrenagem partidária, , com o apoio dos grandes empresários que florescem à sombra de um governo devasso e injetando milhões de reais no esquema de marketing Ingenuamente, ou não, grandes setores da imprensa quiseram mostrar que ela é diferente, separá-la de Lula e do PT, vislumbrando uma ponta de decência em suas decisões sobre corrupção no governo. Quem conhece um pouco os meandros da política da esquerda sabia que isto era uma ilusão. Dilma jamais deixaria seu porto seguro para cair nos braços dos adversários do PT. Há muitos exemplos de quem salta no escuro e se esborracha, perdendo a base de origem e sendo desprezado pelos seus novos aliados. A interpretação que o PT fez da crise de 2008 é vital para compreendermos o caminho que seguiu. Em quase todas as nossas análises no século passado, começávamos assim: o capitalismo está em crise no mundo e isto abre caminho para o avanço do socialismo em todo o planeta. Desde os anos 30, foi a primeira vez que o capitalismo, realmente entrou em crise. Os velhos reflexos, empilhados no fundo das consciência, saltaram como molas comprimidas. Dilma não tinha condições de enfrentar a máquina, muito menos o questionar um script da história em que o socialismo sucede ao capitalismo. Era hora de fortalecer o papel do estado na economia. Algumas fortunas se fizeram entre os empresários amigos, outras foram para o espaço, como a de Eike Batista. Como não poderia deixar de ser, o governo estimulava as empresas campeãs, porque, afinal, era também um governo de campeões. Uma sucessão de equívocos é possível porque a pessoas deixa de pensar, mas também tem medo de ser engolida pela engrenagem, cujo combustível é a obediência canina. Nessa atmosfera rarefeita, a passagem do Papa Francisco foi uma lufada de ar fresco. Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 02/08/2013
Posted on: Fri, 02 Aug 2013 14:05:24 +0000

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