A história é um palco de lutas, mas também de encontros e - TopicsExpress



          

A história é um palco de lutas, mas também de encontros e desencontros. Bona Garcia ousou lutar nele, Paulo Nascimento ousou filmar parte de sua vida. Corria o ano de 2004. Na Câmara de Vereadores, o debate era sobre os 40 anos do Golpe Civil-Militar no Brasil. No evento, João Carlos Bona Garcia, então presidente da Comissão do Acervo da Luta Contra a Ditadura. No meio dele, compartilhei parte da trajetória de resistência à ditadura no Rio Grande do Sul. Memória viva para quem os conhecia apenas nos livros de história e nas pesquisas dos poucos arquivos já abertos sobre a ditadura. Assim, Santa Maria conheceu publicamente Bona Garcia, passo-fundense, um dos fundadores do Partido Operário Comunista (POC), grupo originado, no final da década de 1960, a partir da Política Operária (Polop). Em 1970, membros do POC passaram a defender ação conjunta com organizações da guerrilha urbana. Neste contexto, foi criada a Unidade de Combate “Manoel Raimundo Soares” (UC/MRS), uma homenagem a uma das lideranças do movimento dos sargentos e que foi preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em 11 de março de 1966, após entregar panfletos de “Abaixo a Ditadura Militar”. Torturado e levado à Ilha do Presídio, em 13 de agosto de 1966, foi retirado depois de lá e levado ao Rio Jacuí. Onze dias mais tarde, foi encontrado morto próximo à Ilha das Flores, com os pés e as mãos amarradas. A UC/MRS passou a executar ações com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Bona, já morando em Porto Alegre, passou a ser um dos militantes da organização. A principal das ações foi a tentativa de sequestro de Curtis Carly Cutter, cônsul norte-americano, em Porto Alegre, em 4 de abril de 1970, pelo “Comando Carlos Marighella”. Quatro dias antes, Irgeu João Menegon, Reinholdo Amadeu Klement, auxiliados por Bona Garcia e Luiz Carlos Dametto, apropriaram-se de um Volks do Banco do Brasil com 65 mil cruzeiros da Companhia Ultragás, presidida por Albert Boilesen, colaborador ativo da Operação Bandeirantes, acusado de ensinar técnicas de tortura e ser um espião da CIA. Em 15 de abril de 1971, Boilesen acabaria morto em São Paulo por um comando da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Bona Garcia A prisão e a tortura Para Bona Garcia, a “tentativa de sequestro foi a causa do extermínio das organizações de luta armada no Rio Grande do Sul”. Preso em abril de 1970, Bona foi levado para o Dops e submetido a sessões de tortura. Depois de um mês, foi para o Presídio Central e, 20 dias depois, para a Ilha do Presídio. Com militantes e presos comuns, passou por sessões de torturas, participou de uma organização fracassada de fuga, seguiu em confinamento e foi deslocado para o 19º RI (Regimento de Infantaria) de São Leopoldo. No Vale dos Sinos, viveu humilhações diárias e teve restritas visitas familiares, bem como violências variadas da Polícia do Exército nos momentos que antecediam as audiências na Auditoria Militar. No filme de Paulo Nascimento, Bona Garcia é interpretado pelo ator Leonardo Machado (à dir.). Sequestro e troca por 70 presos políticos Até que ocorreu o “fato novo”. Em 13 de janeiro de 1971, Bona Garcia foi um dos 70 presos políticos trocados pelo Embaixador da Suíça, Giovanni Enrico Bucher, sequestrado pela VPR. Banido do Brasil, saindo pela Base Aérea de Canoas em direção ao Galeão, no Rio de Janeiro, sem a cidadania brasileira, o grupo foi em avião fretado da Varig para Santiago do Chile, já durante o governo do socialista Salvador Allende. No Brasil e durante o voo, ameaças de morte diretas, caso o sequestro falhasse e o embaixador fosse encontrado. No Chile, na frente da recepção, o poeta Thiago de Mello. “Enfim, vida”, como disse Bona em suas memórias. Do Chile, ele escreveu para Célia, a quem conhecera quando ela tinha 15 anos, iniciando o namoro depois de ela mudar de Restinga Seca para Passo Fundo, em 1966. Célia aceitou o convite para encontrá-lo e ficarem juntos, em junho de 1971, o que persiste até hoje. Lá, passou a conviver com outros exilados, como o cineasta Helvécio Ratón, de Batismo de Sangue, o historiador Mário Maestri Filho, entre tantos mais, além do nascimento do filho Rodrigo, em 1973. Porém, quando voltou de uma viagem à Argélia para uma reunião da VPR, aconteceu o Golpe de 11 de Setembro, liderado por Augusto Pinochet. A saída do Chile era inevitável. Seu cunhado Leopoldo conseguiu intermediação de um padre que retirou Célia e Rodrigo. Em outubro, Bona conseguiu uma entrada cinematográfica na Embaixada da Argentina, país onde reencontraria a companheira e o filho. Ali, surgiu a ideia do exílio na Argélia e a ajuda de Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco. Concretizado esse processo, o tempo na Argélia resultou no nascimento de Luciano e no envolvimento com grupos de educação seguidores de Paulo Freire. Posteriormente, no final de 1974, na França, vieram o trabalho, a universidade e a participação no Comitê Brasileiro pela Anistia. Por fim, retornou ao Brasil e a Passo Fundo em 1979. Depois disso, como disse em Verás que um Filho Teu Não Foge à Luta, fez a sua parte para o “fortalecimento da democracia”. Parte desta trajetória agora pode ser vista nos cinemas com Em Teu Nome..., o novo longa de Paulo Nascimento que estreia sábado em Santa Maria. O diretor e roteirista, que nasceu em Tupanciretã e viveu em Santa Maria, ganhou o Kikito de melhor direção no 37º Festival de Gramado, em 2009. Já o filme faturou os prêmios de ator (Leonardo Machado), trilha sonora e prêmio especial do júri. A produção executiva é de Marilaine Castro da Costa, nascida em Caçapava do Sul e, como Nascimento, formada em Comunicação Social na UFSM. Filmado no Brasil, na França, no Marrocos e no Chile, Em Teu Nome... aborda a transformação pessoal de militantes e exilados políticos. No Santa Maria Vídeo e Cinema de 2009, quando Nascimento foi justamente homenageado, Em Teu Nome... teve uma sessão especial na Cesma. Como debatedor, reencontrei Bona Garcia como personagem da primeira grande película sobre a resistência à ditadura no Rio Grande do Sul. Arquivos do DOPS Filme mantém fundo histórico As licenças poéticas e romanceadas do excepcional roteiro, na figura de Boni e Cecília, entre outros, não tiram o fundo histórico dos fatos reais em que a obra manifestadamente se inspirou. Sua posição humanista traz à tela uma versão ousadamente filmada pelo diretor de Diário de um Novo Mundo, Valsa para Bruno Stein e A Casa Verde. É um extraordinário momento do cinema político rio-grandense, mesmo que Nascimento insista em público que é um filme de amor, o que é também. Santa Maria é contemplada com o lançamento nacional de Em Teu Nome... Uma homenagem à região e à cidade da contraditória história de resistência e, ao mesmo tempo, de defesa da ditadura pós-1964, que deixou marcas presentes na memória oculta ou viva de seus moradores, do Brasil e da América Latina. Marcas incômodas que, no filme de Paulo Nascimento, abrem os arquivos de uma memória contra o esquecimento, disputa por uma verdade reivindicada na poesia de Thiago de Mello: “Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras”. DIORGE ALCENO KONRAD|Professor adjunto do Departamento de História da UFSM, doutor em História Social do Trabalho Referências bibliográficas - Verás que um Filho Teu Não Foge à Luta, de João Carlos Bona Garcia e Júlio Posenato. Porto Alegre: Posenato Artes e Cultura, 1989. - Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente), de Thiago de Mello. Poema Texto escrito pelo professor do Curso de História da UFSM, Diorge Alceno Konrad, sobre o filme "Em teu nome", do diretor santa-mariense Paulo Nascimento interpretacoesdeumsujeito.blogspot.br/2010_05_01_archive.html
Posted on: Thu, 05 Sep 2013 22:21:34 +0000

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