A idéia do Diabo é limitada pelos horizontes da época de cada - TopicsExpress



          

A idéia do Diabo é limitada pelos horizontes da época de cada um Apesar do grande interesse que a perseguição da feitiçaria despertou nos livros de história, seu escopo e duração foram em realidade limitados. Apenas uma pequena percentagem de pessoas suspeitas de feitiçaria foram executadas, e prisões em massa ocorreram principalmente durante os mais de setenta anos entre 1550 e 1630. O Diabo de Mel Gibson A “Inquisição” era uma forma de procedimento criminal aperfeiçoado pelo papa Inocêncio III no Quarto Concílio Laterense em 1215. Foi elaborado não para delitos secretos, mas para todo tipo de crimes públicos. O juiz não poderia acusar uma pessoa a menos que ouvesse causa provável – uma opinião pública confiável – de que ele ou ela tivesse cometido um delíto específico. Se o réu negasse a acusação, o juiz tinha que provar a acusação com testemunhas e documentação. Se esse procedimento não fosse seguido, o réu poderia apelar a qualquer momento a uma instância jurídica superior. Esse sistema claramente não era muito adequado para desentocar opiniões e práticas heréticas, e os inquisidores da heresia começaram a violar a lei mediante declarações coagidas extraídas das pessoas, fosse por juramento auto-incriminatório, como observado anteriormente, ou por outros modos de intimidação, incluindo tortura (na verdade, a tortura era um procedimento à disposição de todos os juízes, tanto nos casos civis quanto criminais). E, é claro, ao não informar os réus e testemunhas de seus direitos no processo sob a Lei Canônica. O julgamento de Joana d’Arc em 1431 é um bom exemplo do abuso do sistema inquisitivo: ela foi interrogada de maneira inadequada antes que as acusações fossem apresentadas contra ela, e então as acusações foram fabricadas a partir de suas respostas – acusação de crimes cometidos instigados pelo Diabo. Assim, a “inquisição”, conhecida em geral como “A Inquisição”, recebeu a má fama, que mantém até hoje, embora o sistema criminal moderno europeu seja inquisitivo – em oposição ao sistema do direito consuetudinário da Inglaterra e dos Estados Unidos. Adiantando dois séculos. Em 1484, o papa Inocêncio VII emitiu uma Bula, chamada (como sempre, do texto de abertura) Summis desiderantes affectibus, confirmando a autoridade de dois dominicanos alemães, os frades Heinrich Kramer e Jacob Spenger, Inquisitores Hereticae Pravitatis na Alemanha, para processar acusados de empregarem demônios – em particular, Íncubo e Súcubo – e de conivência com práticas superticiosas e de sortilégio. Ao fazê-lo, de maneira sacrílega renunciaram à sua fé batismal e, instigados pelo Inimigo da raça humana, cometiam crimes abomináveis. (Devo explicar que Íncubo e Súcubo são “demônios copuladores”; um Íncubo é um demônio de forma masculina [a palavra significa deitado sobre], e um Súcubo é um Demônio de forma feminina [deitado sob]. Kramer e Sprenger incluíram a Bula do Papa como um prefácio para o seu livro, Malleus Maleficarum, ou seja, Hammer of Maleficae (“Feiticeiras Mulheres”), que foi impresso em 1487. Nessa obra, eles discutem amplamente sobre a base Satânica de toda maleficia, citando extensivamente seu colega santificado Tomás, canonizado no ano de 1323. Sob circunstâncias normais sua obra deveria ser chamada Hammer of Malefici – a forma masculina – que incluiria tanto feiticeiros quanto feiticeiras, porém escolheram a forma feminina para enfatizar sua declaração de que a maior parte desses infratores eram mulheres. Quando os reformistas protestantes surgiram no século XVI, uma coisa que eles não reformaram absolutamente foi a visão católica tradicional do Diabo e a teoria da feitiçaria diabólica que tinha evoluído em séculos recentes. Algo que confirmava a preferência de Kramer e Sprenger foi notada: o texto hebraico original do Êxodo 22,18 não menciona adivinhos no masculino plural, como o grego (pharmakoi) ou latim (malefici), e sim o feminino singular. Daí a tradução da Bíblia do rei Tiago: “Que não vivas com uma bruxa”. O resultado é que houve uma perseguição em massa aos feiticeiros suspeitos, tanto em regiões católicas quanto protestantes, sempre que as circunstâncias conspiravam para encorajar nesse sentido – incluindo a Escócia no século XVI e a Inglaterra no século XVII, quando legitimamente podemos falar sobre bruxaria diabólica. As acusações às bruxas se interromperam, principalmente no século XVIII (Polônia e Hungria são exceções), graças em grande parte a uma insistência forte na lei de evidências e outras regras do processo. Isso significa que, embora a teoria da feitiçaria diabólica ainda estivesse acontecendo, a prática não era mais considerada como passível de ser provada. Isso, é claro, deveria ter sido a conclusão durante todo esse tempo. Mas, para enfatizar, a crença no Diabo e em sua influência e poderes malévolos permaneceu intacta nessa época, pelo menos em círculos onde a teologia tradicional cristã prevalecia. [...]Em 1603, Samuel Harnett, bispo de Londres (e mais tarde arcebispo de York), publicou um ataque aos excessos dos exorcistas católicos, intitulado A declaration of egregious popish impostures (Uma declaração de notórias imposturas papistas). A igreja da Inglaterra, no entanto, não negou a possibilidade de possessão ou a eficácia do exorcismo. Ao contrário, solicitava cautela. A cautela do lado católico chegou em 1614, em um novo manual para sacerdotes, o Ritual romano, emitido pelo papa Paulo V. Na seção sobre exorcismo, uma instrução preliminar serve, de fato, como uma regra para o Discernimento dos Espíritos: O Sacerdote não deve acreditar facilmente que uma pessoa esteja possuída por um Demônio. Ele deve conhecer os sinais pelos quais uma pessoa possuída pode ser diagnosticada, diferentemente daqueles que sofrem de melancolia ou alguma doença. Os sinais de uma possessão demoníaca são: falar múltiplas palavras em um idioma desconhecido ou compreender alguém falando um idioma estrangeiro; revelar coisas ocultas ou à distância, demonstrar força além da própria à idade e condição da pessoa; e outras manifestações desse tipo. Quando várias delas acontecerem ao mesmo tempo, a indicação é ainda mais decisiva. Embora só em 1917 tenha se tornado uma lei geral da Igreja que um sacerdote católico não poderia praticar o exorcismo sem a permissão explícita de seu bispo, as instruções que acabamos de ver parecem ter tido um forte efeito desde o início. Esse tipo de abordagem cética aos casos reais de possessão reduziram consideravelmente o uso do exorcismo como tratamento corretivo. Talvez isso fosse um sinal dos tempos. Alguns anos apenas depois da primeira aparição do Ritual romano, em 1631, o jesuíta alemão Friedrich von Spee publicou seu tratado Cautio Criminalis (“Cautela em Procedimentos Criminais”) recomendando maior atenção aos cânones de evidência na acusação contra feiticeiros. No entando, o tratado de Spee teve que ser impresso sem a licença de seus superiores, já que estes não tinham a intenção de aprovar nada tão revolucionário quanto uma insistência nos procedimentos legais, e o nível de credibilidade sobre a feitiçaria diabólica era ainda elevado. Por falar em credibilidade, outras regulamentações do Ritual romano eram menos iluminadas do que as instruções citadas. Aqui está uma: Alguns [demônios possessores] revelam que um maleficium foi causado, e afirmam quem o produziu e dão instruções sobre como pode ser neutralizado. Mas não utilizam por conta disso a Magi ou Sagae [feiticeiros ou feiticeiras] ou a nenhum outro que não ministros da Igreja, e não utilizam qualquer superstição ou outro meio ilícito. Aqui está outra: O Exorcista deve ordenar ao Demônio que confesse se está preso a este corpo por causa de algum trabalho de magia ou de sinais ou instrumentos maléficos. Caso a pessoa possuída tenha engolido algum destes, ela deve vomitá-lo; ou, se estiverem fora do corpo, ela deve revelar onde estão, e devem ser queimados. Essas orientações singulares iriam se prolongar pelo século XX, [...]. Mas, de maneira geral, as instruções alcançaram seu efeito desejado de diminuir o uso irresponsável e histérico do exorcismo. Se o Diabo é percebido como causa direta de sintomas patológicos manifestados por supostos demoníacos, isso não atesta muito sobre sua inteligência nem prioridades. Mesmo nos casos raros onde apenas critérios sugeridos no Ritual romano parecem ser satisfeitos (uma pessoa demonstrando uma força diabólica ou sabendo coisas incomuns), os prodígios realizados não são em geral muito maravilhosos ou impressionantes. Uma explicação teórica para a insignificância das maravilhas demoníacas seria que Satã pode apenas fazer o que Deus lhe diz ou permite que faça. Em outras palavras, ele é forçado por Deus a se restringir a esses assédios entediantes e desprezíveis.
Posted on: Sat, 19 Oct 2013 07:50:32 +0000

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