A pedido de alguns amigos que não conseguiram o jornal PÚBLICO, - TopicsExpress



          

A pedido de alguns amigos que não conseguiram o jornal PÚBLICO, aqui fica o meu artigo ali publicado hoje. NATÁLIA CORREIA, A MUSA DA ENCRUZILHADA DOS TEMPOS (1923-1993) “As pessoas caem como folhas/E secam no pó do desalento/Se não as leva consigo/A fúria poética do vento. /Para que se justifique a nossa vida/É preciso que alguém a invente em nós.” N.C. Faria, hoje, 90 anos, se fosse viva. Natália Correia, cuja existência forjada entre o telurismo das paisagens vulcânicas cuspideiras de fogo, e as pastagens idílicas da Ilha, nasceu a 13/09/1923, na Fajã de Baixo, (São Miguel – Açores). Veio para Lisboa em 1934, na febre de buscar o senso à vida “Para Lisboa me trouxeram/não de uma vez e embarcada/minha longa matéria foi/pouco a pouco transportada/Recém - vinda de ficada /em morosa maravilha/sempre a chegar a Lisboa/e sempre a ficar na ilha.” Deslumbrada pelas excentrididades das “calafonas”, imitava-as, enrolando papelinhos queimados nas pontas, num prenúncio da desafiadora boquilha. Esse estilo diferenciado, cedo fascinou a rapaziada da sua idade. De carácter rebelde, passou pelo liceu como ave migratória, reagindo mal à disciplina imposta. Esta característica viria a traduzir-se numa educação fragmentada e anárquica, marcada por influências da escola libertária e da pedagogia não directiva ”Sou aluna das ervas e frequento/O curso nocturno do amor/Folheando o cão que lambe o gato/Sem saber que faz de professor.” Num inquietante desejo do impossível, venerava Afrodite cujo cântico de liberdade lhe apontava o percurso. Enquanto isso, colhia lições nos mestres sugeridos pela própria mãe: António Sérgio, Almada Negreiros, Jean de Meslier, Antero, Pascoais, e Camilo, entre outros. O místico, o revolucionário, o celestial e o terreno confrontavam-se num rodopio a que a sua imaginação criadora dava formas desconhecidas. O culto do Espírito Santo, no qual havia sido coroada em menina, inspirara-lhe outros cultos, como o da Deusa - Mãe, do qual se dizia sacerdotiza. Na Ilha ancorara os laços que a haveriam de prender a uma raíz telúrica, que a confundiam na sua própria génese. A essa Mãe-Ilha viria a dedicar as estrofes que compôs em 1986, como sendo o Hino dos Açores. Era lá que gostava de se sentar no banco, onde Antero se havia suicidado. Ali meditava no antagonismo dos jogos de luz da alma anteriana. Ocorria-lhe a noção de liberdade que colhia no belo e na nobreza de atitudes. Com elas fez a aprendizagem do corpo que se descobre, no eco irreprimível da mulher que se reinventa “Promessa estática no luar/da densidade em mim corpórea/não é a culpa, é a memória da primeira manhã do pecado/sem Eva e sem Adão./Só o fruto provado/e a serpente enroscada/na minha solidão.” Como ser multifacetado que era, implacavelmente rigorosa, campeadora da verdade e da honradez, da frontalidade e da lealdade, a mentira execrava-a, a ingratidão irava-a. Dotada de uma imaginação que batia a descompasso, deixa-nos um vigoroso protesto no poema Queixa das jovens almas censuradas: “Dão-nos um lírio e um canivete/e uma alma para ir à escola/mais um letreiro que promete/raízes, hastes e corola […] Dão-nos um bolo que é a história/da nossa história sem enredo / e não nos soa na memória / outra palavra que o medo/ […] Dão-nos um esquife feito de ferro/com embutidos de diamante /para organizar já o enterro/do nosso corpo mais adiante/ […] Dão-nos marujos de papelão/com carimbo no passaporte/por isso a nossa dimensão/não é a vida, nem é a morte.” Conhecida como a maga da magia branca, era conhecedora da nossa cultura tradicional e oral, incluindo aspectos da religião popular portuguesa “Nesta arte de vulcões/Acender com mãos tranquilas,/Vou aprendendo as lições/Que me ensinam as Sibilas.” Outras lições levam-na a enfrentar o recato e o proibido, em defesa do amor: “Quem não é capaz de enfrentar um escândalo por amor, não é capaz de amar.“ Idolatrou a relação entre Snu Abecassis e Sá Carneiro. De resto, foi ela quem estabeleceu o contacto entre ambos. Mas casamento era outra coisa, era como um soneto recitado pelo Código Civil. No entanto, foi casada três vezes. Divorciou-se do primeiro, enviuvou do segundo, e voltou a casar. Viveu com Dórdio Gimarães, até à data da sua morte (16/03/93). Gostava de se sentir no centro das atenções e de subverter a ordem das coisas. Quebrava preconceitos, sacudindo e escandilizando os outros, sendo mimoseada como marginal, coquete, excêntrica e promíscua. Acusavam-na de frequentar lugaresterríveis, e quando regressava do Botequim ficava a conversar com marginais e prostitutas. Estes batiam-lhe palmas e ela dizia-lhes poemas“Meninas não consintam que as humilhem, lembrem-se de que são sacerdotisas do amor.” Ao Botequim acorriam os artistas da palavra. Ao som do piano, que dava o tom de expurga ao regime cessante, forjavam-se os primeiros passos da liberdade. Locutora, jornalista, cronista, poeta, prosadora, dramaturga e deputada (PSD), depois como independente pelo (PRD), usava a palavra como arma, revelando uma forma única de estar na tribuna, em defesa da liberdade, dos direitos humanos e da cultura, pois “os intelectuais são uma chatice com que o Criador não contava.” Esta postura granjeou-lhe, o tratamento de “amiga deputada.” Excessiva e transbordante, a sua escrita ameaçava os que não a conseguiam entender, e desafiava os que não tinham a sua coragem. A Censura proibia-lhe as obras. A Poesia Erótica e Satírica leva - a tribunal. Natália ainda escreveu o poema A Defesa do Poeta, mas justiça não rimava com poesia, e foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa. Deixa-nos uma vasta obra, distribuída por contos, romances, ensaios, teatro e antologias poéticas, mas é nos sonetos românticos que atinge a completa mestria e maturidade poéticas. Aqui fica aquilo a que ela chamaria vãos sinais: menos ou mais, dos seus desdenhados escritos. “Que todos vivam a sua morte enquanto é tempo/afagando-a como uma flor na consciência./Desprendê-la que a desprenda o canto./Que o canto é já sobrevivência.”
Posted on: Fri, 13 Sep 2013 19:40:24 +0000

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