A verruga "Estava eu sentado lá em casa, quando ouvi a minha tia - TopicsExpress



          

A verruga "Estava eu sentado lá em casa, quando ouvi a minha tia dizer «uff!». Suspeitei logo que havia coisa. Fui ver. Tinha-lhe nascido uma verruga na orelha. Não me pareceu normal. Procurei imediatamente o meu tio, que é brigadeiro. -Vamos falar com o ministro - disse o meu tio. Fomos. O ministro, em princípio, não quis acreditar. Não podia ser, aquilo não era normal. Claro que não era normal mas eu tinha visto, e foi o que lhe disse. -Nesse caso, o melhor será fazer como se não soubéssemos de nada - propôs o ministro. - O senhor já pensou o que isto pode causar? - Continuou, ansioso. - Começam por aí a inquirir, a verruga complica-se, os anarquistas, sempre prontos para a insídia, aproveitam o momento, a greve surge, as coisas atrapalham-se, intervenção das Potências, a guerra, que sei eu? Não, não digamos a ninguém. Guardemos segredo, o Estado o compensará. Olhei para o meu tio, brigadeiro como já tive oportunidade de fazer notar, e vi que realmente o caso parecia grave. No entanto, duvidando um pouco, inquiri ao ministro: -A coisa é assim tão importante, Excelência? - Mais que isso, meu amigo, mais que isso. A pátria está em tremendo perigo. Senti que era a hora da decisão. - Se a pátria periga, não desejo a mínima recompensa. Comigo é assim. Pela pátria, tudo. Calarei. Calámos Dias depois a minha tia recebia uma carta escrita pelo próprio Imperador. Agradecendo. Louvando. A carta ainda lá está. A verruga também. Quanto a mim, continuo sentado lá em casa. Calado." Mário Henrique Leiria, in Contos do Gin-Tónico
Posted on: Mon, 08 Jul 2013 21:45:15 +0000

© 2015