ARS CURANDI - Arte Médica - 1 1. O Que é a Medicina Luiz - TopicsExpress



          

ARS CURANDI - Arte Médica - 1 1. O Que é a Medicina Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. O interesse do homem na enfermidade é tão antigo como ele mesmo e a razão parece ser muito singela: quase ninguém escapa à experiência de enfermar, uma ou mais vezes, durante a vida. Ademais, com certa frequência a morte é o resultado final de alguma enfermidade. Apoiado na universalidade da experiência, quase todo mundo se sente autorizado a expressar publicamente suas opiniões sobre assuntos médicos; o que não ocorre quando se tratam outros temas, como por exemplo, a arquitetura românica em Asturias ou a Sociedade Lunar de Birmingham. Ruy Pérez Tamayo 1.1. Introdução Praticamente todas as pessoas da sociedade, de todos os estratos sociais e de todos os graus de instrução empregam a palavra medicina com bastante desembaraço, sem aparentar qualquer dúvida ou hesitação. A Medicina é uma daquelas expressões comuns em todos os idiomas de todas as culturas, que são muito faladas ainda que possam ser relativamente pouco conhecidas de fato pela maioria. O significado essencial da palavra Medicina está mais ou menos entranhado na consciência coletiva das pessoas de todas as culturas civilizada, ainda que algo superficialmente, pela rama. Sem grande precisão e sem exata consciência de suas particularidades. Por exemplo, é comum que seja pensada como instrumento de tratamento de doenças. O que seria um absurdo em termos (induzido pela indisciplina verbal do senso comum), vez que sua destinação é tratar doentes, como se pode concluir com facilidade sem grande esforço. A primeira tarefa de quem pretende estudar alguma coisa é ter bem claros os limites do objeto de sua cogitação e, só depois, buscar explicá-lo ou realizar qualquer outra tarefa cognitiva sobre ele. Por isto, optou-se para iniciar este trabalho com a definição da Medicina. A busca de uma definição exata do que é a Medicina constitui o marco conceitual que deve inaugurar a realização deste trabalho. Pois, esta é a resposta lógica e necessária para uma pergunta do tipo: o quê é isto? O quê seria aquilo? O que é a Medicina? Uma arte? Uma ciência? Um trabalho? Um saber? Uma relação comercial de produção e consumo de serviço? Um encontro intersubjetivo de ajuda? Afinal, o que é a Medicina? Volta a pergunta cuja resposta compõe o núcleo deste capítulo. A resposta à esta pergunta encerra uma das mais importantes questões postas diante dos médicos e dos estudantes de Medicina e de todos os que se ocupam com os problemas sanitários da sociedade e da identidade da Medicina. Principalmente nos dias atuais. Na verdade, esta indagação constitui o ponto mais importante da identidade profissional dos médicos. Que, como toda identidade de todas as coisas, apresenta duas faces: a face interior (o reconhecimento de si mesmo, perceber-se a si mesmo tal como lhe parece, a auto imagem); e outra, a face exterior (o reconhecimento pelo demais, como é percebido pelos demais, a imagem pública). Sendo interessante destacar que, nem sempre estas duas faces são completamente concordantes, podendo ser inteiramente discordantes. É comum que a auto imagem (consciência de si) conflite com a identidade como fenômeno objetivo (a imagem que alguém projete na consciência dos demais). Não obstante a importância da identidade para as pessoas e as instituições em sua interação social, os agentes sociais não estão acostumados a pensar em sua atividade em termos analíticos e críticos espontaneamente. Sendo muito comum que se surpreendam quando uma investigação objetiva lhes revela a imagem que os demais fazem dela. Antiga ilustração mostrava três identidades do médico, tais como seriam reconhecidas pelos pacientes: a primeira, um santo capaz de milagres quando era chamado para atender um paciente em crise; a segunda, a de um anjo, quando assistia dedicadamente o doente em sua enfermidade; e, a terceira, a de um demônio, quando apresentava a conta de honorários (ou quando o tratamento resultava mal, pode-se acrescentar). Como acontece com todas as atividades profissionais, especialmente as da área da saúde, a atividade médica se apresenta com três vertentes bem definidas, entre outras possíveis. Pode ser uma arte (com o sentido de atividade artística ou com o sentido que tinha a palavra na Antiguidade, quando passou a designar a práxis médica); pode ser uma ciência, uma espécie particular de saber com a maior certeza possível de obter (caso em que seria uma forma particular de conhecimento, o conhecimento científico); ou a Medicina pode ser um tipo de labor, uma atividade econômica produtora de serviços, com a qual seus agentes se mantêm e tratam de prover as necessidades de suas famílias; ou pode ser uma relação especial entre pessoas, uma relação de ajuda solidária entre alguém que necessita cuidados médicos com quem pode lhe prestar aqueles cuidados. A Medicina pode ser tudo isto e mais. Portanto, quando se fala de Medicina, convém ter bem claro a que Medicina (ou aspecto dela) se está referindo. Principalmente para não confundir uma dessas com alguma das outras. Erro que muitos cometem inadvertidamente, mas que muitos o fazem deliberadamente, para tirar algum proveito, para obter algum ganho, seja primário (uma vantagem material) ou secundário (um ganho psicológico). A Medicina está sendo tratada aqui como profissão, antes de tudo, ainda que esteja perdendo seu caráter profissional (ou nem chegando a se investir formalmente dele). Pois esta qualidade está sendo considerada como seu atributo mais característico. Uma profissão especial e muito desejada. Ao menos porque a Medicina, além de ter sido a profissão dos primeiros agentes sociais que cuidaram de restabelecer a saúde das pessoas (permanecendo única nesta tarefa por muitos séculos), foi aquela que nucleou e modelou todas as demais profissões de cuidado com a saúde em sua emergência, sua configuração e no processo de sua organização. Podendo-se, até mesmo afirmar que praticamente todas as demais profissões de saúde foram geradas e cultivadas em seu seio, à sua sombra ou à sua imagem; tomando-a como modelo de de relacionamento profissional responsável, de organização social e de práxis técnica e científica. Por isto, talvez, todos julgam conhecer a identidade da Medicina, mesmo que a ignorem em seus detalhes, tanto do ponto de vista analítico, quanto sintético. Curiosamente, no Brasil hoje, a Medicina é a única atividade profissional do setor saúde que não desfruta plenamente do estatuto de profissão, por carecer de definição legal de seu campo específico de trabalho. O que todas as outras profissões da área já têm há muitos anos. Apesar de ser impossível discordar da necessidade de regular a Medicina como profissão, existe quem pretenda que a Medicina não deva ser definida legalmente para diagnosticar enfermidades e tratar enfermos. Afinal, toda atividade profissional deve ter uma área de trabalho exclusiva. E todas têm. E se diagnosticar e tratar enfermidades ou doenças não couber aos médicos, qual haverá de ser a que lhe será atribuída? Ou os médicos deverão ser a única profissão do mundo sem prerrogativa exclusiva em uma certa atividade de seu trabalho? No entanto, essa oposição à regulação legal da Medicina não é assumida apenas por agentes profissionais que disputam empregos e outros serviços remunerados com os médicos, como seria de se esperar. Estes adversários “naturais” da regulação da Medicina contam com dois tipos de aliados. Os primeiros aliados dos opositores à regulação do trabalho médico, numericamente insignificante mas politicamente significativos são alguns médicos que, seja por que for, são contra a regulação da Medicina (o que inclui os que são contra todas as regulações profissionais, sejam quais forem). Alguns por oportunismo político; outros, para serem do contra; e outros mais por não se sentirem médicos, apesar de diplomados em Medicina. Mas o pior, não é que tenham opinião diversa de seus colegas. Isto é normal e desejável. O pior é que aderiram à argumentação da oposição sem pensar e sem notar que estavam assumindo uma inverdade, sem estudar os textos legais pertinentes e ultrapassando os limites da calúnia. A estes médicos equivocados, se somam agentes governamentais que buscam substituir o trabalho dos médicos pelos de outros agentes profissionais cujo trabalho custa menos, a pretexto que existe (ou deve existir) igualdade entre os profissionais da área da saúde. Sustentam este dislate à custa do interesse dos doentes. Parecem pretender que fingir atender pode substituir o atendimento médico. E estes tambem são apoiados por alguns colegas sem equívoco nenhum., têm perfeita consciência de que assumem uma posição em favor da desprofissionalização da Medicina. Fazem-no para agradar seus superiores ou por disciplina política (os de esquerda) ou ideológica (os liberalistas e neoliberalistas). Profissionalização é a transformação de uma ocupação em profissão. Desprofissionalização é o oposto, a transformação de uma profissão em uma ocupação comum, Devendo-se acrescentar que, como parte do processo de desprofissionalização e de proletarização da Medicina promovido diretamente pelo governo ou à sua sombra, o “mercado“ fez passar o controle econômico das instituições médicas dos agentes profissionais individuais (quase sempre médicos, vinculados aos compromissos éticos de sua profissão) para o Estado e para empresas, como companhias de seguro, planos de saúde, empresas prestadoras de serviços médicos, organizações de previdência e outras (quase sempre empresários sem vinculação com a profissão médica ou só coincidentemente, médicos). Essa transferência se deu porque, ao deixar de ser uma atividade econômica predominantemente autônoma, as fontes de renda dos médicos e, consequentemente, o controle de sua atividade, saiu de suas mão e passou para as de empresários cujo ânimo essencial ou exclusivo é o lucro. Além disto, criam-se dificuldades cada vez maiores para o exercício liberal da profissão, estimulando-se os contratos apenas com pessoas jurídicas. Sem falar na carga escorchante de impostos e taxas que assola a classe média, onde se situa a imensa maioria dos médicos. A profissão médica tem sido tratada pelo governo brasileiro nos últimos anos como se não tivesse importância alguma. Como se fosse dispensável. Ignorando que não há qualquer sociedade, que tenha o direito de se desinteressar da Medicina e da assistência médica de seus cidadãos. De pouco se importar com ela, com quem a exerce, como os médicos são preparados e como devem exercer aquela atividade profissional. O governo passou anos sem corrigir a tabela de cobrança do imposto de renda (que no Brasil deveria se chara importo de salário), explorando o contribuinte. Quando, finalmente, corrige a irregularidade, batiza o que deixa de receber irregularmente como “perda“ e aumenta a carga tributária dos prestadores de serviço. É verdade que os agentes do governo brasileiro têm-no conduzido politicamente como agência antimédica. Ao longo das últimas décadas conduziram os profissionais da Medicina a uma situação social insuportável: reduziram seu ganho a valores que ultrapassaram a fronteira do ridículo; negaram-lhe as garantias trabalhistas estimulando o trabalho informal, que chamam de credenciado; os impostos e outras responsabilidades sociais foram ampliadas na proporção da diminuição da renda; e, por fim, nega-se-lhes prerrogativas desfrutadas pelos agentes das outras profissões, como o monopólio de seu campo de trabalho. A resposta à pergunta o que é Medicina pode parecer muito simples (e fácil) para quem não precisa respondê-la mais elaboradamente ou para quem deseja unicamente emitir algum palpite sobre ela sem qualquer responsabilidade. Afinal, dar palpites é uma especialidade nacional superlativamente difundida. Até onde não deveria existir. Até mesmo na universidade, como qualquer um pode verificar. Basta começar uma frase com: eu acho que… e prosseguir com qualquer coisa. Este não é, ou não deveria ser, pelo menos, o caso deste estudo. O trabalho médico se realiza no interior de uma instituição social, tecnocientífica e assistencial. Uma instituição gerada por uma dada sociedade, cuja ordem econômica determina seu contorno e sua estrutura. Pretender que uma instituição social dedicada especificamente à assistência médica da população funcione à revelia da ordem sócio econômica vigente é uma fantasia voluntarista e suicida. Algo como imaginar um elefante com bico de cegonha ou um componente sistêmico que não persiga os objetivos do sistema que o integra, nem obedeça às leis que regerem o funcionamento daquele sistema. Um cruzamento inviável de jacaré com cobra d’água, como se diz no interior nordestino para se referir a misturas deste talante. Como a política econômica dita as outras no interior do Estado, a infra-estrutura econômica determina a ordem social. Inclusive no campo da assistência à saúde. A ordem econômica de um Estado e as ideologias que ela ela cria determinam as linhas gerais de todas as instituições que ali existem, E também determinam ou condicionam mais ainda as políticas públicas sobre a organização do trabalho, mormente sobre a organização laboral do trabalho profissional. Ao mesmo tempo que condiciona os investimentos e obras sociais feitor em seu interior. Uma política econômica liberalista determina uma política laboral igualmente liberalista. Ainda que apareça travestida de anarquista ou anarcóide ou tenha discurso socialista. Esta é a situação brasileira. Afinal, não seria a primeira vez que uma tendência política se travestisse radicalmente depois de chegar ao poder. Tudo isto deve ser considerado porque a Medicina não pode ser entendida desconectada da sociedade em que ela é praticada. Se sua história, sua economia, sua cultura, seus valores. A Universalidade da Medicina Uma marca essencial da Medicina reside em seu caráter universalista mais que universal. A Medicina existe em toda a parte e, desde da universalização do conhecimento científico, existe mais ou menos da mesma maneira. Da mesma maneira que todos os seres humanos de todos os lugares do globo estão sujeitos a enfermar. E enfermam. Bastam que vivam o bastante para isto. E, na medida em que experimentam a enfermidade, passam a necessitar de que cuide deles naquele tranze, que diagnostique suas doenças e trabalhem pesa sua cura. A Medicina é um entidade social e técnica universal e conserva os elementos essenciais de sua identidade m todos os rincões do planeta. As referências que se possa fazer à uma Medicina europeia, brasileira ou norte-americana é meramente topológica. Isto é, refere-se apenas ao lugar onde está sendo praticada aquela atividade técnica. Pois, em qualquer lugar do mundo em que a Medicina estiver sendo praticada, as diretrizes gerais de sua prática serão bastante semelhantes, se não forem idênticas. O pluralismo da Medicina respeita um núcleo comum de procedimentos diagnósticos e terapêuticos estebelecidos a partir do conhecimento verificado cientificamente. Pode variar a habilidade, a experiência e a cultura técnica e humanista do executor de uma tarefa médica; podem variar os recursos materiais, humanos e financeiros postos à sua disposição para que possa realizar seu trabalho diagnóstico, terapêutico ou outro. A estrutura doutrinária de sua práxis, no entanto, mostrar-se-á invariável em todos os lugares do mundo. As chamadas Medicina locais são adaptações regionais da Medicina internacional. Una fuente de la universalidad de la medicina es nuestra naturaleza humana común. Antes o después todos nos enfermamos. Nos falla el cuerpo o la mente. Sentimos dolor y al mismo tiempo sufrimos directamente por la enfermedad y por el miedo de lo que sucederá con nuestras vidas. El dolor y el sufrimiento son reconocidos en todas partes, aún cuando pueda haber enormes variaciones en la tolerancia y el significado que se les atribuya y en las respuestas que institucionalmente se les brinde. En la niñez y en la ancianidad, en todas partes -sin importar cuáles sean en cada caso las expectativas y las respuestas- las personas dependen física y socialmente de otros para remediar sus carencias para enfrentar la vida y el entorno físico. The Hastings Center Report, noviembre-diciembre de 1996
Posted on: Sun, 14 Jul 2013 04:43:56 +0000

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