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ARTIGO "O BARATO QUE SAI CARO" DO GEÓLOGO MIGUEL NUSKE SOBRE A CRISE DA ENGENHARIA BRASILEIRA PUBLICADO EM MAIO DE 1995 NO FEBRAE NOTÍCIAS CONTINUA ATUAL O BARATO QUE SAI CARO Desde a década de 80, a engenharia brasileira vive uma crise sem precedentes. Os anos 60 e 70, de acelerado crescimento princi¬palmente nas obras de infra-estrutura, estradas, telecomunicações, energia elétrica e saneamento, representaram um período de cresci¬mento e de amadurecimento técnico que levou o País à posição de destaque na engenharia consultiva a nível internacional. A partir da moratória de 81/82, com o fim do afluxo dos recursos externos, passou-se a viver o declínio da atividade na área da en¬genharia como um todo. O governo federal, grande contratante nos vinte anos anteriores, quebrado, parou de contratar. As conseqüên¬cias foram rápidas e trágicas. Em uma década, a engenharia consul¬tiva, depositaria da tecnologia nacional do setor simplesmente im¬plodiu. A redução dos quadros das empresas mais representativas do setor foi de 90%, isto é, NOVENTA POR CENTO dos profissionais da engenharia consultiva perderam seus empregos. E os 10% que ficaram vêem com apreensão seu futuro imediato. Proliferam o subemprego, as "consultoras" fantasmas, o chamado "independente", na verdade um profissional à espera de um "bico", sem salário, sem leis sociais, sem segurança. Analisar este contexto é sempre um exercício interessante. Porque chegamos a esta situação ? Como chegamos a ela? Em que medida cada personagem desta ópera bufa atuou? Algumas destas perguntas tem respostas surpreendentes. Neste espaço vamos analisar uma destas facetas onde a responsabilidade se divide entre um governo contra¬tante sem visão e uma engenharia inerte e sem lideranças. No meio da década de 70, projetos na área do saneamento e recursos hídricos envolvendo barragens, estações de tratamento e redes de distribuição de água dividiam seu custo em 93% para a obra e 7% para a engenharia (aquela engenharia de padrão internacional de que falamos acima). Os projetos eram detalhados, as planilhas comple¬tas, as especificações rígidas. Por que praticamente não se falava em superfaturamentos, obras inacabadas, etc naquela época? Simplesmente, a engenharia detalhada, o projeto executivo em padrão internacional, de alto nível, deixava pouca ou nenhuma abertura para isso. Lá pelos anos 77/78, o percentual da engenharia na obra caiu para os 5%, valor ainda aceitável, pois as equipes de consultoria já eram mais experientes, iniciava-se a informatização tornando os serviços mais racionalizados e a quali¬dade pôde ser mantida. No início da década de 80, as dificuldades apareceram. A moratória não deixava dúvidas de que a era das vacas gordas chegava ao fim. Os problemas começavam. A reação das empresas de engenharia à crise, com raras e honrosas exceções, foi a pior possível, no que foi acompanhada pelo governo. A doutrina do menor preço fez sua entrada triunfal. Pas¬sou-se, de início com alguma cautela, a comprar engenharia como se compra prego. Igualaram-se os desiguais. Por qualquer centavo a me¬nos, se contratou a pior engenharia e se desestimulou a melhor. Conseguir 4% do custo da obra para a engenharia já era uma glória. Os dois lados erraram. O governo, de antolhos, passou em média a pagar 4% pela engenharia (economizando 1% do custo da obra) e a conviver com obras 20% mais caras. Esqueceu-se da máxima de que a projeto ruim corresponde obra cara. Facilitou-se o "jogo de planilha".. A inadimplência dos contratantes levou a acrés¬cimos de custos para cobrir a inflação e outros custos financeiros daí decorrentes. Quanto menos detalhado o projeto mais "brechas" se abriam nas planilhas. As empresas consultoras e as entidades de classe da engenharia co¬meteram, por sua vez, dois erros injustificáveis: 1º) mantiveram-se em silencio, na política do avestruz ou do bom cabrito, que morre e não berra. Não se fez um movimento de protesto e de alerta às autoridades que po¬deria ter estancado a sangria; 2º) para compensar a baixa remune¬ração, reduziu-se a qualidade do projeto de engenharia. É desta época a criação do famoso "basecutivo". A receita do bolo é simples: toma-se um projeto básico, dá-se a ele um pequeno detalha¬mento adicional e pronto, entrega-se ao cliente, incapaz pela pró¬pria natureza de avaliar corretamente um projeto, um pacote bati¬zado de Projeto Executivo. O processo de licitações passou a contemplar cada vez mais o menor preço e a promover verdadeiros leilões, impondo às empresas uma concorrência predatória. Os valores de referência dos editais fica¬ram cada vez mais baixos e irreais porém sempre aparecia alguém com preço mais baixo ainda. Aceitar qualquer preço para não fechar as portas foi a política suicida de empresas despreparadas porém ga-rantidas por editais mal feitos. A tendência de baixar preços pas¬sou a ser premiada como conquista pelos contratantes, e cerca de 87/88 chegava-se a um percentual de 3% do custo da obra para a en¬genharia. O "basecutivo" já era bom demais, coisa do passado. Nível de projeto que em 75 mal seria aceito como Básico, já era vendido livremente como Executivo. Os empreiteiros da construção viam alar¬gar-se as "brechas", os pontos indefinidos, a qualidade e precisão das especificações e planilhas caindo a níveis que permitiam quase que a livre escolha do que fazer, de que material empregar, de como construir. Em 1990/93, chegou-se no auge da histeria "baixista" a contratar a "engenharia" a 2% do custo da obra. Em 93 houve casos de 1,1%. Isto já não é mais engenharia, é prostituição. E burrice, pois quanto caia a qualidade da engenharia é quanto sobe o custo da obra. O pior é que a coisa continua. A engenharia consultiva brasileira agoniza, suas lideranças se calam, empreiteiros são obrigados a refazer ou detalhar projetos e os contratantes acham que estão colaborando para "combater a in¬flação" e “protegendo os interesses do Estado”!!!! Pobre ilusão. Estão, isso sim sucateando cérebros, enterrando experiência refazendo vezes sem conta obras que, como os asfaltos de Salvador, desmancham com a primeira chuva. É difícil adivinhar até quando esta situação se prolongará. O somatório da ignorância de uns com, a inércia de outros é mal de morte. Um ilustre engenheiro que acaba de completar os 50 anos de pro¬fissão, muitas vezes já me disse: "Filho, a burrice é a doença mais contagiosa que existe." Ele tem razão. Miguel Nuske, Geólogo, Conselheiro do Clube de Engenharia da Bahia.
Posted on: Fri, 16 Aug 2013 01:24:50 +0000

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