ARTIGO: Trabalho e Emprego, de Marcos - TopicsExpress



          

ARTIGO: Trabalho e Emprego, de Marcos Fabrício. youtu.be/yAxDua8Y0DA Pesquisa realizada recentemente pela Universidade Nacional da Austrália constata: ficar desempregado é melhor do que sofrer no trabalho. Neste estudo, coordenado pelo psiquiatra Peter Butterworth, 7.155 pessoas foram contempladas, e os principais resultados apresentaram como cenário o seguinte: na escala criada pelos cientistas, as pessoas satisfeitas com o trabalho eram sempre as mais felizes, atingindo a média de 75,1 pontos. Com 68,5 pontos, estavam desempregados e trabalhadores com empregos ruins. Mesmo em condição empatada, considerando a felicidade do indivíduo, verificou-se que um emprego ruim causava um maior transtorno do que o desemprego. Quem trocou o desemprego por um emprego ruim viu sua felicidade cair ainda mais, perdendo 6 pontos a cada ano. Quem continuou sem trabalhar perdeu apenas 1 ponto. Pior que a experiência do desemprego é sofrer no trabalho. Como podemos avaliar esta situação, considerando um conjunto de reflexões pertinentes sobre o universo do trabalho e do emprego? O sociólogo Paulo Sérgio do Carmo, em A ideologia do trabalho (1993), chama a atenção para uma realidade cruel: “estar desempregado não é estar com tempo livre para o lazer: os momentos de tensão, o sentimento de fracasso, de exclusão social, e a sensação de ser facilmente descartável afetam profundamente o desempregado. Em uma sociedade onde a participação na abundância e o sucesso profissional são aspectos essenciais para a integração social, o fato de encontrar-se sem trabalho constitui sentimento grave de derrota”. A afirmação em destaque é elevada a enésima potência trágica, quando se tem acesso à autobiografia Jack definitivo: segredos do executivo do século (2001). A narrativa é uma sucessão de massacres simbólicos (numéricos) e batalhas metafóricas (de mercado). Welch recebeu o apelido de Jack Nêutron quando, no transcurso da primeira metade da década de 80, demitiu 118 mil empregados. O executivo norte-americano produz a morte para depurar a raça. Prega a diferenciação nas suas forças armadas: a recompensa aos de altíssima lucratividade e a pena capital aos improdutivos. Para ele, as tropas se compõem de três pelotões: 20% de talentos notáveis, 70% de quadros vitais e 10% de inoperantes descartáveis. Esses devem ser eliminados. Se o mundo dos negócios é a metáfora mais acabada da guerra, e se um emprego, nessa metáfora, equivale a uma vida humana, a fórmula que ele defende é a eugenia sistemática: matar 10% a cada ano para elevar o moral dos regimentos. Só o que interessa ali é o desempenho, o lucro, a liderança. Ainda desenrolando este novelo conturbado, convém também ressaltar que nem sempre o trabalho foi valorizado como virtude. Na Grécia Antiga, por exemplo, trabalhar não era nenhuma honra, era designado aos escravizados e aos sujeitos livres não-cidadãos. Por esta razão histórica, a palavra “trabalho”, do ponto de vista etimológico, apresenta origem no vocábulo latino tripalium, que era um instrumento de tortura, ou seja, três paus entrecruzados para serem colocados no pescoço de alguém e nele produzir desconforto. Considerado como coisa menor, indecente, imoral ou de gente que está sendo punida, percebia-se o trabalho como castigo ou fardo. O caráter reificador e sacrificante do processo trabalhista vem atravessando séculos e se fez presente também na composição fundante da sociedade brasileira, assentada em seu bojo no regime escravocrata. Denunciando esta mazela, é emblemático o álbum O Canto dos Escravos (1983), gravado por Clementina de Jesus, Tia Doca e Geraldo Filme. Refiro-me especificamente ao “Canto IX”: “Ei ê lambá,/quero me cabá no sumidô/ quero me cabá no sumidô,/lamba de 20 dia/ei lamba,/quero me cabá no sumidô/Ei ererê”. Trata-se de uma referência dos negros ao serviço duro e extenuante (“lambá”) a que eram submetidos, chegando, com o intuito de se livrarem daquela jornada degradante, a convocar em seu socorro a morte (“quero me cabá no sumidô”). A reviravolta perceptiva que vai redundar na exaltação do trabalho nasce, de maneira oportunista, com o desenvolvimento do capitalismo. Enquanto no feudalismo a riqueza estava calcada na terra, com o desenvolvimento do comércio, existe uma transposição para o dinheiro. A acumulação da riqueza passava a se dar pela moeda. Mas como acumulá-la? Pela exploração da mão-de-obra que provinha do campo. Para tanto, fez-se necessário uma mutação ideológica: primeiro, a ética protestante da burguesia, que reavalia a posição cristã, legitimando o princípio da obtenção do lucro; segundo, a imposição de leis que forçassem as pessoas livres a trabalhar, utilizando-se o sutil argumento de que eram vadias. Aqui começa a associação ideológica trabalho/honestidade e a constituição do sujeito moderno. Mesmo assim, existe um aspecto saudável na valorização do trabalho, que é digno de nota. Como ressalta o filósofo Mario Sergio Cortella, em seu livro Qual é a tua obra?: inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética (2007): “a ideia de tripalium aparecerá dentro do latim vulgar como sendo, de fato, forma de castigo. Mas a gente tem de substituir isso pela ideia de obra, que os gregos chamavam de poiesis, que significa minha obra, aquilo que faço, que construo, em que me vejo. A minha criação, na qual crio a mim mesmo na medida em que crio no mundo”. As concepções de trabalho como tripalium e poiesis ajudam a explicar o que está por trás dos resultados mensurados no referido estudo australiano. Realmente, o saudoso Tim Maia foi muito feliz ao cantar Sossego (1978): “Ora bolas,/não me amole,/Com esse papo de emprego,/Não está vendo?/não estou nessa,/O que eu quero sossego”. Valorizando o “ócio recreativo”, o músico desbancou o complexo da produtividade ininterrupta, advindo do arranjo trabalhista como tripalium. Foi a forma descontraída e perspicaz que ele encontrou para mostrar o trabalho, como poiesis, sendo deformado sob a forma perversa de emprego. Transcende o princípio da fonte de renda, que sustenta o conceito de emprego, o trabalho visto primeiramente como fonte de vida e realização (prazer). * Professor das Faculdades Fortium e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.
Posted on: Mon, 29 Jul 2013 17:37:47 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015