AS DÁLIAS DE DONA CECÍLIA / CRÔNICA | JOEL GEHLEN / 1 de - TopicsExpress



          

AS DÁLIAS DE DONA CECÍLIA / CRÔNICA | JOEL GEHLEN / 1 de outubro de 2013 A construção da casa nova deixou tudo fora do lugar. O vaivém com tábuas e tijolos, a lama cimentícia, aquela pilha de telhas, as escavações e as providências todas que uma construção exige não pouparam nem o jardim. Depois da obra pronta, restou aquela corcova de terra batida, um torrão argiloso e duro, nem grama crescia. Nascidos e feitos nas lidas da roça, lá nos vales de Dona Emma, Harry e Cecília não se deram por isso, logo se lançaram a afagar o chão, plantar e estaquear mudas. O terreno afofado, mais pela candura do olhar nas tardes do sol posto que por enxadas e pás, retribuiu em brotos. Enquanto desse lado da rua colho amoras que se dissolvem nos dedos, contemplo no alto do outeiro o jardim das dálias de dona Cecília. Dez cores matizadas, desde o rubro mais sanguíneo – que imita o sumo das amoras – até o branco tão puro que denuncia a aza de uma abelha. Sobre uma catedral de folhas muito verdes, vivificam torres florais imersas no espanto de se saberem únicas ao olhar que as perscruta. Para ter a dimensão da sua beleza é preciso apreendê-las em seu contexto. Uma dália é uma dália assim como uma rosa. Nessas, porém, viça por entre os ramos a contemplação do septuagenário casal. Mal se faz o dia, mãos cuidadosas cumulam-nas de mimos e regas. Mesmo no muito que há por fazer na ocorrência de um dia, entre acudir o neto, cozer, assear e assentar as coisas do lar, ela mantém um suspiro nas dálias. E quando enfim tarda a perfeita mansuetude do ocaso, as duas cadeiras de balanço se quedam no alpendre para que melhor se contemple um botão irromper-se à lua. Nossa mãe gostava das dálias, mas punha sempre um reparo: é flor de cemitério. Cultivava-as como as comadres que fazem roda a falar de filhos, dores e flores. Entre um mexerico e outro, havia sempre uma muda para levar. Nos caminhos de volta para casa, íamos, os meninos, carregados de folhagens e bulbos que nossa mãe logo depunha na terra assim que chegássemos. Era de seu gosto receber elogio das visitas: “Nossa, Maria, como estão lindas as suas dálias!” As dálias de dona Cecília estão floridas, plenamente, como se soubessem que nos jardins é que se recolhem os dias finados.
Posted on: Thu, 31 Oct 2013 15:15:08 +0000

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