Acho incrível que as pessoas valorizem tanto a conquista, o - TopicsExpress



          

Acho incrível que as pessoas valorizem tanto a conquista, o conquistar, enquanto se opõem à inveja, ao olho gordo. Como se fosse possível separar uma coisa da outra; como se fosse possível extirpar a inveja de um mundo onde o lema de vida ensinado desde o berço é conquistar. Um termo é o oposto e o complemento do outro. A ideia de que, quem conquista, conquista por merecimento, porque é batalhador, enquanto os invejosos sentem invejam porque são incapazes de conquistar, vítimas de uma fraqueza interna, pessoal, é uma ideia maniqueísta emulada sobre a base de outras ideias, também maniqueístas, centrais ao pensamento senso-comum, como a ideia de que, no mundo, existem pessoas boas e pessoais ruins. Quem é bom vence, quem não é perde (e não me refiro ao sentido religioso, mas, por assim dizer, ao sentido darwinista). Essa ideia é ainda mais evidente nas camadas mais pobres e economicamente vulneráveis da sociedade – uma vez que tudo o que essas pessoas, não sendo herdeiras de nada, têm ou conseguem ter é com base no próprio esforço e sagacidade. Mas não é possível viver num mundo onde a conquista seja lema individual, com tudo o que isso implica, e, ao mesmo tempo, erradicar esse sentimento ruim que é a inveja, assim como não dá pra erradicar a ganância enquanto houver competição e desigualdade de condições de vida. De resto, esses últimos fatos estão também implicados na dicotomia conquista/inveja. Quem busca conquistar aceita as regras do jogo, que é, por definição, competitivo. Da competição só pode resultar condições desiguais de vida, o que suscita, naturalmente, sentimentos de inveja e ganância. Ademais, ninguém está livre da inveja, mesmo os que chegaram a conquistar certo grau de conforto material, porque a estratificação de condições econômicas de vida é virtualmente infinita, donde decorre o “nunca satisfazer-se”. Existirá sempre alguém para se invejar. Assim, também, quem conquista só conquista porque sente inveja, ou melhor, traduzindo para o passado, quem conquistou só conquistou porque um dia sentiu inveja; a inveja é, deste modo, uma espécie de motor da conquista, um impulso que leva alguém, despossuído, a competir por uma posse. Outro argumento lógico ao qual podemos recorrer para desconstruir a dicotomia maniqueísta e tola por trás das ideias de conquista e inveja é que, na medida em que alguém conquista, outro perde, de tal sorte que sempre haverá pessoas para invejar e ser invejadas. A verdade é que tudo isso são apenas expressões parciais (vistas de um único ângulo: vencedor ou perdedor, etc.) desse jogo cruel e inumano que é a vida moderna sob a regência do capital. Deste jogo só podem resultar, obviamente, os piores sentimentos possíveis dos seres humanos; destes, quando imersos nesta realidade histórica, só pode aparecer o pior lado. Portanto, ninguém é bom ou ruim quando se aceita jogar as regras de um jogo essencialmente ruim. Aos vencedores, peço ao menos a decência de não tripudiar sobre os perdedores, e a dignidade de admitir a equivalência moral entre ambos.
Posted on: Tue, 06 Aug 2013 22:27:27 +0000

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