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Ainda sobre Hélder Proença e a participação da juventude na luta pela independência (X) Juventude e lutas pelo poder durante a gesta libertadora (2) A libertação e controlo de algumas áreas deu lugar ao nascimento de feudos, zonas sem lei a não ser a vontade arbitrária do chefe militar que ali comandava. Cada comadante erige o território sob a sua jurisdição em zona de exclusao e recusa-se a se submeter à chefia imediata no terreno e, quiçá, à propria autoridade de Conakry. Era a luta de poder à escala local, nas primeiras zonas libertadas. Muitas atrocidades foram cometidas. São conhecidas pelo que não vale a pena voltar à questão. Contudo, infelizmente, os protagonistas da violência eram jovens comandantes e de entre as vítimas havia também muitos jovens. Como disse, embora grave, este episódio dizia respeito à luta pelo poder à escala local. Ora, a medida que a luta vai avançando e se complexificando também a luta pelo poder sobe a patamares e interesses mais globais. É assim que, depois de Cassacá, o partido enfrenta outra situação delicada, desta feita, envolvendo estudantes no exterior, cohecida como a crise de Moscovo, com jovens estudantes que reclamavam esclarecimentos sobre uma variada gama de questões ligadas à condução da luta, tomando algures a forma de uma contestação à forma como os assuntos da luta pela Independência eram tratados. O movimento de contestação cresce e ganha amplitude ao ponto de a direcção do partido ter de enviar um alto responsável para pôr termo àquele jogo que “desprestigiava a luta de libertação” e que era atentatório à unidade do partido. Houve uma fratura política no seio dos estudantes, algures numa clara ressonancia, senao prolongamento, das contradiçoes que atravessavam a mouvance nacionalista guineense em Bissau, Dakar e Conakry, tendo como ponto cardinal a bicuda e complexa questao da unidade da Guiné e Cabo Verde. No grupo dos contestatários estavam, entre outros, Samba Lamine Mané, Areolino Cruz, Anselmo Cabral, Zé Turé, Djoi Barbosa, que entraram em confronto aberto com um outro grupo de fiéis liderados por Fernando Cabral, irmao mais novo de Amilcar Cabral. Os contestatários todos recambiados para Conakry e depois para dentro (interior). Alguns reconsideraram depois a sua posição, pedindo desculpas (autocritica), pelo que beneficiaram da possibilidade de regressar à Europa e continuar os estudos. Outros, os mais radicais, ficaram nas zonas libertadas. Areolino Cruz era um desses e viria a morrer em Darsalam/Catés, onde tinha sido colocado como professor. Anselmo Cabral, outro irreductivel, atravessou toda a luta marginalizado, ele que chegou a ser o responsável da educação em toda a Frente Norte. O aparecimento das zonas libertadas e, com ele, o embrião do Estado, como também as perspectivas cada vez mais confirmadas do advento da independência engendra o recrudescimento das lutas internas dentro do partido e o recurso à violência extrema como forma de controlo do movimento da independência. Os anos sessenta foram prenhes em movimentos de contestação, com algumas situações de oposição frontal seja ao projecto de Unidade, seja à liderança do partido. Houve até algumas tentativas de alteração da direcção pela força, mas também muitas montagens que vitimaram adversários políticos. O Comandante Djom da Silva, entao adjunto do Osvaldo teria proposto tirar o C da bandeira. Isso foi em Morés. Custou-lhe o posto. Nos meados dos anos sessenta, cenas insólitas de contestação interna foram protagonizadas por Honório Sanches Vaz, num movimento até então gerido de cima essencialmente por dirigentes sedeados em Conacry. O mal-estar assentava na tradicional discussão à volta da divisão social de trabalho entre guineenses e cabo-verdianos no seio do movimento, mas desta feita, vinha também à ribalta a situação dos mutilados de guerra que começava a ser um problema importante. Quem dirigia a luta era o Secretariado, em Conakry. Os órgãos oficiais reuniam muito pouco. Os responsáveis de dentro dirigiam efectivamente a luta no teatro das operações, mas mais nos patamares meso e operacionais, escapando-lhes as escolhas estratégicas, as decisões sobre as grandes orientações, a gestão da circulação e da afectação dos recursos humanos nos diferentes postos e escalões do partido, os contactos diplomáticos e as negociações com os diferentes movimentos, bem assim a gestão financeira, quanto mais não seja nas arbitragens quanto à afectação dos recursos. O descontentamento crescia e, com ele, a intriga, as sabotagens e mesmo infiltrações. A forma como os guineenses colocavam os problemas e discutiam, tendia a descambar, devido a limitações culturais, vis-à-vis dos interlocutores mais preparados. Em resposta a estas oposições frontais, inclusive tentativas de alteração da direcção pela força, instituiu-se a política de execuções e muitas terão sido quase sumárias, assemelhando-se a assassinatos pura e simples dos chamados inimigos ou traidores, o que inaugura um novo tipo de relações sociais na epopeia libertadora. Paralelamente, desenvolveu-se o sistema de montagem, em que camaradas aparecem denunciando outros camaradas de que estão denigrindo a imagem do partido ou atentando contra dirigentes do partido. Purgas estalinistas. Voltando às confrontações dos fianais dos anos sessenta, numa primeira fase, os questionamentos públicos do Nónio deram lugar à discussão e tentativas de esclarecimento por parte da Direção superior do partido, mas rapidamente inscritas no capítulo do desacato e da indisciplina, antes de, numa reunião convocada em Boé, já na ausência de Cabral, ser assimilado à dissidência, traição, levando a que ele fosse preso com alguns dos que o secundavam na contestação, sob a acusação jamais demonstrada de conspiração, com vista a assassinar Cabral e destruir a direcção do partido. Uma decisão tão grave quanto esta de prender e mandar executar destacados militantes e alguns responsáveis foi tomada na ausência de Amilcar Cabral e, pior ainda, sem que ele a tivesse aprovado, pois, é isso que transparece em alguns discursos, confirmados por estudos recentes sobre a luta de libertação. Embora os textos falem da democracia interna, este processo, aliado ao castigo infligido aos estudantes recambiados, mostra uma incursão de pendor “guevarista” na resolução dos conflitos internos do movimento insurrecional. Conta-se o papel relevante tido por Osvaldo Vieira no recambiamento dos estudantes de Moscovo, ele que, desde os acontecimentos de Cassacá, aparece como homem de confiança de Amilcar Cabral para a resolução de problemas mais bicudos, aquele que conseguia impor e manter de maneira férea a disciplina no seio do MNL. No caso do Nónio, o papel determinante no desfecho foi desempenhado pelo meu tio Fidelis Cabral de Almada e Constantino Teixeira “Tchutchu Axon”.
Posted on: Wed, 18 Sep 2013 18:13:17 +0000

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