Amigos têm questionado meu posicionamento a respeito da - TopicsExpress



          

Amigos têm questionado meu posicionamento a respeito da “corrupção”. – Por que você reage negativamente contra aqueles que denunciam corrupção? Por acaso é a favor? Não, não sou a favor. Muito pelo contrário! Tanto assim que procuro ir além, comentando que não basta punir o corrompido, mas também o corruptor. E lembrava, ainda outro dia, o absurdo de uma funcionária pública condenada a 4 anos e 11 meses de cadeia por corrupção, sem que se observasse qualquer empenho na identificação do comprador dos serviços especializados dessa senhora. Ora, se há corrupção no governo, é por que alguém – fora dele – estimula esse comportamento. Corrupto e corruptor são as duas faces da mesma moeda. Um não existe sem o outro! São, de fato, irmãos siameses e não se resumem à grande burguesia e aos funcionários públicos de alto coturno. O guarda não teria “o da cervejinha” e tampouco existiria a profissão de “despachante” caso cada um de nós, no varejo do cotidiano, não estivesse predisposto a, também, corromper. Daí, minha desconfiança em relação àqueles que, monocórdios, denunciam a corrupção como o maior dos males. Ignorantes a respeito da natureza humana, ou cínicos? Não sei o que é pior... Tiremos o cavalinho da chuva: ao menos num horizonte previsível, a corrupção não irá acabar. Por isso, em vez de objeto de campanhas esporádicas, ela tem de ser objeto de combate permanente, por intermédio de instituições sólidas, poderes democráticos interdependentes, fiscalizando-se reciprocamente, e vigilância permanente dos cidadãos em relação a esses poderes. Não se combate corrupção com generalidades do tipo “sou contra tudo isso que está aí”! Tampouco se combate com afirmações estultas do tipo “sou contra a política” e “sou contra os partidos políticos”. São estultícias ao menos desde Aristóteles (384 – 382 a.C.), a quem se deve o conceito do Homem como “animal político” (= zoon politikon); ou seja, de alguém que não vive isolado como as feras ou os deuses, mas como alguém que vive na cidade (= pólis, em grego). A propósito, “polícia” não é aquele que “baixa o cacete”; isso é coisa de “capitão do mato”, preador de escravos. Polícia é aquele que contribui para a educação dos que vivem na “pólis”. Kátia Queiroz Matozo, em sua tese monumental, menciona os antigos cronistas segundo os quais a antiga Salvador seria “muito policiada”. “Policiada” não porque contasse com numerosa força policial, mas porque as pessoas conviviam harmoniosamente naquela “pólis”. Então, não tem sentido alguém declarar-se “contra a política”. Repetindo Aristóteles, só se for ser alguém bruto como uma fera, ou prepotente como um deus. Também isso de dizer-se “acima dos partidos políticos” é rematada tolice. D. Pedro I se julgava assim e, poucos anos depois da Independência, foi obrigado a abdicar em favor de seu filho, pois o país se tornara ingovernável. E aos inocentes que repetem o mantra “não tem mais sentido falar em esquerda ou direita”, recomendo a leitura de “Esquerda e Direita”, de Norberto Bobbio, o grande renovador da Ciência Política. Segundo Bobbio, enquanto houver alguém inconformado com os atuais padrões de liberdade, de acesso aos bens públicos, de convívio entre os gêneros e etnias e de distribuição de renda, haverá esquerda. Enquanto houver alguém convencido de que tais padrões são inevitáveis e que as diferenças precisam ser aprofundadas, existirá direita. Também tenho comentado que – nos marcos do capitalismo – a corrupção não é algo estranho; é algo intrínseco ao sistema. É o lubrificante que dinamiza o processo de acumulação de capital e estimula a renovação contínua dos que lideram tal processo. É uma das armas da concorrência generalizada; da “guerra de todos contra todos” à qual se referiu Thomas Hobbes (1588-1679). Embora encare a corrupção com repugnância, ao longo de minha vida nunca vi uma campanha contra a corrupção que fosse bem sucedida. Ao contrário: desencaminharam-se todas e, sem exceção, tiveram consequências funestas. Começo em 1950. Estava com cinco anos quando teve lugar a campanha presidencial que contrapôs Getúlio Vargas ao Brigadeiro Eduardo Gomes. Torcia por Getúlio, mas era obrigado a conviver com o adversário dentro de casa. Na divisão salomônica do aparelho de rádio, podia ouvir meu candidato falando de um futuro bonito, sorridente. Porém, era forçado a escutar também Carlos Lacerda e outros políticos da UDN – União Democrática Nacional, com seus discursos tristes. E o tema era sempre o mesmo: corrupção, corrupção, corrupção. Eleito Getúlio, a imprensa da época, capitaneada por O Globo, continuou a deblaterar contra a corrupção até engendrar a crise que culminou com o suicídio do presidente. E o esquema continua o mesmo: via denúncias sistemáticas, fundadas ou não, tentar desestabilizar o governo e tomar de assalto o poder, via golpe de Estado. Da crise, lembro-me do povo em fúria a empastelar O Globo e outros jornais golpistas; dos carros de combate do Exército estacionados nos fundos do prédio onde morava; e de uma sucessão de golpes e contragolpes, até a posse de Juscelino. Aliás, trabalhei na campanha de JK, fascinado com seu discurso de “50 anos em 5”. Seu adversário era o General Juarez Távora, o candidato conquistado pelas vivandeiras de quartel, que hoje intentam retornar. E os discursos eram os mesmos: corrupção, corrupção, corrupção. Durante o governo JK, tivemos mais cinco anos de discursos contra a corrupção, entremeados por tentativas de golpe militar. Em vez das obras da Copa, denunciavam as despesas com a construção de Brasília, o absurdo de abrir grandes estradas, a exemplo da Belém-Brasília, e as renúncias fiscais concedidas às nascentes indústrias automobilística, química, naval e outras; em suma, denúncias contra tudo e qualquer coisa. O discurso soou tão bem nos ouvidos da “opinião pública”, a ponto de Jânio Quadros ter recebido uma votação esmagadora. Sem programa, a não ser o compromisso de “varrer a corrupção”, o governo Jânio Quadros foi um desastre; uma sucessão de medidas desconectadas, sem pé nem cabeça, abreviado pela renúncia. Hoje, chamam essa forma de desgoverno de “choques de gestão”. Após a tentativa frustrada de impedir a posse de João Goulart, ressurgiu o discurso contra a corrupção. Discurso que ganhou força, até o golpe militar que iria, definitivamente, “erradicar a corrupção” no Brasil. Sob o manto do silêncio, a corrupção campeou como nunca na época da ditadura. Tenho histórias cabeludas para contar sobre esse período, mas fica para outro momento. Cabe lembrar, porém, que – segundo o próprio General Geisel – a abertura política seria indispensável para combater a corrupção que se “instalara no seio das forças armadas”. Desde a última redemocratização, o discurso da direita continua a ser o mesmo: corrupção, corrupção, corrupção. As gerações se sucedem e um segmento importante da opinião pública não aprende: corrupção não se erradica na base cartazes, chiliques e vândalos mascarados na rua. Só pode ser atenuada por intermédio da fiscalização cidadã. Mas mesmo assim, cuidado! Muitos consideram a operação Mãos Limpas, iniciada nos anos 1990 na Itália, como exemplo bem sucedido da luta contra a corrupção. Os resultados imediatos foram impressionantes: no auge da operação, 6.059 pessoas estiveram sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro primeiros-ministros, além de outros tantos, políticos e empresários, que se suicidaram. Falei em resultados imediatos, pois não podemos esquecer-nos dos resultados “mediatos”: o desaparecimento dos principais partidos italianos, o descrédito da atividade política e, em consequência, a migração do poder para as mãos de Berlusconi, o grande bufão, muito mais corrupto e reacionário que qualquer dirigente da extinta Democracia Cristã italiana. Os anos se passaram e, ao que consta, aquele país permanece ingovernável, o Banco do Vaticano continua a fazer das suas, enquanto as máfias italianas vão ainda melhor, obrigado, hoje atuando em negócios mais respeitáveis. No que se refere à representação política, veja-se o sucesso que obteve o comediante Beppe Grillo nas últimas eleições italianas: seu movimento, dito apolítico, teve quase 20% dos votos! Muito grave, na Itália e não só lá, parcela significativa do poder migrou para a aristocracia de toga, não eleita pelo povo, que se perpetua pela via das listas tríplices, quadrúplas etc. É tal qual a propagação por rizomas: tudo igual à planta-mãe. E aqui, como lá, há segmentos da opinião pública que acreditam na absoluta honestidade dos togados, como se esses fossem inumanos. Como veem, há 63 anos ouço essa cantilena histérica contra a corrupção e ela continua a serviço do descrédito das instituições! Se for varrida porta afora, irá entrar pela janela. E se o exemplo italiano for seguido, preparem-se: desacreditadas as instituições, Tiririca poderá inspirar-se em Beppe Grillo e tornar-se “Condestável da República”.
Posted on: Thu, 18 Jul 2013 13:51:37 +0000

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