Bate-Papo com o leitor Matéria de Fernando Jorge, publicada - TopicsExpress



          

Bate-Papo com o leitor Matéria de Fernando Jorge, publicada semanalmente no Grupo JBA Ele não tem culpa... O meu colega Ancelmo Gois, jornalista de O Globo, informou que uma bela jovem, após ser assaltada na saída da São Paulo Fashion Week, assim se referiu ao seu agressor: -Ele não tem culpa, pois faz isto para ganhar a vida. A jovem ficou sob a mira de um revólver quase encostado na sua cabeça. Ligeiro aperto no gatilho da arma e zás, esta lhe tiraria imediatamente a capacidade de respirar. Baseando-me no argumento exótico da moça, devo dizer que então também não exibem culpa os dois rapazes que em Diadema, no dia 11 de fevereiro de 2004, mataram com dez tiros na cabeça o major Ícaro Demétrio Santana, da Polícia Militar, quando ele descia de um ônibus municipal. Sim, o par de assassinos não é culpado, pois fez isto para ganhar a vida... O amigo leitor é capaz de engolir este absurdo? No dia 30 de outubro de 2002, usando tacos de beisebol revestidos de ferro, os irmãos Cristian e Daniel Cravinhos assassinaram o casal Manfredo e Marisia Richthofen, enquanto ambos dormiam. Suzane von Richthofen, a filha do casal, aconselhou-os a agir dessa maneira. Ela planejou o crime hediondo com dois meses de antecedência e sentiu-se feliz ao saber que os crânios dos pais haviam sido esmigalhados, pois os dois não gostavam do seu namorado Daniel, rapaz bonitinho e engraçadinho. Depois de transformar papai Manfred e mamãe Marisia em defuntos, a angélica Suzane iria ganhar, além de muito dinheiro, a mansão na qual morava. Quanta felicidade! Use agora, amigo leitor, o argumento genial da jovem assaltada na saída da são Paulo Fashion Week: -Suzane von Richthofen não tem culpa, pois fez isto para ganhar a vida. Engula este absurdo se for capaz, amigo leitor. O jornalista Tim Lopes, da Rede Globo, investigava o comércio de entorpecentes no Rio de Janeiro. Ele compareceu num baile Funk no dia 2 de junho de 2002, a fim de colher imagens para uma reportagem sobre o aliciamento de menores por traficantes de drogas. Capturado pelos criminosos Ratinho e Elias Maluco, o jornalista, após receber socos, bofetões, golpes nos rins, dois tiros nos pés, foi posto no porta-malas de um Fiat Palio e levado até um lugar conhecido como Grota, no Complexo do Alemão. Lá os traficantes disseram que iam executá-lo. Munido de uma espada, o Elias Maluco decepou várias vezes o corpo do Tim Lopes. Em seguida resolveu queimar as postas sangrentas. Preso no Complexo do Alemão,109 dias após o crime, Elias é um inocente, de acordo com o raciocínio da jovem assaltada na saída da São Paulo Fashion Week. Usemos o seu argumento: -Ele não tem culpa, pois fez isto para ganhar a vida. Engula mais este absurdo se for capaz, amigo leitor. Deixando de lado as minhas ironias, aconselho a jovem assaltada a gravar na sua memória esta frase do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963), inserida na obra Point counter Point: “Os silenciosos não prestam testemunho contra si mesmos” (“The silent dear no witness against themselves”). E estava certo o historiador romano Tito Lívio (59 AC,17 após JC), quando afirmou: “Nenhum crime tem fundamentos razoáveis” (“Nulium scelus rationem habet”) Agora eu digo que se todos os crimes podem ser justificados, o mal é o bem e este é o mal. * Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor de “Drummond e o elefante Geraldão”, que acaba de ser lançado pela Editora Novo Século.
Posted on: Wed, 30 Oct 2013 21:31:19 +0000

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