CARTA ABERTA EM REPÚDIO AO ESTATUTO DO NASCITURO (PROJETO DE LEI - TopicsExpress



          

CARTA ABERTA EM REPÚDIO AO ESTATUTO DO NASCITURO (PROJETO DE LEI 478/2007, SEU SUBSTITUTIVO DE 2010, E APENSOS) Militantes feministas da cidade de Joinville/SC, após manifesto realizado em 15 de junho de 2013 – quando outros mais, reivindicando a mesma pauta, ocorreram pelas mais diversas cidades do país – vem por meio desta carta expor seu posicionamento de repúdio, bem como conscientizar a população a respeito e solicitar providências por parte das autoridades competentes, frente ao Projeto de Lei 478/07, de seu Substitutivo (de 2010) e Apensos, que dispõem sobre o Estatuto do Nascituro – este que já tramitou e foi aprovado junto à Comissão da Seguridade Social e da Família, no ano de 2010, e junto à Comissão de Finanças e Tributação em junho do corrente ano, e agora já se encontra na Comissão de Constituição e Justiça para ser analisado. É de nosso conhecimento que o Projeto de Lei original, datado do ano de 2007 e de autoria dos Deputados Federais Luis Bassuma e Miguel Martini, apresentava-se composto de 32 artigos (disponível em: < camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=443584&filename=PL+478%2F2007>, explicitados numa redação confusa, ambígua e abrangente, mas de inegável compreensão quanto aos intentos de proibir o aborto em circunstâncias já asseguradas pela Constituição às mulheres, ou seja, em casos de anencefalia, de risco de morte para a gestante, e em casos de gravidez em decorrência de estupro, reportando a mulher à mera condição de incubadora, ignorando a situação de violência psicológica e emocional e/ou física a que estaria submetendo a mesma, e indiretamente outras pessoas a ela relacionadas (marido, filhos etc.). Após o referido Projeto de Lei ser analisado pela Câmara de Seguridade Social e da Família, este foi aprovado com uma nova redação substitutiva proposta de 14 artigos, que o tornaram mais claro e objetivo, dissipando muitas das falhas de redação e afins contidas no projeto original. No entanto, na prática, a nova redação, em nosso entender, não efetiva alteração alguma quanto às questões supracitadas, e tampouco em relação a outros problemas deste Projeto de Lei, sobre os quais discorreremos a seguir. Há uma alegação por parte de muitos defensores do referido Projeto de que o mesmo não vetará as possibilidades de aborto em caso de gravidez em decorrência de estupro quando essa for a vontade da gestante, no entanto uma breve análise desta nova redação nos faz atentar para pelo menos três artigos em especial (Art. 4º e 5º e Art. 12), os quais nos parece tornar tal alegação não-verdadeira. Questionamos inclusive a má-fé quanto ao conteúdo e possíveis interpretações do Art. 12 – que parecem subestimar nossa capacidade de interpretação e apostar na nossa ingenuidade –, ao anteceder o Art. 13, o qual supostamente apresentaria a ressalva em casos de estupro, assegurando o direito ao aborto à gestante. Eis a redação dos quatro Artigos mencionados, com grifos nossos: “[...] Art. 4º É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à família, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 5º Nenhum nascituro será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punido na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos. Art. 12. É vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por qualquer de seus genitores. Art. 13. O nascituro concebido em decorrência de estupro terá assegurado os seguintes direitos, ressalvados o disposto no Art. 128 do Código Penal Brasileiro: I – direito à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da mãe; II – direito de ser encaminhado à adoção, caso a mãe assim o deseje. § 1º Identificado o genitor do nascituro ou da criança já nascida, será este responsável por pensão alimentícia nos termos da lei. § 2º Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe. [...]”. (Disponível em: ) Ora, se o Art. 4º prevê que se assegure ao nascituro, “COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida [...] a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência” o referido Projeto já prevê a prioridade dos direitos do que denominam “nascituro” (pois o próprio termo que utilizam já traria um vasto campo para discussão sobre a adequação do mesmo, seu conceito, e aquele pretendido no texto deste Projeto de Lei) em detrimento aos direitos da gestante. Dizer que o nascituro precisa estar a salvo de qualquer forma de discriminação e violência não seria o mesmo que abrir precedente para alegar que o aborto em casos de gravidez em decorrência de estupro consiste num ato de discriminação do embrião em decorrência deste ser fruto de estupro? O aborto não continuaria sendo considerado um ato de violência contra o “nascituro” ou embrião, e por isso inviabilizado? Quanto ao Art. 5º, o mesmo só reforça o expresso no Art. 4º, ressaltando a punição em caso de “atentado” contra os direitos do embrião, ou “nascituro” (conforme o entendimento pouco claro e pouco preciso deste termo pelo Projeto em questão). Por sua vez, o Art. 12 é o mais polêmico: ora, o que implica dizer que “é VEDADO ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por qualquer de seus genitores” senão dizer que é VEDADO o aborto inclusive quando a gravidez for decorrente de ato de estupro por parte do genitor masculino? Isso não faz com que a ressalva do Art. 13 (“ressalvados o disposto no Art. 128 do Código Penal Brasileiro”), que prevê o direito ao aborto neste e em outros casos, fique invalidada? Ao que parece, e segundo já advertido em ‘Parecer da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Acerca do Projeto de Lei 478/2007, do seu Substitutivo e dos seus Apensos’ (disponível em: ), vários pontos, tais como os supracitados, tornam o referido Projeto inconstitucional (observe-se aqui alerta para as PECs 33 e 99, que pretendem, respectivamente, conceder aos parlamentares o direito de intervir no STF em casos de inconstitucionalidade, e conceder poderes para as religiões majoritárias no país de propor ações de constitucionalidade e inconstitucionalidade perante o STF, o que na prática tornaria o STF refém de políticos corruptos e ligados a grupos fundamentalistas, e atentaria contra o Estado Laico, permitindo às igrejas o direito de questionar junto ao STF a legalidade de qualquer lei em vigência no País, inclusive e sobretudo aquelas que garantem direitos de setores que as igrejas consideram “ameaças” à família e aos seus demais dogmas). Considerado isso, para além da inconstitucionalidade deste Projeto de Lei, gostaríamos de aprofundar outros pontos do mesmo, a fim de apelar para o vosso bom senso e humanitarismo, e convocá-los à reflexão quanto aos problemas, o retrocesso, e o visível atentado à vida, à saúde emocional e psíquica e/ou inclusive física, à dignidade e autonomia e aos direitos já conquistados pelas mulheres. Para além da questão da obrigatoriedade de a mulher seguir com a gravidez em casos de estupro – ou ao menos de ter o aborto bastante dificultado pelo Projeto de Lei objeto desta discussão inclusive nestes casos -, o que evidentemente, assim que tornado de conhecimento da população geral será alvo de indignação, repúdio e outras possíveis ações para frear tal atrocidade (mesmo por parte de gente contrária ao aborto em circunstâncias mais gerais), outros pontos graves são passíveis de destaque: I) vetará as possibilidades de aborto quando houver má formação fetal, inclusive em casos de anencefalia, quando se é sabido que a criança não terá chances de sobrevida após o nascimento, ignorando outra vez as consequências psicológicas e emocionais disso para a gestante e sua família; II) vetará as possibilidades de aborto em casos que comprometam diretamente a vida da gestante, bem como tornará criminoso o tratamento de gestantes portadoras de câncer, por exemplo, por meio de quimioterapia e afins, pois se considera que os mesmos coloquem em risco a vida do embrião, ignorando a importância da vida da mulher, tornando-a de menor importância que a do ser que estará sendo gerado, bem como ignorando que esta criança já nascerá com o futuro comprometido, posto que já órfã (ou em vias de tornar-se órfã) de mãe. III) prevê que se procure identificar o estuprador-“pai” para que assuma suas responsabilidades de pai, o que suscita algumas questões: I) será o mesmo identificado como pai no registro civil da criança, independente da vontade da mãe? II) o referido estatuto não estaria aqui abrindo precedentes para que o estuprador-“pai” reivindique futuramente os direitos de paternidade previstos juntamente com seus deveres? IV) poderá dificultar o acesso aos meios de contracepção de emergência, vulgarmente conhecidos como “pílula do dia seguinte”; V) poderá colocar mulheres que sofreram aborto espontâneo – já comumente em processo de sofrimento emocional e psicológico devido à sua perda – sob o constrangimento de uma investigação criminal para averiguar se o mesmo não teria se dado por outros métodos considerados atualmente passíveis de criminalização; e VI) inviabilizará pesquisas importantes com uso de células-tronco embrionárias que visam melhorar a qualidade de vida ou aumentar a expectativa de sobrevida de pessoas com doenças degenerativas e afins. Salientamos que esses são apenas alguns dos pontos preocupantes do Projeto de Lei 478/07, seu Substitutivo (de 2010) e Apensos. Outros mais também saltam à vista, tal como a chantagem/barganha implícita no tal auxílio financeiro de um salário mínimo (como se este fosse suficiente para a criação de um filho com o mínimo de acesso às suas necessidades básicas) previsto às gestantes vítimas de estupro que “optarem” por manter a gravidez – conforme explicitado no Art. 13 transcrito acima; como a sugestão de que a mulher que não tenha condições (financeiras) de criar a criança coloque a mesma para adoção – como se já não houvesse inúmeras crianças para adoção que até hoje não conseguiram um lar; como as sequelas emocionais de uma criança que poderá vir a ser rejeitada pela mãe e/ou pela sua família de um modo geral. Em decorrência de todo exposto acima, solicitamos vossa reflexão, posicionamento e intervenção possível contra um Projeto de Lei que, se aprovado, legitimará atos de terrorismo contra as mulheres, as tornará reféns de seus úteros e corpos, e não mais donas deles, submetendo-as a uma degradante condição sub-humana de mera incubadora do Estado e de seus estupradores, e que parece pretender institucionalizar o estupro e criminalizar a vítima. Declaramo-nos a favor da vida! A favor da vida de mulheres que possam ter a segurança de não sofrerem a violência e o constrangimento de um estupro, e que, se diante de uma situação desta, acabar engravidando, tenha seu direito assegurado ao aborto. A favor de que mulheres em situação de risco de morte possam ter seu direito ao aborto, ao menos no período inicial de 3 meses de gestação, conferido para poderem se tratar, pois uma vida já existente precisa ter maior valor que um feto, que poderá vir a desenvolver-se para então sim tornar-se uma pessoa. A favor da vida de mulheres que não sejam obrigadas a carregar por nove meses um feto com anencefalia que nascerá para morrer, implicando todo um imenso sofrimento para a mãe e seus familiares. A favor da vida de crianças que venham ao mundo desejadas, com chances de uma infância feliz ao lado de mães que as criem com amor, atenção e todos os demais cuidados necessários! Para finalizar, transcrevemos o oportuno trecho do Parecer da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil Acerca do Projeto de Lei 478/2007, do seu Substitutivo e dos seus Apensos’, segundo o qual, através de aprovação do referido “"[...] retornaríamos à fase de triste memória para a humanidade, quando a mulher era considerada mero receptáculo ou veículo da vida por nascer, cabendo à mulher desenvolver apenas o papel de “incubadora” – triste que, na aurora do novo milênio, algo que consagre pensamento medieval e anacrônico ainda esteja sendo discutido no Parlamento brasileiro [...]" (Parecer Estatuto do Nascituro Comissão de Bioética e Biodireito da OAB-RJ/2011). OrquídeaNegra EcoFeminismo Libertário
Posted on: Sun, 06 Oct 2013 08:12:56 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015