CONTINUO PENSANDO SOBRE A MINHA ESCOLA III. Para além do muro da - TopicsExpress



          

CONTINUO PENSANDO SOBRE A MINHA ESCOLA III. Para além do muro da escola A humanidade atravessa sua história construindo muros. Nem sempre com os mesmos significados. Houve um tempo em que as cidades eram muradas sob a falsa intenção de oferecer segurança aos cidadãos. Era necessário interromper a entrada dos estranhos e estrangeiros, oferecer-lhe resistência e, não fossem agraciados em sua vaidade por cavalos de madeira, a queda exigiria esforços supra-humanos dos externos. A muralha da China desvendou a verdade escondida sob o argumento militar: temia-se mais o contágio que a invasão. Era preciso manter-se isolado da contaminação bárbara, vinda do espaço aberto e sem limite. Evitava-se em verdade a desordem da liberdade. Nesse sentido tudo que não tivesse limite era bárbaro, estranho, estrangeiro, e contagioso. Estabelecer um limite e, portanto uma separação entre o externo e o interno, é função mais do que social, é função mítica para as sociedades. Toma-se nesse sentido o externo como caótico e profano e consequentemente o interno como ordeiro e sagrado. Assim se construíram mosteiros na idade média e, ainda nessa época, as escolas. Entretanto a escola tem em si vocação bem diversa das cidades. Estas são construídas com intenções ativas. São espaços de ação e de utilidade. Servem à moradia, ao comércio, à industriação. As escolas nasceram para a passividade: a inação produtiva e vívida. São espaços reservados ao ócio e à "inutilidade". "Passei minha infância entre os muros da escola. À revelia de tentar pulá-lo, foram anos, a bem dizer, felizes e improdutivos. Não refletia sobre seus limites, tampouco via propósitos e princípios. Levei os anos escolares a encontrar saídas. Estar dentro da escola era o espaço ideal para transgredir. Lá dentro, vivi os primeiros amigos e os primeiros namoros. Integrei grêmios e esbocei os vôos para além dos muros da escola. Não tivera a consciência dos sentidos e dos objetivos. Mas tinha em mãos matéria amorfa e moldável com que construí sentidos a meu bel-prazer. Quando tomei consciência do muro já convivia nos campus e estranhei a sua ausência. Foi preciso tatear e descobrir limites naquela pouca fronteira. Entretanto estava preparado para a liberdade, pois fora semeada nos campos do ócio e da inutilidade”.Talvez devesse ser esse o depoimento (e algumas vezes o é, mais por força intrínseca da escola que intenção sistêmica) de alguém cuja vida fora cerceada nos muros da escola. Todavia muitas das vezes tem sido diverso o sentido desses muros. A profecia dirigida a Sérgio de "O Atheneu", "Vais conhecer o mundo", ainda ecoa nos âmbitos da educação, embora com sentido reduzido, pois lá estava a escola como antítese a casa e ao carinho maternos, aqui elas são símiles e não raramente uma substitui a outra. Comete-se assim o erro fatal. A escola não deve tomar o lugar da casa, menos ainda de modelo da cidade ou do mundo. A escola deve manter-se antítese. Como modelo, tem função mimética do mundo. É objetiva e útil. Faz-se para a vida prática. Infelizmente parece ser essa mesma a intenção que a sociedade tem depositado na escola. Modelo do mundo, ela prepara o jovem não para criá-lo, mas para moldar-se a ele e lá, na cidade, assumir o seu papel. Seus muros viraram fábrica: é linha de produção e de reprodução. E é curioso como cega-dos pela utilidade, pais, mestres e jovens exijam da escola seus objetivos claros; limites e contornos bem definidos e precisos. Qualquer ação mais nebulosa é tomada como caos e desordem, foge aos limites da "cidadania" e deve ser sufocada. Seus muros sufocam a criação em detrimento da utilidade. A escola está banindo de seus muros o ócio. Talvez porque atualmente sejam outros os muros que cerceiam o ócio - os muros dos inconscientes. Não professo com essas palavras o elogio da loucura, mas penso que muito do que vivemos na escola é - e deve sê-lo - intuição e desejo. Não são objetivos, mas têm um sentido. Bebemos dias e aulas como cálice de vinho. No entanto, há quem tenha objetivos: dar o ponto, tomar a lição, cumprir o conteúdo. Não os deprecio, mas lastimo. Nessa lógica os anos escolares são metas a cumprir, e há quem os cumpra e quem os compre, porque se tornam objetos de troca. É uma mudança cruel. Quem tem objetivos tem objetos, não desejos. Em certa ocasião, quando aplicava uma atividade de história a alunos do fundamental, surpreendi-me por uma questão que causou polêmica: perguntava o professor qual era o objeto de estudo da história. Um aluno protestou. Nos apontamentos de aula, não constavam os objetos da história, mas os objetivos. Tentando argumentar-lhe, escandalizou-lhe o absurdo: "objeto não são coisas que tocamos, damos e vendemos?" Feriu-me o olho já cego pelo tempo. Era verdade. E ali senti a premissa maior que desvia e desvirtua a missão da escola: tem proposto, mas objetos que desejos. Edilberto C. Santos (Educador Sim)
Posted on: Sat, 06 Jul 2013 13:37:12 +0000

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