CULTURADIGITAL.BR ENTREVISTA GILBERTO GIL, Músico e ex-Ministro - TopicsExpress



          

CULTURADIGITAL.BR ENTREVISTA GILBERTO GIL, Músico e ex-Ministro da Cultura COMO O SENHOR VÊ O IMPACTO DO DIGITAL NA CULTURA? Todo campo cultural, as dimensões simbólicas, as construções das subjetividades que são base da vida cultural, as linguagens expressividades individuais e coletivas, todas essas coisas são afetadas pela vida digital, por causa do aumento considerável da acessibilidade, as trocas simbólicas que o mundo digital oferece. É um novo mundo, por causa especialmente da acessibilidade e da velocidade, da generalização de usos e penetração desses usos em esferas antes assumidas por poucos grupos. Especialistas que dominavam determinada área deixaram de monopolizar aquele domínio. Surge a questão da multi-capacitação, das multi-utilizações, de tudo que o mundo digital proporciona, que é um mundo que socializou também todas as ferramentas, que agilizou as inteligências funcionais, que é como as inteligências entram em função no diálogo com a instrumentalidade. Tudo isso está extraordinariamente impactado, afetado pela digitalidade. É como se a gente tivesse passado para uma nova cultura. Tudo ficou muito rápido e muito amplo. COMO VOCÊ VÊ ISSO NO CAMPO ESPECÍFICO DAS ARTES? O que ainda impede uma inundação definitiva do mundo da música, da cultura, das atividades culturais na sociedade, por essa indiferenciação de agentes, de quem consome produz e quem produz consome, ainda é a questão da remuneração, do produto, da permanência da necessidade de configuração do bem cultural, do serviço cultural, ainda em termos de bens e serviços. Tem sido assim por toda a vida capitalista, toda a vida produtiva da nossa sociedade, e pode ser que agora isso se transforme do ponto de vista autoral. Essa inundação tecnológica é inevitável, e o que acontecerá com isso ainda dependerá de como o sistema vai reagir. O sistema ainda vive da possibilidade de remunerar e ser remunerado, os empreendimentos são todos baseados nesta dupla função, e o sistema vai lutar muito fortemente para manter a possibilidade da dimensão negocial da vida. Enquanto isto existir, vai haver sempre uma tentativa de refreamento dessa inundação. Mas o mundo digital aproxima muito virtualidade e atualidade, fica tudo muito confundido, e é difícil de conter essa inundação. E A POLÍTICA NO DIGITAL? A política vai a reboque do desejo social, do desejo sistêmico, de manter os negócios, manter a capacidade de negociar, manter direitos, manter remuneração, manter lucros. A medida em que a sociedade deseja que essa coisa seja mantida em vários níveis ou que seja desmantelada, a política vai respondendo aos estímulos. Política é um instrumento do exercício dos direitos legítimos ou de alguma forma reivindicados por alguém ou por um grupo. Ela não tem vida própria. Política é para uma finalidade humana qualquer que é pré-estabelecida antes da política. Ela só existe para negociar posições, ideias, diferenças, poderes. Enfim, política é só pra isto. A política é o que nós queremos fazer das coisas. Quais são os atores dentro dessa coisa toda, quem defende o que, a política vai sempre estar a serviço de alguma causa, defendida sempre por alguém. Vai aumentar consideravelmente o número das pessoas que querem gratuidade, a política vai ter que levar isto em consideração. Agora, se ocorrer o contrário, a política também fica mais convencional. E O IMPACTO DISSO NAS DIVERSAS RELAÇÕES, COM PRODUTORES, COM INTERMEDIÁRIOS? Os intermediários de todos os tipos passam a ser questionados, a ser desafiados nas suas maneiras de fazer. É aquilo que eu falei no começo, quem é de uma determinada área, é especialista em um determinado campo de atividade humana, campo, então começa a questionar um especialista daquele campo e também passará a ser questionado na sua especialidade, naquele campo em que ele é. E fica ampla a possibilidade de que muita gente possa fazer muita coisa. É uma tendência que a juventude do mundo todo está percebendo, no sentido de não se conformar mais com as restrições das especialidades, se formar em alguma coisa, de trabalhar num determinado setor. Os meninos hoje, sejam pobres, de classe média ou ricos, todos eles já estão pensando no “multi emprego”. O QUE ESTÁ SENDO QUESTIONADO É O INTERMEDIÁRIO QUE NÃO AGREGA VALOR, AQUELE QUE CRIAVA DIFICULDADES PARA VENDER FACILIDADES... Porque a própria formação do valor começa a mudar. Agora isso é quebrado, não tem a possibilidade, já está na mão de quem precisa ser abastecido, as facilidades se encontram à disposição amplamente, e isso é uma das coisas que a dimensão digital possibilitou, é o que a gente chama de acesso genérico. E SE FORTALECE ESSA POSSIBILIDADE, QUE VOCÊ SEMPRE TRABALHOU NA SUA OBRA, DE APROXIMAÇÃO DA ARTE E DA CIÊNCIA. O mundo digital parece aproximar definitivamente essas áreas. Aquilo que eu disse do virtual e do atual, a possibilidade atualizante desse mundo é impressionante, vai para além do romantismo ou da contracultura, possibilitando que indivíduos e coletivos possam fazer esse exercício da criatividade. E isso é fascinante, sempre me moveu e à minha obra. O fato de que esta é uma das características do existir humano, ele existe para tocar as coisas, para deixar que novidades surjam e surpreendam e lhe apavorem e lhe confundam. A vida é assim e a vida é para isso... essa é a substância do mistério que interessa, é o fato de se viver em suspensão permanente, não há preenchimento definitivo do significado de viver, tem sempre alguma coisa para ser alcançada. Então o que parece propor um novo alcance, e desafiar uma medida já estabelecida, tudo que aponta para isso me interessa. O modo de desdobramento permanente da vida. É assim que as coisas se desdobram, então toda a vez que aparece uma dobra nova é interessante, porque aquilo prenuncia um novo desdobramento, uma nova técnica, uma nova forma de exercício do poder. Às vezes as pessoas me perguntam: “Mas você faz estas coisas pensando em você? Seu negócio? Seu trabalho?” Eu não penso nada disso, penso em mim. Penso na vida... e às vezes não é nem na vida humana... como é o dar e receber mutuamente entre os seres vivos todos. Eu trabalho para o conhecimento, eu faço as coisas para o conhecimento maior de tudo, não é para o proveito, o proveito é um subproduto. É claro que existe um proveito de tudo que se faz, porque nós vivemos nesta relação de troca com o natural, nós nos nutrimos dele, é a questão da vida enquanto duração periódica de um determinada configuração. NESSE SENTIDO, A CIÊNCIA, A ARTE E A RELIGIÃO PRECISAM SER REPENSADOS? Você tem hoje uma acessibilidade ampla a todos estes campos de conhecimentos, que leva a que os confinamentos em cada um desses campos passem a ser impossíveis. Essas fronteiras estão sendo borradas e aí é como você diz, quem está dentro do campo da religião tem que rever os seus valores, quem está dentro do campo da ciência tem que rever os seus valores, quem está dentro do campo da arte tem que rever seus valores, porque ninguém está mais dentro de nada. Não há mais o lado de dentro, ou não há o lado de fora, ou você tem que juntar os dois. Há quem diga “não existe nada do lado de fora, tudo está contido” e há quem diga “não há nada do lado de dentro, está tudo aberto”... PARECE QUE A TECNOLOGIA VEM DIZER MAIS DA NOSSA CONDIÇÃO ORIGINÁRIA PARA NÓS MESMOS... Porque ela é o que? A techné. A tecnologia é a concepção que o homem foi fazendo da sua própria extensão, ele foi admitindo deixar-se entender pela técnica, então ele passa a se ver melhor. Ele vê o seu próprio código genético, ouve a sua própria voz, vê o seu interior, as bactérias que lhe consome, os estafilococos que lhe intoxicam. Ele vê, ele vê, ele vê. Tudo conspira em prol do conhecimento. E A CONTRACULTURA? A contracultura, o movimento hippie teve uma capacidade importante de prenunciar essa desindividualização interessada, as individualidades e interesses acoplados. Os hippies pregavam isso, comunidade, indiferenciação do elemento humano, o de fora e o dentro, todas essas coisas. Os hippies incorporaram isso em atitudes, em atos, em maneiras de ver, a vida, de propor, foram prenunciadores de tudo o que estamos vivendo. Esse valor admitido, a beleza da diversidade, do conceito, finalmente a possibilidade de conceituar a diversidade que se deu recentemente é fruto deles. Hoje não é mais o pequeno recanto que reivindica sua sucessão ao universal, é o universal que chama o local para que ele venha... é diferente, é uma regência do universal, universal não é mais partes disso ou daquilo, não são coisas que se tornam universais pela admissão de um valor, tudo tem valor amplo. É UMA APODERAÇÃO DO UNIVERSAL? É um modo de traduzir um pouco aquilo que o Milton Santos chamava de fase popular da história. Ele dizia que a história havia entrado em um momento em que a grande riqueza é a humanidade. A grande coisa que ainda pode guardar valor é o humano, o ser humano. Isso seria uma fase popular. Outra forma de traduzir isto é o conceito de multidão, que também vem nesta mesma direção, o conceito de comum. Então você está com uma série de conceitos que pareciam distantes, remotos, elitistas ou herméticos e de re-pente estão ali, ficam visíveis a luz do dia e se tornam atualidade. Isso é muito desafiador, e aí é que entra a grande capacidade de operar, de lidar com isso que é o conjunto da humanidade. A POLÍTICA REAL. Todo mundo está entendendo, o único pote onde a gente tem que derramar é o pote do conhecimento, do grande conhecimento geral. Cultura é isso. São coisas muito interessantes, sociedade humana se configurando, para lá de utopia. Porque não é mais utopia, isso é “usopia”... A USOPIA DIGITAL PROVOCA UMA ACELERAÇÃO TÃO GRANDE QUE AS UTOPIAS ESTÃO SENDO ATROPELADAS.... Passam a ser usos. As ideias estão muito próximas, a tecnologia aproxima o virtual do atual, aquilo que era virtual já está sendo. Então a gente tem que correr atrás para alcançar a virtualidade, ela ganha sua atualização mais rápido do que nós, do que o nosso próprio desejo de querer... Por isso mesmo a produção entendeu que o seu grande produto é o conhecimento. Não é mais a riqueza material, é a riqueza imaterial... AGORA, ESSA TRANSPARÊNCIA PODE CAUSAR UMA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO, MAS TAMBÉM HÁ O RISCO DE UMA SOCIEDADE DO CONTROLE. Isso aí é a política. Aí foi o que eu disse antes, é a própria sociedade humana que vai estabelecer, vai dizer o que é que ela quer que a política estabeleça como constituição. Quais são os direitos, o que é que é direito e o que é que é dever, e estabelecer parâmetros para o exercício dos poderes. O JORGE MAUTNER DISSE QUE A PRÓPRIA SOCIEDADE IRÁ DEMANDAR UM BIG BROTHER... Não tenho muita certeza disso não, porque essa necessidade que o Big Brother iria suprir nos seres humanos, as necessidades de segurança de um pai, de um guia, isso também está se diluindo. Todas as instituições disciplinares, que foram criadas para encarnar o ideal disciplinar, a escola por exemplo, estão em crise. As pessoas falam em crise na educação brasileira, a educação está em crise muito pior na Alemanha, nos EUA ou qualquer outro lugar do que no Brasil. Eu sempre repito isso, uma vez eu estive, quando era vereador em Salvador, com o ministro da Educação da Alemanha e ele disse assim: “Vocês aqui no Brasil ainda são felizes, vocês ainda precisam abrir escolas, nós na Alemanha já estamos fechando" (risos). COMO VOCÊ VÊ ESSA RELAÇÃO PARTICULAR D BRASIL COM A CULTURA DIGITAL? ESSA CAPACIDADE ADAPTATIVA QUE NÓS TEMOS PARA ESSE MUNDO? Você tem uma marca, semântica, conceitual que pode servir de referencia para a compreensão disso que é a antropofagia, essa capacidade de fusão e absorção que virou uma marca desde Oswald de Andrade, passando pela Tropicália. E hoje tem um brasilificação do mundo, do modo de querer ser trágico da maneira que o Brasil é, ser alegre e triste ao mesmo tempo. Tristes trópicos e alegria carnavália. Essa capacidade talvez antecipada aqui no Brasil de viver o trágico pós-moderno contemporâneo. O Brasil é isso, um modo de ser que é adequado ao homem contemporâneo que vive universalmente. E isso era ridicularizado por todos que advogavam ainda uma modernidade para o Brasil, uma configuração mais definitiva do Brasil como um país moderno, com uma identidade nacional muito clara. Mas hoje não dá mais para negar que o Brasil nasceu para ser uma universalidade, não nasceu para ser uma nacionalidade. Essa era a critica básica que certos setores que queriam que o Brasil fosse uma potência tal qual as potencias sempre foram. A ideia de potência ligada a uma identidade, a uma materialidade instrumentalizável. E o Brasil é uma virtualidade. Como hoje a virtualidade está no plano da própria atualidade, o Brasil virou uma atualidade. Não como país, mas como mundo. É uma coisa simples... Teve a China, teve a Grécia, agora tem o Brasil...
Posted on: Tue, 03 Sep 2013 12:09:21 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015