Capítulo I - Bem, seja bem vindo ao seu estágio, Doutor, - TopicsExpress



          

Capítulo I - Bem, seja bem vindo ao seu estágio, Doutor, esperamos que aprenda muito conosco... - Será um prazer imenso estar com vocês nesse trabalho, tenho certeza que irei fazer o meu melhor e receber muito conhecimento em troca. Saíamos do meu novo gabinete, um tanto rústico, eu reconheço, mas ainda assim, sofisticado. A porta era de Ébano Negro finalizada em Frejó, a maçaneta de bronze acabada com alumínio, a escrivaninha larga, que chegava a lembrar a de um grande homem que me deu muitos exemplos valiosos de como o ser humano pode ser cruel e aproveitador, mesmo que fosse entre sorrisos e piadas infames. O sofá era marrom, de um couro que eu não conhecia, mas era macio e capaz de embasar o sono mais profundo em questão de segundos. As paredes eram azuis do tom Royal, meu favorito desde criança, alguns quadros pendurados na parede, mesmo que fossem imitações, eram as imitações dos meus favoritos. O Grito, A Maddona das Rochas e Monalisa eram nomes recorrentes em minha parede. Os pisos eram de um tom quase bege, o que me deixava bastante confortável com relação à luminosidade do lugar, sempre tive aversão à luz do dia, por isso escolhi trabalhar à meia-luz. Me oferecendo um cigarro, meu novo supervisor me convidava para uma ida ao bar da cidade, onde vendiam o meu uísque favorito em doses acessíveis ao bolso. De muito bom grado aceitei, sob o pretexto de que queria saber mais sobre o meu novo trabalho, os pacientes que iria enfrentar e sobre os casos que iria estudar. Entramos no seu carro, um Amarok 2011 vermelho no qual eu tinha um prazer imenso de andar, pois era um carro que impunha respeito. Depois de enfrentar uns quilômetros de engarrafamento, chegamos ao bar, a noite já batia às portas e eu estava cansado de ouvir Manoel falar sobre sua esposa e como ela devia aos outros. - Se ela me chamar de meu bem, os agiotas repartem! - Não sei bem como seria isso, mas seria no mínimo estranho... e nojento - É, sem dúvida seria... vamos entrar antes que o bar lote e não tenhamos mais espaço nem pra respirar! -Disse ele soltando uma risada quase forçada - - É, vamos... Ironias mal feitas sempre me divertiam, mas as dele me pareciam quase tiros, talvez fosse porque Manoel era meu novo chefe, eu ainda não tinha nenhuma amizade com ele e ele já me convidou pra sair! Nenhuma das minhas namoradas ou noivas fizeram isso antes. Sentamos nos bancos perto do balcão e enquanto ele pedia as doses do meu doze anos favorito, eu ainda estava tentando descobrir como eu estava tão confortável naquela situação. - Notei um certo desconforto em você, o que há Juan? Algo lhe incomoda? - Me perdoe, Doutor Manoel, eu sempre fico desconfortável em público. - Não fique, os olhares são frios, mas são só olhares. Ninguém vai lhe atacar ou lhe fazer mal. Saúde? - Saúde! - Me diga uma coisa, você já teve algum pesadelo estranho? - Minha vida é um pesadelo estranho, Doutor. E sabe o que é pior? - disse enquanto pedia mais uma dose de uísque - Ele se repete todos os dias. - Que tal um pouco de otimismo nessa vida, rapaz, você acabou de se formar e ainda não sabe direito o que é vida. Além disso, ser psicólogo é profissão para poucos. Uma coisa me irritava mais do que ele estar tentando me convencer que havia algo de bom na vida, ele gesticulava demais enquanto falava, e eu não conseguia ouvir meus pensamentos porque me distraía com eles. - O senhor deve estar certo, me perdoe por ser tão pessimista, é que eu não estou acostumado com felicidade. - Algo estava me incomodando profundamente - Não estou me sentindo muito bem... vou ao banheiro, não me demoro. - Tudo bem, enquanto isso vou beber o seu uísque por você, ele não pode esfriar, perde todo o sabor - e uma leve risada forçada acompanhava suas palavras - Fique tranquilo, eu o espero... Caminhei até o banheiro masculino e ouvi algumas vozes antes de abrir a porta. Cheguei a imaginar que poderia ser algum travesti angariando clientes, mas dei de ombros, o banheiro é masculino oras! Logo que abri a porta, tudo ficou num silêncio mortal. Achei estranho, pois estava num bar, e bares no Brasil são lugares movimentados, com gente que bebe e acha graça de tudo, arruma confusão com tudo, está satisfeita com o governo corrupto que os rege e insatisfeita com o seu time ter perdido um jogo do brasileirão. Entrei na cabine e enquanto abria o zíper, pensava em quanto tempo eu iria me deixar ficar sozinho em casa, até as tantas da madrugada, evitando contatos físicos com pessoas normais e permitindo contato apenas com a minha noiva. De repente um som vem de for a da cabine. Era um som estrondoso e pavoroso que eu já havia escutado antes. - Socorro por favor, preciso de ajuda! - berrava a mulher enquanto alguém a segurava - - Ninguém vai te ouvir aqui, vagabunda! Nem Deus pode te ouvir aqui! - Socorro por fav... - o novo berro da mulher foi abafado por um golpe certeiro em seu rosto desferido pelo homem - Hoje, eu vou fazer o que eu quiser fazer com você! - E soltou uma risada maliciosa enquanto parecia se alimentar da dor da mulher - Hoje você vai ser meu brinquedo... Eu não queria sair de dentro da cabine, mas seria pior se descobrissem que eu ouvi tudo e fiquei, então decidi sair e dar uma de que estava tudo normal. Abri a porta e me deparei com o homem estuprando a mulher. Ele era alto, musculoso, pardo e careca, tinha um bigode que lembrava os motoqueiros da época de 70, a mulher era esguia, usava roupas mínimas, como se fossem lingeries, mas estavam sendo retiradas enquanto o homem a penetrava cada vez com mais ódio. Tentei passar pelo homem, mas ele não me deu chances de sair, jogou a mulher de lado e me encarou de frente. Seus olhos eram de um negro profundo, quase não se dava pra vê-los. Se virou bufando na minha direção, com os braços abertos como se planejasse me matar também. - O que você estava fazendo aqui, garoto? Está querendo ser minha próxima boneca? - disse ele. - Não, amigo, estou só de passagem, sabe como é né, a natureza chama! - Forcei um sorriso pra não demonstrar que tinha medo. - Amigo? - E ao mesmo tempo que ria, ele urrava como se estivesse pegando fogo - Você não tem amigos aqui, cara! Você está morto! No Inferno baby, você é meu, assim como seu amigo lá for a! - O que fez com ele? - perguntei com medo - - Olhe na bolsa da mulher, idiota! Quando olhei pra dentro da bolsa da mulher, me deparei com a cabeça de Manoel, que parecia ter sido decepada com cacos de vidro a julgar pela sua expressão de pavor e dor. E agora estava ali, junto comigo dentro de um banheiro, com dois estranhos e presenciando um estupro - e ao mesmo tempo com a vida em risco. - Quando eu acabar com ela, eu cuido de você, boneca! -disse ele se virando pra pegar o corpo inerte da loira no chão. Olhei para o espelho ao meu lado, na esperança de que houvesse alguma saída naquele banheiro imundo - e agora aterrorizante - por onde eu pudesse escapar sem ser notado, quando de repente vi algo escrito no espelho. Imperet tibi ego servus inferno et imperium penes me cum virtute Domini nostri Iesu Christi ad verbum quod vobis loquor, ostende mihi viam tuam ex inferno ceifaste dimittam animas peccatorum. In nomine et pater et filio et spiritui sancto Iubeo te! Amen! Enquanto lia em voz alta, o homem se retorcia enquanto tentava olhar pra mim, mas ficou de joelhos, como se pressionado contra o chão. Eu não entendia nada, mas continuava o mais firme que podia. O escrito no espelho desapareceu e quando olhei novamente, estava dentro do banheiro novamente. A porta se abriu de repente e por ela entraram Manoel e mais dois homens com expressões assustadas. - O que houve, Juan, está tudo bem? - ele não escondia a preocupação, olhei em volta e vi que estava sozinho no banheiro - - Estou bem sim, está tudo bem - sem entender nada, eu olhava em volta e tudo o que eu podia ver era o banheiro imundo, sem vestígios de que mais alguém esteve ali junto comigo; Exceto por uma coisa: os espelhos e os vidros estavam todos rachados. - Você quase me matou de susto cara! Escutamos barulho de vidro quebrado e viemos ver o que estava acontecendo, você estava no banheiro a quase meia hora! Tem certeza que está tudo bem? - Está, está... tudo bem - mesmo que não estivesse, eu tinha que dizer que estava - foi só uma crise emocional, eu acho. - Venha, eu te deixo em casa. - Ele parecia mais assustado que eu, mas era compreensível - Você mora no Condomínio Monte das Oliveiras não é? - Sim, sim... é pra lá que eu vou. Saímos de dentro do bar e entramos no carro, já eram quase dez da noite e eu estava tão perplexo que parecia ter acabado de acordar de um pesadelo. E realmente estava, mas não sabia.
Posted on: Tue, 26 Nov 2013 01:04:41 +0000

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