Cerrado, da nostalgia à conservação Verônica Theulen - - TopicsExpress



          

Cerrado, da nostalgia à conservação Verônica Theulen - 31/03/06 Deparo-me com uma nostalgia que há muito não sentia. Sinto-me tão Cerratense, mesmo não sendo originária do Cerrado. Lembro-me da primeira vez que ouvi este termo, “eu sou um Cerratense, e minha vida é dedicada a este lugar”. Que saudades sinto do professor Paulo Bertran, nascido em Anápolis em 1948, o grande historiador, o poeta que contou nos seus diversos livros a verdadeira história do Cerrado e do centro-oeste brasileiro, com sentimento e emoção de alguém que amava o Cerrado e acima de tudo queria mantê-lo protegido. Assim deparamo-nos com a história nostálgica que originalmente descrevia o Cerrado brasileiro, com seus 2 milhões de km2, cerca de 25% do território nacional, distribuídos por mais de 13 estados, considerado o segundo maior bioma do Brasil e da América do Sul, superado pela Floresta Amazônica. O Cerrado é considerado uma das regiões de maior diversidade do planeta, mas também uma das mais ameaçadas. Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o ambiente brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana. Mas a velocidade em que isso vem acontecendo não é comparável a nenhum outro lugar do país. Hoje, o que enxergamos, por todos os lados, são plantios de soja, pastagens, carvoarias, estradas, condomínios, loteamentos, cidades.e muita irresponsabilidade. As paisagens mais preservadas, ou em muitos lugares, as únicas que restam, são as unidades de conservação. Mas, embora consideradas como um dos principais instrumentos para conservação da biodiversidade, lamentavelmente protegem apenas 2,5% do Cerrado (sendo que, em proteção integral, cobrem só 1,8%). E o restante some, desaparece muito rápido. É difícil escrever sobre isso. Cerca de 80% da extensão original do Cerrado já foram alterados, e ações concretas para reverter esta situação inexistem. O presente revela-se desesperador, espécies desaparecem diariamente, ambientes são modificados, paisagens são perdidas, e isso é irreversível. O licenciamento é liberado abertamente, sem melindres, as leis não são cumpridas, a questão econômica prevalece sobre absolutamente tudo. Um olhar se perde no horizonte, das tardes encantadoras do Cerrado, de um tempo de ilusões. De um governo que não tem nenhuma responsabilidade por este patrimônio, que não tem nenhum compromisso com o que é meu, é teu, é nosso, é da humanidade, mas também não é de ninguém. Por outro lado, qualquer movimento para criação de novas áreas de conservação é questionado por todas as partes, por todos os setores. Quando isso acontece desperta na população brasileira um sentimento de “cidadania”, de “solidariedade”, de “cooperação” que não é visto em nenhum outro momento do dia-a-dia, muito menos quando o assunto é a ocupação do Cerrado. Diariamente perdemos novos espaços, novas áreas, mas nestes casos, todo este movimento não aparece, a população parece não perceber e não se sensibiliza. Além disso o governo sempre incentivou e continua incentivando a ocupação total do Cerrado brasileiro, com insumos, fomentos, empréstimos. Para a conservação não há nenhum incentivo, mas isso fica para outra discussão. O futuro do nosso Cerrado é delineado pelo pior dos caminhos, pela apropriação indevida dos recursos naturais, num processo individualista, onde os prejuízos devem ser pagos por todos e o benefício apenas para alguns. Se a geração que me antecedeu tirou meu direito de ver as fantásticas florestas de araucárias do sul do país, onde nasci, a minha geração está fazendo o mesmo com a próxima, que não terá o privilégio de contemplar as paisagens do Cerrado, com seus tons e encantos. E assim somos desde já nostálgicos de um Cerrado que é cada vez mais escasso. Os contos, as histórias, as poesias, os dados técnicos, os mapas, tudo começa a fazer parte do passado. Parece que não há mais tempo para o Cerrado. Mas no Cerrado há um tempo para tudo: há tempo de seca e tempo de chuva; há tempo de flor e tempo de fruto; há tempo de folhas e tempo galhos; há tempo de colorido e tempo sem cor. Infelizmente ainda não sabemos quando será o tempo de conservação, até hoje só conhecemos tempo de destruição. Assim nasce esta coluna sobre o Cerrado. Nasce da nostalgia de um ambiente que quase não existente mais, de algo que se perde muito rapidamente, diante de nossos olhos, das nossas leis, dos nossos governantes, da nossa população. Nasce com sentimento de quem escreve histórias, de quem chegou atrasado no tempo. Mas também nasce de alguém que acredita que a conservação destes ambientes, embora cada vez mais raros, ainda é possível, e talvez seja a única esperança. O professor ensinava história, mas também encantamento e indignação sobre a falta de atitude para conservar o Cerrado. Lamentavelmente não temos mais Paulo Bertran e o Cerrado está ficando cada vez mais na memória de poucos. No futuro novos historiadores, ao descreverem esta geração e sua relação com os ambientes naturais do Cerrado, terão um outro contexto: o encantamento dará espaço ao espanto, o deslumbramento será substituído pelo pavor, o arrependimento aparecerá constantemente e esta geração será descrita como a mais irresponsável e negligente, responsável por uma perda insubstituível e irreparável de ambientes únicos.
Posted on: Fri, 06 Sep 2013 01:52:03 +0000

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