“Com tal, ele nos ensina uma lição freudiana muito importante: - TopicsExpress



          

“Com tal, ele nos ensina uma lição freudiana muito importante: devemos rejeitar a ideia de que o modo adequado de combater a demonização do Outro é subjetivá-Io, ouvir sua história, entender como ele percebe a situação (ou como disse um partidário do diálogo no Oriente Médio: “O inimigo é aquele cuja história ainda não ouvimos”). No entanto, esse procedimento tem um limite óbvio: podemos nos imaginar convidando um nazista violento e brutal- como o Maximilian Aue de Littell, que na verdade se convida - a nos contar sua história? Estaríamos dispostos a afirmar também que Hitler era inimigo só porque sua história não foi ouvida? Os detalhes de sua vida pessoal “redimem” os horrores que resultaram de seu reinado, tornam-no “mais humano”? Cito um de meus exemplos favoritos: Reinhard Heydrich, o arquiteto do Holocausto, gostava de tocar os últimos quartetos de corda de Beethoven com amigos em suas noites de lazer. Nossa experiência mais elementar de subjetividade é a “riqueza da minha vida interior”: é isso que “realmente sou”, em contraste com as determinações e responsabilidades simbólicas que assumo na vida pública (pai, professor etc.). Aqui, a primeira lição da psicanálise é que essa (‘riqueza da vida interior” é fundamentalmente falsa: é um biombo, uma distância falsa, cuja função, por assim dizer, é salvar as aparências, tornar palpável (acessível a meu narcisismo imaginário) minha verdadeira identidade simbólico-social. Assim, um dos modos de praticar a critica à ideologia é inventar estratégias para desmascarar a hipocrisia da “vida interior” e suas emoções “sinceras”. A experiência que temos de nossa vida por dentro. a história sobre nós que contamos a nós mesmos para explicar o que fazemos é mentira; a verdade está, antes de tudo, do lado de fora, naquilo que fazemos. Aí reside a difícil lição do livro de Littell: encontramos nele alguém cuja história realmente ouvimos, mas que, ainda assim continua sendo nosso inimigo. O que é verdadeiramente insuportável nos carrascos nazistas não são as coisas pavorosas que fizeram, mas como continuaram “humanos, demasiado humanos” enquanto faziam tais coisas. As “histórias sobre nós que contamos a nós mesmos” servem para confundir a verdadeira dimensão ética de nossos atos.” Žižek, S. (2011). Primeiro como tragédia, depois como farsa.
Posted on: Sat, 16 Nov 2013 20:18:23 +0000

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