Começando a entender o Golpe Tenho criticado e me chateado com - TopicsExpress



          

Começando a entender o Golpe Tenho criticado e me chateado com as diversas comparações das manifestações no Brasil com outras revoluções populares que terminaram em totalitarismo. Parecia-me que todos esses “profetas do apocalipse” estavam simplesmente olhando pro lado errado, sem entender o contexto histórico que deu origem ao movimento. Agora, depois de alguns dias sem fazer nada a não ser pesquisar sobre o assunto, minhas certezas começaram a titubear. Eu me recuso terminantemente à televisão no meu dia-a-dia. Toda vez que alguma situação me coloca sem fuga na frente de uma, critico por dentro cada palavra da nossa conhecida lavagem cerebral. Nos últimos dias, porém, precisava saber a versão da mídia sobre os fatos, precisava ver por mim mesmo a alienação que estava sendo feita. Infelizmente, tive tarde demais a ideia de contar quantas vezes as palavras “arruaceiros”, “baderneiros”, “depredadores” e, sobretudo, “vândalos” apareceram no noticiário nacional. Com certeza muito mais vezes do que “gás lacrimogêneo”, “truculência policial” e “covardia”, que foi o que vi nas ruas. Durante os comerciais, cinco minutos antes da Presidenta ir ao ar com seu pronunciamento, joguei no Google “PEC 33”. Confesso que fiquei envergonhado na passeata com os diversos cartazes a respeito dessa proposta e eu não sabia explicar o que era. Era a última peça do quebra-cabeça. A PEC 33 bate de frente com a Organização dos Poderes da República. Com ela, o STF, órgão do Poder Judiciário responsável pela última resposta em matéria Constitucional, teria de passar suas decisões pelo Congresso e, em caso de discordância deste, para a população em plebiscito. O que faz um juiz? Um ministro, dentro do Poder Judiciário? Ele analisa processos, provas, testemunhas, jurisprudência, doutrina, leis, estatutos, laudos técnicos, perícias, solicita diligências, confronta os fatos e as normas, aplica analogia, equidade e diversos outros princípios, tudo isso para fazer uma decisão mais embasada do que a de um leigo. Como é possível pegar uma decisão que passou por milhares de páginas de registros e análises e entregá-la no colo dos parlamentares? Sabemos que muitos deles têm ignorância dificilmente comparável, veja só o Bolsonaro, o Feliciano, o Malafaia e tantos outros. E pior, se o Congresso recusar o teor da decisão, deve-se submetê-la ao povo para que dê o ponto final na discussão. Logo o povo, que nunca pegou num processo, que mal sabe o que é um processo, que tão pouco sabe sobre a Constituição, muito menos sobre o Ordenamento Jurídico ou a divisão dos poderes. O SBT, ontem, chateado porque os manifestantes queimaram um carro da empresa, nos fez questão de lembrar que o conhecimento sobre a corrupção, a PEC 37, o mensalão, o caos na saúde e na educação são todas questões informadas pela mídia. O pouco que a maioria do povo sabe sobre a estruturação do nosso Estado é a mídia quem diz. Quem iria realmente, então, deter a última palavra sobre a Constituição? O quarto poder, sim, a mídia, que, representante da elite brasileira, iria fazer os caules do povo penderem de acordo com o vento que o dinheiro sopra. Vamos agora juntar os outros pedaços do quebra-cabeça. PEC 37: crimes antes investigados pelo Ministério Público, Coaf, Banco Central e outras entidades só poderão ser investigados pela Polícia Federal. Provavelmente o Ministério Público, e falo isso porque trabalho lá, é uma das poucas instituições nas quais o povo ainda confia. E qual a função do MP? Segundo a Constituição Federal: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Sim, o Ministério Público é justamente a instituição que deve proteger a Ordem Jurídica e o Regime Democrático, como citado anteriormente. Uma PEC, a 33, joga fora tudo o que a justiça investigou para dar um veredicto, a outra dificulta a própria criação da investigação. Tem até lógica. Já que não vai valer mais nada fazer um julgamento sobre a Constituição, pra que se dar o trabalho de investigar quem a usurpa? Não vamos esquecer da PEC 99, agora identificando claramente de onde vem o movimento conspiratório. Novamente desdenhando do trabalho do Poder Judiciário, João Campos (PSDB) pede que as entidades religiosas em âmbito nacional possam impetrar ações declaratórias de constitucionalidade e diretas de inconstitucionalidade. Apenas as seguintes entidades hoje podem fazê-lo hoje: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República (Chefe do Ministério Público da União), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Agora resta imaginar o que aconteceria se a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus do Avivamento começassem a encher o STF com suas reclamações baseadas em fundamentalismos religiosos. O STF nega os pedidos, mas não adianta, porque o Congresso pode discordar da decisão do STF. Então, tudo é decidido em plebiscito, e o povo manipulado por esses falsos profetas transforma a cultura de uns em norma para todos. A composição do Congresso nunca esteve tão estranha. Parece que, ponto-a-ponto, está tudo pelo avesso, como se a Força da Gravidade de repente começasse a repelir as pessoas de junto do chão. Quem preside o Senado é um dos maiores ladrões do país, a Comissão de Constituição e Justiça está cheia de mensaleiros, a Comissão de Meio Ambiente com o Blairo Maggi, ruralista descarado, a Comissão de Direitos Humanos, na mão dos evangélicos. Isso sem falar que Collor, Sarney, Maluf e companhia ilimitada ainda não foram conversar com o cara lá de baixo. Não sei se todos sabem, mas é histórico o sucateamento dos serviços do Poder Judiciário. Um funcionário concursado pelo Senado, de Nível Médio, ingressa na carreira com quase 14 mil reais brutos. Um funcionário concursado pelos Tribunais Federais, bem como pelo Ministério Público da União, recebe cerca de 4,6 mil reais brutos. Para muitos, esse valor não é reajustado desde 2006, para outros, desde 2008. O Governo Federal, em 2012, anunciou um aumento de cerca de 15%, divididos em 2013, 2014 e 2015, para o funcionalismo judiciário federal. De 2006 até 2015 são 10 anos, o que dá 1,5% ao ano de aumento, com a inflação entre 4 a 6,5% ao ano. Outras questões estranhas se somam. Veja só o Estatuto do Nascituro, um retrocesso enorme para as conquistas da mulher. Para quem não sabe, o Estatuto equipara os ainda não nascidos, desde a sua concepção, com as crianças, impedindo todas as formas de aborto, inclusive os casos de mulheres estupradas. Lutar pela descriminalização do aborto pode virar crime de apologia. Abortos espontâneos podem virar processos criminais contra as mulheres. O Ato Médico preocupa, dificultando ainda mais o acesso da população às diversas formas da saúde. Ele impede que se acessem diretamente Psicólogos, Fisioterapeutas e outros profissionais da saúde; você precisará de encaminhamento médico para tudo. Ele restringe à classe médica todos os diagnósticos, prognósticos, indicações de tratamento, procedimentos invasivos, o fornecimento de atestados sobre a saúde. Os médicos também serão os únicos a chefiar unidades de saúde, caso o projeto seja aprovado. Tem mais, acupuntura será só para médicos, só eles poderão indicar o tratamento e realizá-lo. Isso não melhora em nada a sua vida, pois o médico não entende de Psicologia, de Enfermagem, de Biomedicina, de Fisioterapia, de Odontologia, de Acupuntura ou de qualquer outra área da saúde tão bem quanto os que a estudam e praticam. A diferença é que você vai ter que pegar duas filas, e os médicos vão ganhar mais dinheiro. Os projetos de “Cura Gay” e de “Criminalização da heterofobia” são completamente descabidos, e quem os fez sabe bem disso. Uma das lutas mais fortes no Brasil e no Mundo hoje é a dos movimentos LGBTT. Eles estão no Planalto há meses tentando tirar o Feliciano de lá. Ele sabe que Cura Gay é inconstitucional e que Criminalização da heterofobia é uma boa piada. Porque ele insiste em colocar essas pautas inúteis em votação, justamente no meio das manifestações? As placas com seu nome tomaram o Brasil e o Mundo, tornando-o, mesmo que pelo ódio, mesmo por ser apenas um exemplo do que não ser, um dos nomes mais importantes da política atual. Por um lado, o movimento gay cresceu para muito além da comunidade, chamando negros, mulheres ou simplesmente quaisquer pessoas conscientes à luta, mas por outro lado, uma multidão de ovelhas passou a sentir que política é espécie da qual fé é gênero. Eles também vão às urnas em 2014. Do lado econômico. O Novo Código Florestal garantiu a perpetuação do ruralismo, que parece que nunca será vencido nesse país. Os impulsos às indústrias automobilísticas, com a diminuição do IPI inundaram as ruas e diminuíram a renda das famílias, agora comprometidas com o financiamento. Depois veio o impulso imobiliário, consolidando a tradição dos brasileiros em investir prioritariamente em imóveis e transformando em cimento muitos milhões de reais por cerca de 30 anos. O Brasil segue o modelo de sociedade de consumo, como os EUA, com a grande diferença de que o brasileiro tem que pagar duas vezes pela educação e pela saúde e não têm qualquer compreensão econômica, não sabe investir. Odeia ouvir falar de investimento, muitas vezes. Mal sabem o que são ações, enquanto quase metade da população estadunidense as possui. A ideia, bem sucedida, era tirar da poupança do povo a fuga da crise mundial, esvaziando os pátios dos depósitos sem ter que fazer o confisco que Collor fez. A diminuição dos juros e impostos serviu para o povo comprar por impulso, gerando uma sensação, na indústria, e na opinião popular sobre a indústria, de que as coisas não estavam tão mal. Agora que ninguém tem mais como gastar, a indústria recua e as consequências desse modelo consumista, no qual o povo só investe no Estado, com seus impostos exorbitantes, são ruas paralisadas pelo trânsito, e receitas familiares travadas pelas dívidas. O brasileiro, traumatizado pela história e mal-informado, vive do que espera receber e paga caro por isso. O governo e, sobretudo, a polícia estão preocupados em justificar sua violência para aumentar o controle. Os protestos são justamente contra o governo e seus representantes na frente de batalha, as armas. Os protestos criticam as práticas, as decisões, as omissões, tudo aquilo que perpetua o bem estar dos políticos e o mal estar na civilização. Aqui vem a falha no pensamento. Os protestos são um chacoalhar retumbante nos votos, e o que político gosta mesmo, acho que até mais do que dinheiro, é de votos. Lembrando que a mídia vive – e muito bem, obrigado - do dinheiro das empresas; lembrando que as crises de corrupção quase que invariavelmente envolveram o dinheiro de poderosos empresários brasileiros e demais que aqui se banham de ouro, sabemos que a elite defende seus interesses sobre as leis, sobre os trabalhadores, através dos parlamentares e seus interesses sobre o voto, quando investem na mídia. As palavras que ouvimos na TV parecem que foram feitas para massagear por dentro os ouvidos da elite conservadora brasileira. Os vândalos são uma desculpa tão perfeita pra reduzir a população ao silenciamento que parece que eles foram desenhados na tela da TV. “Agora”, eles pensam, “nós temos um motivo”. Quanto mais pessoas eles convencem de “que tá perigoso na rua por causa dos vândalos”, de que são traficantes que estão fazendo vandalismo, mais motivos eles têm pra bater, pra provocar, pra fazer muita gente perder a razão e servir de bode-expiatório. Eles fazem aos poucos, deixando as pessoas antes pacíficas totalmente revoltadas, enquanto afirmam que as coisas estão perigosas. Quanto mais revoltada a população, melhor se posicionam os candidatos dos que subirão ao poder, quanto mais dias de confronto, mais justificada a ação de dispersão da polícia. O brasileiro volta à vida normal: uns, poderosos, acreditando que um governo mais duro é justificável, outros, marginalizados e perseguidos, acreditando que a perdemos a batalha, mas não a guerra. Nas urnas, em 2014, saberemos, enfim, o resultado dessa guerra, ou desse golpe.
Posted on: Sat, 22 Jun 2013 15:54:01 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015