Como estou de certa forma envolvida na questão achei por bem - TopicsExpress



          

Como estou de certa forma envolvida na questão achei por bem aguardar um pouco para expressar o que penso. Para quem não sabe, eu sou bolsista do Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco há dois anos e estudo para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD) por igual período. Neste ano, eu participei pela primeira vez do CACD, no qual, infelizmente, não fui aprovada na primeira fase. Mais uma vez, para quem não sabe, na primeira fase do certame (e somente nela), há uma reserva de 10% do número de vagas para candidatos que se declaram afrodescendentes. Por exemplo, neste ano, foram reservadas 100 vagas de ampla concorrência, mais 10 vagas para candidatos afrodescendentes e mais 10 vagas para candidatos portadores de necessidades especiais. Aquele que se declara como afrodescendente, caso atinja a nota de corte da ampla concorrência, ocupa uma das 100 vagas, caso faça uma nota menor, é classificado dentro das 10 vagas que são reservadas aos afrodescendentes, até o limite estabelecido. No restante do concurso (que tem 4 fases), todos concorrem igualmente, de forma que não cotas no concurso da diplomacia como muita gente diz por aí. O que aconteceu no último concurso foi que um candidato (oglobo.globo/educacao/itamaraty-mantem-aprovacao-de-candidato-branco-beneficiado-por-cota-racial-9919463) que se autodeclarou afrodescendente gerou toda uma polêmica acerca de qual seria o critério adotado para a reserva dessas vagas na primeira fase e, com a repercussão que a questão tomou, na reserva de cotas no serviço público de forma geral. A primeira questão que tenho que dizer aqui: em termos genéticos, embora muitos não gostem de admitir, quase todo brasileiro é afrodescendente. A não ser que você seja filho de estrangeiros, meu amigo, não há como você garantir que não seja afrodescendente. Portanto quando alguém que é "fenotipicamente branco" se reconhece como negro, eu acho maravilhoso. Isso é bacana de verdade, eu conheço porquíssimos casos, mas eu não repreendo quem se sente dessa maneira. De toda forma, o ponto aqui não é esse. Programas de Ação Afirmativa são mecanismos criados para tentar diminuir as desigualdades históricas e, portanto, profundas existentes entre diferentes etnias. O indivíduo que se reconhece como negro não tendo fenotipicamente esse semblante é bem vindo, sim, mas em nenhuma dimensão, no Brasil em que vivemos, ele sabe, literalmente, na pele, o que é ser negro. Certa vez o Djavan disse que o negro para conseguir qualquer coisa nesse país ele deve ter dupla capacidade. Na minha visão essa dupla capacidade contempla aquela regular que todo mundo que almeja uma carreira bem sucedida, em qualquer campo, deve ter mais a capacidade de superar todas as dificuldades que lhe são impostas pelo simples fato da sua pele ser escura. As limitações não são somente econômicas, uma vez que no Brasil ser negro é quase sinônimo de ser pobre. A vida inteira eu precisei provar que era capaz de estudar, que era capaz de pensar, que era capaz de me expressar, que era capaz de conseguir mais do que aquilo que as pessoas esperavam de mim. Até hoje eu preciso provar e superar muita coisa simplesmente porque as pessoas não esperam de mim o que sou. Eu preciso o tempo inteiro ter dupla capacidade. O menino que entrou na reserva de vagas na primeira fase do concurso, muitíssimo certamente, nunca sofreu nenhuma restrição na sociedade em que vivemos por ser negro. Eu sou a favor de cotas raciais no concurso da diplomacia não somente porque estou diretamente envolvida nesse certame. Estou interessada porque o Itamaraty é um dos maiores símbolos da desigualdade que nós temos nesse país. O corpo diplomático do órgão responsável pelas relações exteriores do Estado do Brasil não é representativo da população brasileira. Hoje, 3% dos diplomatas são afrodescendentes, na população brasileira, essa porcentagem é de 50%. O Brasil é o segundo Estado do mundo com o maior número de afrodescendentes, só perde para a Nigéria. Dado, inclusive, recorrentemente utilizado nos discursos do próprio Itamaraty. O discurso da meritocracia é pobre para mostrar-se contra a questão. Segundo a opinião do professor da FGV na matéria linkada: "A meritocracia deve sempre prevalecer, já que precisamos de um serviço de extrema qualidade. As vagas dos concursos públicos devem ser preenchidas apenas por quem cumpre os níveis de qualificação exigidos, independentemente de cor da pele ou de outros critérios. Não adianta querer tapar o sol com a peneira, pois as cotas raciais não serão a solução para a falta de investimentos na educação básica." Quem está na batalha por integrar o carreira diplomática do Brasil, sabe que a média de tempo para passar nesse concurso é de 3 anos. Os custos envolvidos nesse processo não são menores que o preço de pelo menos dois carros populares. Salvo raríssimas exceções, esse concurso é muito mais sobre persistência, esforço, doação e o quanto você tem de dinheiro a empregar nesse projeto. Empregar o discurso da meritocracia aqui, com um corpo diplomático de apenas 3% de afrodescendentes é o mesmo que dizer que o negro não tem essa capacidade e, decididamente a questão aqui não é essa. oglobo.globo/emprego/uma-polemica-autodeclarada-10085881
Posted on: Sun, 22 Sep 2013 16:24:57 +0000

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