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Considerando as reportagens contidas nos seguintes links (www1.folha.uol.br/poder/2013/06/1295478-entenda-demarcacoes-de-terras-indigenas-e-conflito-com-proprietarios-rurais.shtml e cartacapital.br/blogs/blog-do-milanez/a-sociedade-civil-esta-calada-so-os-indios-protestam-nacionalmente-6334.html/view ) e algumas outras veiculadas na mídia nos últimos dias, gostaria de tecer algumas considerações pensando nos alunos dos cursos que ministro e em outras pessoas que podem conhecer pouco sobre os direitos indígenas. Assim, advirto meus colegas especialistas na temática indígena que minhas observações a seguir estão direcionadas para um público pouco afeito ao tema. Assim, discutirei somente aspectos introdutórios. Quero debater, particularmente, a questão do direito fundiário indígena e o modo como esse direito tem sido combatido na atualidade por segmentos da sociedade nacional ligados ao agronegócio, aos grandes projetos desenvolvimentistas e aos grupos políticos que representam estes interesses. De um modo geral, os ataques voltam-se contra os processos de regularização das terras indígenas. Entretanto, em termos conceituais, o foco dos ataques está direcionado para o caráter originário do direito fundiário indígena. Este princípio constitucional é de simples compreensão. O entendimento expresso na Constituição Federal de 1988 reconhece que o fato da presença indígena preceder à presença da sociedade nacional faz com que seus direitos às terras que ocupam prevaleçam sobre as formas de ocupação, posse e propriedade originadas no Estado brasileiro. Ou seja, como os indígenas estavam aqui antes da sociedade nacional e do Estado brasileiro, seus direitos fundiários são anteriores e, portanto, prevalecem sobre os direitos gerados após o processo de colonização e formação do Brasil. Em termos bem simplificados, a efetivação e o desdobramento prático deste direito é pivô em torno do qual se constrói a cena de embate e conflito que vemos hoje. Desta forma, torna-se importante apresentar algumas considerações que virão a seguir. (Aqueles que visam um entendimento mais apurado sobre o conceito de direito originário consultar SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 6 ed. São Paulo: Editores,1990) . Em primeiro lugar, reconhecer o direito fundiário indígena é o mesmo que dizer que todas as terras do Brasil são indígenas? Não. De acordo com as normas atuais, só são terras indígenas aquelas terras que são tradicionalmente ocupadas por essas populações. A definição de terras “tradicionalmente ocupadas” está na Constituição Federal, artigo 231, com a seguinte redação: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Todas as demais terras que não se enquadram nessa definição constitucional estão liberadas para outras modalidades de ordenamento territorial, tais como: propriedades privadas, unidades de conservações, terras públicas etc. Também é muito comum ouvirmos a afirmação de que no Brasil existe muita terra para poucos índios. Quanto a isso é importante informar que levantamentos mostram que a verdadeira e impactante concentração fundiária brasileira é efetivada pelas grandes propriedades rurais e não pelos indígenas e suas terras. De acordo com a análise feita pelo Instituo Sócio Ambienta – ISA (socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/muita-terra-para-pouco-fazendeiro), os 67.000 maiores proprietários rurais brasileiros possuem uma extensão territorial 72% maior que todas as terras indígenas somadas. É importante destacar que a população indígena é de cerca de 800.000 pessoas, ou seja, 12 vezes maior que o número total dos grandes proprietários indicado pelo ISA. Cabe também destacar que esses proprietários operam modelos predatórios de exploração dos recursos naturais que provocam danos ambientais irreversíveis e com consequências deletérias para toda a população nacional atual e para as gerações futuras. Por outro lado, as formas de ocupações e usos efetivadas pelas populações indígenas, ainda de acordo com o ISA, representam a preservação de 98% dos recursos de suas terras. Para entender melhor a questão fundiária indígena é importante considerar que essas populações usam as terras e os recursos naturais de forma diferenciada. Assim, o processo de reconhecimento dos direitos fundiários indígenas leva em consideração a forma própria e específica com que cada um dos povos vive a sua experiência social e territorial. Logo, antes de emitir qualquer opinião sobre as extensões territoriais ocupadas por uma determinada população indígena, deve-se entender a modo como ela usa a sua terra e interage com os recursos naturais. Os setores conservadores da sociedade nacional reivindicam que as diferenças culturais e sociais das populações indígenas sejam desconsideradas e que sua condição social e cultural seja contemplada à luz dos valores e princípios da sociedade envolvente. Para deslegitimar essas populações, avalia-se o seu modo de ocupação como se ele fosse igual ao da sociedade nacional. O grande projeto político do momento consiste em negar a diferença social e cultural dos povos indígenas e avaliar suas formas de ocupação territorial a partir dos parâmetros vigentes na sociedade nacional, que é uma forma de encarar os fatos, no mínimo, etnocêntrica e autoritária. Existe ainda mais um tema interessante: qual é a estratégia que está no pano de fundo das mudanças propostas para a política indigenista? Para entender esse tema, é importante pensar também que o processo de regularização fundiária existente hoje já é uma imposição da sociedade nacional e do Estado brasileiro sobre os povos indígenas. Todavia, apesar de seu caráter impositivo, os setores conservadores querem tornar o processo ainda mais desfavorável aos indígenas. Em síntese, eles querem que as terras indígenas sejam definidas por setores da administração pública vinculados aos grandes interesses desenvolvimentistas e comprometidos com os grandes proprietários rurais. Por uma série de aspectos, essa proposta, absolutamente etnocêntrica e totalmente inscrita na lógica de dominação fundada no espírito colonizador, é contrária a vários direitos já reconhecidos aos povos indígenas. A legislação atual estabelece que a regularização fundiária das terras indígenas é uma ato de formalização de um direito que já existe no fato de uma dada comunidade ou povo ocupar de acordo com seus parâmetros próprios uma dada extensão territorial. Ou seja, mesmo antes da identificação, a terra indígena já existe e é caracterizada pela forma de uso e ocupação específica de uma dada população. Isso se dá dessa forma em decorrência do caráter originário do direito fundiário indígena. Todavia, os setores conservadores querem que esse processo de regularização fundiária deixe de ser um mero reconhecimento de um direito previamente estabelecido e passe a ser um processo de “negociação”, onde os setores da administração pública comprometidos com interesses contrários aos indígenas passem a definir quais são as terras ocupadas por essas populações. Colocar em prática essa “nova” “leitura” do indigenato representa um significativo retrocesso histórico e, o que é ainda muito mais grave, uma afronta aos direitos desses povos estabelecidos nas esferas nacionais e internacionais. A proposta subverte e agride a ordem constitucional, na medida em que considerará outros fatores que não a ocupação tradicional indígena no processo de formalização das Tis. Gostaria de comentar também alguns pontos de uma série de entrevistas veiculadas ontem por ocasião da mobilização nacional dos proprietários rurais contra os direitos indígenas, na qual a excelentíssima senhora senadora Katia Abreu, lançando mão de seu amplo conhecimento e de sua perspicácia singular, disse que a demanda dos proprietários rurais é por segurança jurídica (veja, por exemplo, amambainoticias.br/politica/senadora-katia-abreu-pede-imediata-desocupacao-das-fazendas-invadidas). De acordo com a senadora e vários representantes do movimento, eles querem que seus títulos emitidos pelo Estado Brasileiro e o direito de propriedade sejam respeitados. Em primeiro lugar devemos considerar o que a senadora e seus pares classificam como segurança jurídica. Se considerarmos que a regularização das terras indígenas é matéria constitucional e que vários tratados, convenções e acordos internacionais subscritos pelo Estado brasileiro também reconhecem os direitos fundiários indígenas, então regularizar as terras indígenas também é garantir a segurança jurídica. Se considerarmos ainda o caráter originário do direito fundiário indígena, podemos dizer com certeza que o reconhecimento das terras desses povos é mais expressivo de uma segurança jurídica do que o reconhecimento de propriedades privadas. Na realidade, o que a senadora e sua trupe defendem é que os seus “direitos” sejam superiores a todos os demais. Eles, lançando mão de seus poderes econômicos e políticos, tentam legitimar algo que não pode ser lícito sob a ótica da Constituição Federal de 1988. Quando a carta magna declara que são nulos os títulos sobrepostos em Terras Indígenas, ela simplesmente está, mais uma vez, aplicando o conceito de direito originário. Ou seja, ela reconhece como nulos os títulos em Terras que já tinham “donos”, ainda que não formalizados, antes da titulação procedida pelo Estado brasileiro. Qualquer pessoa minimamente isenta consegue entender que essa prática é legitima e, portanto, é uma expressão inquestionável da segurança jurídica que, nesse caso, não está protegendo os grandes interesses econômicos e políticos, mas populações que foram historicamente vitimadas pelo drástico processo de colonização e formação do Brasil. Por outro lado, devemos também indicar que no pano de fundo desse amplo projeto político que toma a cena nacional hoje, temos a inegável tentativa de silenciar, invizibilizar e, se possível, exterminar toda e qualquer diferença social, cultural e histórica. O projeto político e social defendido pelos setores conservadores é etnocêntrico, excludente e guiado pelos mesmos princípios culturais e morais que deram sustentação ao projeto de colonização e aniquilação das populações originárias. Quero, por fim, indicar algumas diferenças entre as manifestações dos proprietários rurais realizadas ontem e aquelas efetivadas pelos povos indígenas nos últimos meses. As manifestações indígenas têm como pauta a efetivação dos seus direitos presentes no texto constitucional brasileiro e em vários tratados internacionais. Eles reivindicam a efetivação do que está escrito na Constituição Federal e subscrito pelo Estado brasileiro em acordos, convenções e tratados internacionais. Portanto, eles reivindicam a execução de direitos que estão pactuados nacionalmente. A manifestação ocorrida ontem com o apoio de vários políticos e da imprensa de um modo geral, fundamenta-se na negação dos direitos dos povos indígenas. Eles defendem que os direitos reconhecidos para essas populações que foram vítimas de vários extermínios e que foram em grande parte aniquiladas ao longo do processo de formação do Brasil sejam, mais uma vez, negados. Ao trancar rodovias para reivindicar a efetivação de seus direitos, os povos indígenas reiteram o pacto social estabelecido na Constituição Federal. Por outro lado, ao bloquear rodovias para pedir a supressão dos direitos constitucionais dos indígenas os proprietários rurais afrontam a ordem legal e propõem a construção de um novo pacto social onde somente eles tenham direitos. Ao ver membros do poder legislativo defendendo de forma autoritária e truculenta que a Constituição Federal seja subvertida e vilipendiada, percebemos a fragilidade e a precariedade de nossa democracia. Temos diante de nós um jornal de circulação nacional, como é o caso da Folha de São Paulo, dizendo e provando que o governo federal não cumpre suas obrigações estabelecidas na Constituição Federal por obedecer aos interesses de uma minoria tirânica, egoísta, etnocêntrica, predatória e alienada. Quando, por fim, observamos os dados de regularização fundiária expostos nas reportagens em referência, percebemos que também é muito frágil e capenga a noção de impessoalidade e soberania do Governo Federal. Abraços Héber
Posted on: Sun, 16 Jun 2013 17:00:11 +0000

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