Contra toda esperança - Armando Valladares 9. As revistas, - TopicsExpress



          

Contra toda esperança - Armando Valladares 9. As revistas, surras e saques Eram freqüentes as revistas na circular 3, em busca constante, porém inútil, do rádio que escondíamos. Os guardas se amontoavam na saída e distribuíam baionetadas e correntadas às mãos cheias; as vítimas saíam sob uma chuva de golpes, protegendo a cabeça com as mãos. Os guardas gritavam, sempre o faziam, era um mecanismo para se aquecer, excitar-se. Provavelmente, nem mesmo para os mais desalmados, não é fácil surrar outros homens sem uma causa, um motivo. Aqueles guardas eram homens com esposas, filhos. O que sentiriam quando os primeiros prisioneiros assomavam pela grade, assustados, e tinham que erguer a baioneta e bater neles? Penso que para uma atitude dessas um ser humano precisa justificar sua ação, descobrir uma motivação interior; como não a tinham, procuravam-na nos gritos, nos insultos. Lembro-me de uma revista na circular 2. As escadas estavam tomadas pelos guardas, que batiam selvagemente nos presos que iam descendo. Já estávamos quase todos no térreo, restavam apenas alguns retardatários. Entre eles o dr. Velazco, um preso alto, negro, vestido com uniforme completo. Usava óculos redondos, pequeno, de lentes transparentes. Como sempre, ele andava, da mesma maneira que falava, com parcimônia, desenhando cada sílaba, cada letra, imutável, imperturbável, lentamente. Do térreo, nós, seus amigos, pedíamo-lhe que se apressasse, para evitar que batessem nele. Ao chegar no último lance de escada, com seu inseparável leque de papelão, com que se abanava tranqüilamente, os guardas descarregaram uma série de pancadas furiosas nas costas dele. O dr. Velazco não movia um só músculo, como se as costas que recebiam o castigo não fossem suas. Ergueu-se um rugido de indignação: - É o médico... não batam mais nele! - gritávamos; mas que importava à guarnição que ele era um médico? O dr. Velazco desceu os últimos degraus e apesar das pancadas não cessarem, não se apressou, em absoluto. Um dos guardas, que estava no segundo andar, jogou-se para trás, projetou metade do corpo fora do corrimão, segurando-se com uma das mãos e com a outra, com a qual brandia um facão, deu-lhe uma última pancada, com a lâmina de prancha. Nós, que esperávamos o dr. Velazco no térreo, aproximamo-nos dele, preocupados. Com seu falar parcimonioso, disse-nos que não tinha importância... e procurou um lugar junto da torre, colocou ali seu banquinho e sentou-se abanando-se. Eu tinha certeza de que suas costas ardiam, queimadas como deveriam estar a pele e a carne pelas pancadas. Mas ele se mantinha imperturbável. 28 Em princípios de 1961 começaram a afluir ao presídio modelo prisioneiros pertencentes aos rebeldes que, em numerosos focos de guerrilheiros, operavam em Escambray. Através deles ficamos conhecendo detalhes da gigantesca operação que o Governo havia desencadeado: mais de 60 mil efetivos, na maioria milicianos, participavam do que se chamou "limpeza do Escambray". A repressão à guerrilha custou caro para Castro. No jornal Granma -órgão oficial do Partido- de maio de 1970, Raúl Castro, fazendo o balanço do que foram aqueles anos de luta contra os camponeses sublevados, admitiu que as perdas de vidas no exército tinham passado de 500 e que custou uns 800 milhões de pesos. Houve 179 guerrilhas integradas por 3.591 homens, confessou o irmão de Fidel. Para ocultar o fato de que havia uma forte repulsa ao Governo comunista por parte dos camponeses, chamaram-nos de "bandidos" e criaram uma força especial contra os insurretos, à qual batizaram com o nome de "Batalhões de Luta contra Bandidos", mais conhecida pela sigla LCB. É interessante assinalar que pela primeira vez surgiu em Cuba um verdadeiro levante camponês, com chefes e tropas camponesas. Procurando seu extermínio, fuzilavam não apenas os guerrilheiros, mas também os camponeses que atuavam como guias, correios e contatos.Os camponeses da região já discordavam em grande número do regime de Castro e os que não integravam as guerrilhas cooperavam com elas de muitas maneiras. Aquelas terras são muito férteis e os camponeses plantavam bananeiras, tubérculos e todo tipo de frutos menores; criavam porcos e aves em seus pequenos sítios e o Governo considerava que era dessas fontes que os rebeldes se abasteciam. Para tirar-lhes esse apoio, o Governo idealizou um plano de reconcentração. Todas as famílias estabelecidas no Escambray e seus arredores foram desalojadas. No dia em que começaram o desalojamento, caminhões do Instituto Nacional da Reforma Agrária (INRA) e do exército, cheios de tropas, pararam diante das casas humildes. Só lhes permitiram levar algumas roupas e objetos pessoais. As frutas, aves, porcos e algum gado foram confiscados pelo INRA. Destruíram as plantações, puseram fogo nas casas e a água dos poços foi envenenada. A política da terra arrasada para eliminar as fontes de abastecimento aos guerrilheiros foi meticulosamente levada a cabo. As mulheres e crianças foram separadas dos homens e levadas para Havana Os destinaram às residências do luxuoso bairro de Miramar, mas foram presos lá, como em cárceres. As famílias amontoavam-se naquelas casas. Como se não bastasse, informaram às mulheres que teriam de ir para o campo, trabalhar na roça. As velhas ficariam cuidando das crianças. Essa situação durou anos e em todo esse tempo jamais viram seus maridos, seus irmãos. As crianças em idade escolar foram separadas das mães e "colocadas" em escolas do Governo para serem "reeducadas", de modo a anular a influência "daninha" dos mais velhos. Os homens foram levados até a península de Guanahacabibes, a região mais ocidental de Cuba e uma das mais inóspitas, a centenas de quilômetros do teatro da guerra e de seus familiares. Esses camponeses jamais compareceram diante de um tribunal, não foram a julgamento, mas estavam presos. Foram ameaçados de fuzilamento, se tentassem escapar do lugar onde haviam sido colocados e foram informados de que seriam tomadas represálias contra seus parentes, que os infelizes nem sequer sabiam onde 29 se encontravam. Foram obrigados a realizar trabalhos agrícolas e a construir os Campos de Concentração Sandino 1, 2 e 3, que ainda existem. Quando terminaram esses três campos de concentração, disseram a eles que iam construir uma cidadezinha e que quando ela estivesse pronta morariam lá com suas famílias. Com essa ilusão, aqueles homens trabalharam dia e noite, erguendo blocos de edifícios. Ao terminá-la, as mulheres e as crianças foram levadas para lá. Desse modo, muito antes de existirem as aldeias estratégicas do Vietnã, Castro já as havia posto em prática em Cuba. Essa primeira chamou-se Cidade Sandino e ainda existe. O estrangeiro sabe muito pouco dessas cidadezinhas e da terrível tragédia daquelas famílias. Os homens estiveram presos,obrigados a trabalhos forçados. No entanto, não há um papel, um documento, nada, para pelo menos cobrir a forma daquele despojo e do que aconteceu nos anos que se seguiram.
Posted on: Wed, 18 Sep 2013 18:19:16 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015