Coontinuação : 3 Há uma imbricação importante. Acabou a - TopicsExpress



          

Coontinuação : 3 Há uma imbricação importante. Acabou a chamada teoria dos três setores agricultura, indústria e serviços. Hoje se tem uma coisa muito mais interpenetrada por exemplo, a agroindústria, que encanta tanto o lulismo. Na medida em que houve mais interpenetração do que setorialização, a classe trabalhadora esparramou-se. Você encontra trabalhadores industriais na Honda ou na Toyota, na região de Campinas. Acontece que não é mais aquela planta taylorista e fordizada em que havia, num passado recente, com milhares de trabalhadores. As unidades são enxutas. O maquinário técnico-operacional é avançado e a estrutura das empresas é menor e espraiada em um sistema de redes e contratadas. Com essa estrutura em rede, além da redução dos custos das empresas, os capitais buscam fraturar a organização de classe dos trabalhadores. Registrou-se uma retração do proletariado industrial taylorista e fordista, e uma ampliação das múltiplas formas de assalariados. A indústria tem peso, mas ela está na imbricação com os serviços, com a agricultura e com o setor financeirizado. É importante lembrar que a financeirização não existe sem lastro material. Num plano mais geral imprescindível, porém , falar no fim do trabalho é, no limite, insustentável. Se eu tiver uma concepção ampliada de trabalho, como sinônimo de atividade humana vital, todas as formas de sociabilidade humana, desde o passado mais remoto até as projeções mais longínquas, estão a ele associadas. Num plano ontológico, a humanidade não pode reproduzir-se sem trabalho, aqui entendido como atividade vital que produza bens socialmente úteis. Eu diria que sua centralidade hoje se coloca em vários planos. Primeiro: uma tendência prevalente a não se ter mais o trabalho de que falava Taylor manual e físico. Estamos numa uma era em que o trabalho passa a ser gerador de valor nas suas múltiplas facetas. O dado novo são aqueles trabalhos que trazem dentro si níveis de informação certos nexos de trabalho intelectual e até mesmo imaterial que passam a agregar valor. É sintomático que o slogan da fábrica da Toyota, na cidade japonesa de Takaoka, seja bons pensamentos significam bons produtos. Um traço importante é que o capital supriu a crise da indústria taylorista e fordista a partir de uma nova engenharia produtiva, chamada empresa flexível, liofilizada, que reduz muito mas não pode viver sem alguma modalidade de trabalho humano vivo. Entretanto, aquele trabalhador que nela permanece labora em todas as dimensões, manual e intelectual, física e cognitiva. As empresas o chamam de parceiros, colaboradores e consultores. São formas falaciosas que passam a idéia de que ele é um partícipe, um sócio, um parceiro. Para compreender a nova centralidade no mundo do capital, é preciso entender também o papel desempenhado por aquele trabalho mais dotado de tecnologia de informação. Ele é relativamente mais intelectualizado não no sentido de uma intelectualidade plena mas que atua de modo relevante na criação de mercadorias. Como vivemos uma era simbólica, a era involucral do capitalismo, cada empresa precisa ter uma marca. Ampliam-se também os proletários do trabalho de tecnologias informacionais, o que Ursula Huws chamou de cybertariado, o novo proletariado da era da cybernética. É preciso entender que a lei do valor hoje carece dessa nova morfologia presente no mundo do trabalho. A massa de desempregados é outro pólo muito importante. A OIT fala em 195 milhões, mas penso que seja muito mais do que isso. A contabilização real do desemprego da China e da Índia, por exemplo, deve ser bastante desconhecida. Ademais, as estatísticas não levam em conta o desemprego por desalento aquele indivíduo que não procura mais trabalho porque desistiu - e nem aquele que trabalha precariamente algumas horas por semana. Existem formas que acabam escondendo o desemprego, que é mais amplificado. Por fim, só posso entender por que existe esse conjunto de desempregados a partir da centralidade do trabalho. É no mundo da criação do valor que é possível precarizar, desempregar e mesmo excluir. Trata-se de um conjunto imenso de seres sociais que se incluem pela via da exclusão. Como há um excedente imenso de força sobrante de trabalho, os capitais levem a remuneração da folha a um nível muito baixo. As condições de trabalho, por sua vez, quando se pensa nas maiorias, são cada vez piores. As indústrias automobilísticas européias, por exemplo, estão ampliando a jornada de trabalho, ao contrário de uma tendência que já vinha sendo vivenciada há várias décadas. Estão depauperando a classe trabalhadora, processo que atinge inclusive seus extratos mais altos. Por isso que venho defendendo a tese de que já vivemos a era da precarização estrutural do trabalho. Mais: vivemos uma contradição visceral. A era da informatização, ou seja, do mundo informacional, maquinal, digital, corresponde à época da informalização do trabalho. Quando poder-se-ia esperar que um melhor aparato técnico-científico pudesse melhorar as condições do trabalho, nós estamos presenciando o oposto, porque a lógica técno-científica é movida pelos interesses destrutivos do capital. Por isso, em vários setores, o trabalho está se tornando quase virtual. Mas é preciso compreender seu significado para o capital e o papel desempenhado nos últimos anos pela China e pela Índia mostra que é insustentável a tese de que o trabalho é irrelevante para a criação do valor. JU Qual o papel do trabalhador brasileiro nessa nova configuração? Marcio Pochmann Historicamente, assumimos uma desvantagem por força do atraso a que se foi relegada pelo conjunto de erros de nossa elite. Fomos montar automóvel quase 70 anos depois de ele ter sido inventado. Este atraso nos impôs conseqüências, já que sempre fomos um país da periferia do capitalismo. De uma certa maneira, estamos vivendo neste início de século uma oportunidade singular. Isso porque, se é verdade que estamos diante de uma revolução tecnológica que altera a base técnica do capitalismo e impõe conseqüências na própria organização do trabalho, inegavelmente esta é a primeira vez que o Brasil está muito próximo diria que até participando deste momento de mudança na base técnica. Na primeira revolução tecnológica, no século 18, o Brasil era colônia de Portugal. As novidades protagonizadas pela Inglaterra passaram muito distantes do Brasil. Na segunda revolução tecnológica, no final do século 19, a indústria automobilística, o motor a combustão, o petróleo, o telefone etc, também passaram muito longe de nós. Estávamos à época envolvidos com o anacronismo do trabalho escravo e fazíamos sem ruptura - a passagem do Império para a República. Lamentavelmente, ficamos para trás. Hoje, o Brasil tem uma base de pesquisa que está longe do ideal, mas é algo que nós nunca tivemos quando analisamos sob uma perspectiva histórica. Temos universidades, laboratórios e centros de pesquisas que não deixam a desejar em relação a centros do primeiro mundo. Temos uma base de qualificação da mão-de-obra que está em plena condição de participar dessa transformação tecnológica, seja o trabalhador um pesquisador ou operador. Se olharmos algumas áreas, como por exemplo, os campos da biotecnologia, da pesquisa e de matriz energética, podemos identificar importantes oportunidades que o Brasil pode ou não aproveitar. Temos hoje uma chance que não tivemos no passado. Entretanto, Celso Furtado sempre lembrava que o Brasil é o país das oportunidades perdidas... Estamos completando 22 anos de democracia e não há em quem colocar a responsabilidade. Não temos mais o regime militar, o anacronismo do trabalho escravo, o colonialismo. O negócio agora depende do povo, de sua elite, para que seja dado o salto de qualidade, como outros países aliás vêm fazendo. É constrangedor saber que, em duas décadas de democracia, o país continuou marcando passo. A democracia apresentou um conjunto de proposições que não foram cumpridas. Perdemos posições em relação a muitos países que conseguiram avançar de forma significativa. Ricardo Antunes - O Brasil seguiu o caminho mais trágico. Nós nascemos como apêndice do mundo mercantil europeu. Os portugueses e os espanhóis vieram para a América Latina, destruíram as comunidades indígenas, introduziram o trabalho escravo e criaram colônias de exploração, processo que avançou por vários séculos. Foi com o getulismo, a partir de 1930, por meio de um processo complexo, que o Brasil começou a estruturar com um desenho industrial nacional. Começou a ser gestada uma indústria de base, com siderurgia, petroquímica etc. O papel do Estado foi importante nesse processo. Desenhou-se pela primeira vez uma sociedade denominada nacional-desenvolvimentista. Com o golpe de 64, houve uma segunda mutação importante. A primeira ocorreu com Juscelino, que de certo modo preservou o modelo desenvolvimentista, mas abriu uma cunha internacionalizadora muito grande com a indústria automobilística. A ditadura militar investiu no destrutivo, ampliando fortemente a inserção do capital privado internacional, sem fazer definhar o setor produtivo estatal. Com Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e a continuidade do governo Lula, o setor produtivo estatal foi desestruturado. A Companhia Siderúrgica Nacional, por exemplo, é hoje uma grande transnacional, uma das maiores do mundo. Ela foi vendida como moeda podre, como o foi em grande medida as empresas privatizadas fundamentalmente sob o governo Fernando Henrique Cardoso. O Brasil, a partir dos anos 90, inseriu-se no mundo produtivo global pelo pior caminho sendo uma espécie de fornecedor em algumas áreas industriais e de serviços relevantes. Somos um continente imenso marcado por uma industrialização relativamente tardia, com um mundo rural bastante desestruturado. Nós não tivemos uma reforma agrária que modernizasse a estrutura rural brasileira. Nossa modernização agrária veio pela via conservadora, preservando a estrutura concentrada da terra. Quando o neoliberalismo e a reestruturação produtiva duas peças do mesmo complexo aqui foram implantados, fez-se o desastre. A reestruturação alterou profundamente o mundo da materialidade empresa enxuta, concentração, oligopolização, monopolização, sob o comando da financeirização. Já o neoliberalismo criou esse ideário e pragmática de que era preciso privatizar e modernizar. Privatizou-se tudo. Até o setor bancário, que era estatal e nacional, hoje é menos estatal e muito menos nacional. Então nós nos inserimos como uma ponta do cenário internacional. O que eles esperam da gente? Em certo sentido, o que se passa agora com o agrobusiness é a expressão. É quase que uma regressão neocolonial. Imagine o país incendiando canaviais...O que o senhor Luiz Inácio Lula da Silva apagou muito rápido da sua memória é que nos canaviais laboram homens, mulheres e crianças em condições indignas de semi-escravidão. Sabemos que os trabalhadores cortam 12 toneladas por dia ou mais, aqui no Sudeste, freqüentemente burladas e fraudadas pelos usineiros. São 9 mil, 10 mil podadas por dia, que levam ao destroçamento do corpo laborativo. Vamos fazer do Brasil um país de canaviais. Para quê? Para aumentar o aquecimento global e o assalariamento mais primitivo da classe trabalhadora? Esse tem sido o caminho de nossa inserção no mundo global. E, nessa via, a lógica é destrutiva. Depois desse desmonte, é evidente que as condições de penúria da classe trabalhadora são imensas. Bastaria dizer que temos hoje mais de 50% dos trabalhadores na informalidade e os capitais querem mais. Sem contar que na concorrência chinesa e indiana no setor têxtil, de calçados e em tantas outras áreas, nós estamos em condições desfavoráveis. JU O Estado vem tendo seu papel reduzido, quando não questionado. Conquistas históricas são colocadas à prova ou suprimidas sobretudo na área do bem-estar social sob o pretexto da criação de novos postos ou, em última instância, de uma flexibilização de regras que vigoraram durante décadas. A que o senhor atribui essa reestruturação produtiva e em que medida ela determina a supremacia do mercado sobre o Estado? Marcio Pochmann Estamos submetidos a uma cegueira situacional. O Brasil abandonou a perspectiva do planejamento estratégico e o diálogo com o futuro, ficando prisioneiro do curtíssimo prazo. Isso nos impõe à lógica de financeirização da riqueza e, por conseqüência, a dualidade da flexibilização rumo à precarização ou ao desemprego. É claro que se a análise for feita sob o ponto de vista histórico, a Revolução de 30, por exemplo, representou uma frente política que tinha uma diversidade ideológica de visões fascistas a comunistas. Mas havia o consenso de que se tratava de um grupo, a despeito das diferenças, que buscava uma sociedade muito diferente daquela na qual encontrava-se o Brasil no período. Nosso ponto de partida, então, deu-se numa sociedade muito anacrônica. Em um período relativamente curto, de três a quatro décadas, a sociedade brasileira deu um salto muito grande e modernizou-se. De 1930 a 1980, constituiu-se uma classe trabalhadora pujante. Consolidamos uma classe média assalariada relevante, a despeito das desigualdades e de não termos feito muitas das reformas executadas pelos países capitalistas civilizados, entre as quais a agrária e a tributária. Não fundamos também as bases de um sólido Estado de bem-estar social. No período mais recente, aceitamos uma posição inferior. Estamos acomodados à subordinação nessa nova divisão do trabalho. Ela coloca, de um lado, o trabalho de concepção, criativo, relacionado às novas tecnologias o trabalho imaterial, de maior remuneração e, de outro, o trabalho de execução, mais simplificado, precarizado, de menor remuneração. Frente a essa nova divisão, cada país vai fazendo sua escolha. Assim como o Brasil decidiu se industrializar nos anos 30. Era esse o caminho que viabilizava a consolidação de uma classe trabalhadora, de uma classe média, de uma sociedade mais moderna. Hoje, de uma certa maneira, o país se encaminha para uma situação mais próxima do trabalho precário. Não estamos dando um salto de qualidade. Não estamos ingressando nessa fase de trabalho de concepção, de combinar tecnologias com investimentos, bens públicos com privados. Isso nos permitiria desenvolver o trabalho criativo e imaterial. Será ele que nos fará ter melhor remuneração e maior ganho de produtividade. Ricardo Antunes A competitividade global de hoje nasceu sob a égide da reestruturação produtiva e do neoliberalismo. Hayek, Friedman e outros diziam muito claramente que o Estado é o caminho da servidão. E qual o caminho da libertação, para esses ideólogos? O mercado. E, para eles, quem são os inimigos do mercado? Os sindicatos, a corporação do trabalho, como eles diziam. Nesse ideário, o Estado deve ser profundamente alterado, deve-se instaurar um estado todo privatizado. Ele deve abandonar toda a sua atividade que prevê e provê educação pública, previdências, direitos, rede de proteção social do trabalho etc. Prega a transferência para o setor privado de tudo o que for passível de interesses mercantis. Estamos numa época em que até as cadeias são administradas pelas empresas. Nos Estados Unidos, isso já é uma tendência é possível tirar lucro do cárcere, dos hospitais, das escolas. Educação hoje é um negócio. A escola não é mais concebida como um valor decisivo para a educação da humanidade. Não concordo com essa tese de que o papel do Estado desapareceu. O que aconteceu é que o Estado se privatizou. De tal modo que o imperativo crucial nos dias de hoje é desprivatizar o Estado. Um exemplo cabal disso é que os Estados hoje convivem com banco centrais que controlam, por uma lógica exclusivamente financial e privatista, as políticas econômicas e monetárias. JU Num país onde são muitas as carências como é o caso do Brasil, o que cabe ao Estado? Em que medida a formulação de políticas públicas pode atenuar um quadro que combina informalidade, precarização da mão-de-obra, fuga de cérebros, forte desregulamentação e explosão do desemprego em áreas metropolitanas? O que pode ser feito? Marcio Pochmann Não é possível dar um passo rumo à modernidade sem que o Estado esteja presente.
Posted on: Tue, 19 Nov 2013 17:14:24 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015