DAS PROFUNDEZAS. LAMENTO DE KEFING*. - José do Carmo da Silva - - TopicsExpress



          

DAS PROFUNDEZAS. LAMENTO DE KEFING*. - José do Carmo da Silva - pastor Pesadelo... Na costa africana ocidental, ocorre uma cena insana, inumana e sem igual. Povos guinés, minas, congos, cabindas e benguelas Vendidos, sequestrados ou vencidos em guerras. Homens, mulheres, jovens e crianças, marchando rumo ao ventre da morte. Pois o pecado e a ambição humana selaram-os a triste sorte. O comercio de vidas humanas assola o continente africano De ponta a ponta a mãe África vê seus filhos como sangue escoando Partindo da costa africana, o navio quase vai a pique, Levando em seu ventre os negros moçambiques. Rendendo muito dinheiro o comércio de escravos espalhou-se como uma peste. Traficando os povos geges, nagôs ou iorubas oriundos do noroeste. Gente vencida, gente vendida, gente a peças reduzidas. Gente calada, de cujas bocas já não se ouve o alegre canto, Cujas mãos atadas não toca mais seus atabaques. Pois atados estão o príncipe, o rei e o guerreiro. Somente se pode ouvir os sons dos grilhões e correntes... Atados aos pés, mãos e pescoço da negra gente. Não mais festas, não mais canções, não mais o bailar Somente, dor, humilhação, negação do ser e lágrimas pela face de ébano a rolar. Com seus cativos o tumbeiro se afasta da costa, singrando o alto-mar. Deixo para trás, meu clã, liberdade, cultura e tradição, em troca receberei açoites e humilhação. Não escolhi partir, estou sendo sequestrado. Vejo ao meu lado minha mulher e filhos, todos como eu também acorrentados. No fétido ventre da morte, bate-me um desespero, Dia a dia ao meu lado, tomba morto um guerreiro. Elevo ao Grande Espírito, em silêncio uma oração. Pedindo a Ele a mercê, de morrer com meus irmãos. Porém, ao meu pedido, Modimo* disse não. Depois de meses no mar, o tumbeiro um porto atingiu, chegamos finalmente a um País por nome Brasil Do ventre da morte, os sobreviventes são tirados. Famílias separadas, destinos ignorados. Rompendo-se assim: laços, sonhos, tradição. Vendidos como peças, cada um vai para um lado. Um dia fui rei, agora escravo serei. Meu triste destino no Brasil agora é: trabalhar na cana, nas minas e no café, com sangue, suor e lágrimas manter o país em pé. Vivendo das sobras que da Casa grande vem Destinado a Senzala, morada que povo negro tem. Porém, se engana quem crê em passividade. O negro nascido livre, mata ou morre por sua liberdade. Contra tantas injustiças resolvo me rebelar, prefiro morrer lutando do que passivamente aceitar. Ansiando por liberdade me embrenho na densa mata, Porém, ferido e faminto, logo por cães sou acossado. Encurralado feito fera ferida que luta por liberdade. Pelo capitão do mato, novamente agrilhoado. E noite de lua cheia, uma roda se forma então. Não de festa de cantiga, mas sim de punição. Assim como vim ao mundo ao tronco sou atado. Com a diferença que nasci livre e hoje sou escravizado. A punição é aviso que o patrão manda dar Escrita com chibatas na pele de quem ousar tentar, fugir sonhando ser livre o Quilombo tentando alcançar. Preso ao pelourinho em meio a lembranças e tristes canções. O chicote do feitor dilacera meu corpo deixando macerações. A cada toque na pele arranca do meu peito um grito. No tronco prenderam-me o corpo, mas livre está meu espírito. Encontro-me na fronteira entre a vida e a morte. Num êxtase de dor, de meu corpo a alma se separa. Na fronteira entre a vida e a morte ela paira. Não sei se é delírio ou algo real, Contemplo minha família em um lugar paradisial. Esposa e meus filhos que no mar morreram primeiro. Ela, que no ventre, dentre nossos filhos trazia o terceiro. AYOLUWA, linda flor, criança linda que Modimo* nos abençoou. Akitundê, o mais velho do meu trono na África herdeiro. Porém, a insana escravidão veio seu destino mudar, pois, no trono de meus ancestrais jamais irá se assentar. Pois apesar de seu nome, meu primogênito não mais ira voltar. Morreram todos os meus, vitimas do ignominioso tráfico de vidas humanas, destinados ao Brasil, escravos na cultura de café e cana. Pereceram no ventre do maldito tumbeiro. Que traficando vidas e almas aos brancos rendia muito dinheiro. Junto com ASHANTI e meus filhos, perdi bravos guerreiros. Pois, a dureza da travessia não puderam suportar. Como lápide para seus corpos serviram as profundezas do mar. Porém, apesar da saudade ser grande, esse reencontro decido adiar. Pois, por mais que a vida seja dura, em nome dos vivos preciso lutar. É que o sonho de viver livre acalenta minha alma, por isso essa fronteira me recuso por hora atravessar. Trinta e oito... Trinta e nove... chegaaa! Intervém no castigo o patrão. Mas não movido pela misericórdia, mas sim por ambição. Se der mais uma chibatada matas este negro fujão. Ele tem porte belo, me servira na reprodução. Que isso sirva de alerta pra quem tentar a rebelião. Deixe o passar a noite, preso ao relento, que o frio da madrugada seja unguento para seus ferimentos. A noite de luar me traz nostalgia e indagações Criador, o que fiz eu? Porque tantas humilhações? Da liberdade para o tumbeiro, Do tumbeiro para a senzala, Da senzala para o pelourinho, Perdi pátria, dignidade e família. Trabalho dia e noite para um povo que só me humilha. Por causa da cor da pele sou como animal tratado. Responda-me Senhor qual foi o meu pecado? Dizem que vim do continente maldito e sem alma fui criado, o cristão explica que sou um infeliz descendente de cão, criado para ser dominado, para se cumprir a maldição. Outro branco letrado, amigo da sabedoria, explica da mesma forma essa cruel vilania. Sou de raça inferior, diz o sábio pensador, E que tal ordem estabelecida ninguém pode questionar, pois, alguns nasceram dominados e outros para dominar. O batismo dos civilizados me impuseram então. Contra minha vontade me fizeram cristão. Todavia, não consigo entender contraditória religião Que permite um homem ter como propriedade seu irmão. Pois mesmo sendo batizado, assim como, meu sinhô também é, sacramento que nos fez irmãos, seguidores da mesma fé. Oramos ao mesmo Deus, somos filhos do mesmo Pai. Para ele ficou as bênçãos, para mim grilhões, dores e ais. Em meio a gemidos pergunto ao Deus do céu. Que pecado cometi eu para merecer destino tão cruel? Perdoe-me Senhor esse interrogatório, Mas um sacerdote deles disse que a África é maldita. E o Brasil em sua providência é nosso purgatório. Que é de sua vontade que passemos tanta humilhação. Pois assim seremos livres da maldição de um certo Cão. Que devemos ser submisso e não agir com rebeldia, Pois assim quando morrermos um dia. Seremos recebidos na glória pela Virgem Maria. Me diga Senhor meu se isso é plano Teu? Responda por amor que mal meu povo cometeu? Uma voz interior bem assim me respondeu: KEFING* filho meu, o pecado não foi de Cam e tampouco seu. E sim daqueles, que deveriam em meu nome pregar o amor Mas, se perdendo em vãos raciocínios, semearam segregação, intolerância e dor. Trocaram a verdade pela mentira, da vida julgaram-se senhores. Torceram minha Palavra e numa ignomínia tal, escravizaram meus filhos negros como se de mim tivessem aval. Baseados na clareza de sua pele e se julgando superiores, torceram minha Palavra e sobre vosso povo se fizeram senhores. Porém, saiba que sou contigo, não te abandonei à própria sorte O povo negro ainda se levantará como gigantes nessa nação. Porém, não será sem lutas, protestos e rebelião. Pois, desde o ventre te teci sem algema e grilhão. Lute por tua liberdade pois é ela teu quinhão. Esforça-te e Eu Sou contigo, jamais vou te deixar. Eu, de cuja boca não procede palavras infrutíferas e vazia Faço contigo uma ALIANÇA, tão certa como raiará o dia. Que toda injustiça recebida desde quando da África foste arrancado. Bem como o sangue de todos de seu povo injustamente derramado. Dos açoites e humilhações somados a seu pranto e gemidos de dor, arrancados pelo chicote do senhor e do feitor. Contra seus opressores entrarei em Juízo, me fazendo seu Defensor; Pois, seu sangue, lágrimas e sofrimentos subiram até minha presença, clamando por justiça, tal qual o sangue de Abel. Portanto, não temas, pois Sou contigo, contigo Eu Sou. Em tua boca amarga, porei o doce mel. Pois o seu povo negro Me é preciosos tanto quanto Israel. (Amós 9.7) _______________________________________ MODIMO: (Deus) Aquele que penetra e permeia todo ser/existência. África Austral. Povo. Sou/Tswana. - Fonte. Teologia Africana. Uma introdução. Gabriel M. Setiloane. Editeo.Rudge Ramos.1992 KEFING*. - PRONUNCIA: keh/fing. ORIGEM: África Oriental. SIGNIFICADO: Homem preto. AYOLUWA: PRONUNCIA: Ah/ioh/LUH/ah. ORIGEM: Ioruba SIGNIFICADO: A alegria do nosso povo AKINTUNDÊ: PRONUNCIA: Ah/Kin/tun/DEH.. ORIGEM: Ioruba. SIGNIFICADO: O esperado voltou ASHANTI: PRONUNCIA: Ah/SHAN/tih. ORIGEM: Gana. SIGNIFICADO: Forte mulher africana. TUMBEIRO: Tumbeiro é um tipo de navio negreiro em geral de pequeno porte que fazia o tráfico de escravos para o Brasil na época de sua colonização. Eram assim chamados, pois nas viagens, metade da tripulação morria, devido às péssimas condições. Esses negros escravos vinham da África, e tinham que largar tudo. Tumbeiro vem de tumba. Fontes: Nomes Afros e seus significados. Quilombhoje Literatura- São Paulo 2009.
Posted on: Wed, 06 Nov 2013 09:55:46 +0000

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