DE CERTO, SÓ O INCERTO Por Alexandre Vanessa Rodrigues Antiga - TopicsExpress



          

DE CERTO, SÓ O INCERTO Por Alexandre Vanessa Rodrigues Antiga como a humanidade, a incerteza ainda é motor de progresso, mas agora traz angústias antes desconhecidas VALORE CONÔMICO, 14-11-2013 [P / APTufão Yolanda dizimou cidades inteiras nas Filipinas: Existência de incerteza não significa falta de conhecimento, diz David Stainforth, pesquisador da London School of Economics] Há incógnitas conhecidas, isto é, há coisas que agora sabemos que não sabemos, disse o ex-secretário americano de Defesa Donald Rumsfeld, em 2002, tentando explicar o contexto imprevisível da guerra ao terror. Mas também existem desconhecimentos desconhecidos - há coisas que não sabemos que não sabemos. Onze anos depois, esse jogo de palavras, execrado na época, é um ícone pop, citado no filme Guerra ao Terror e parte de letras de músicas, como em Riddles, de Joan Jett. E, principalmente, uma verdade: a incerteza é parte da vida. Investir no mercado financeiro, fazer projeções de inflação, jogar na loteria ou decidir levar ou não um guarda-chuva ao sair de casa são eventos que envolvem grande dose de incerteza. Mas, se até uma década atrás, a imprevisibilidade era considerada apenas um elemento do jogo, a tecnologia e os mercados mundiais aumentaram seus efeitos sobre as sociedades. A incerteza tornou-se fonte de angústia política e econômica. As incertezas aumentaram muito nos últimos anos, diz o professor de psicologia social da Universidade de São Paulo (USP) Sigmar Malvezzi. A tecnologia e as bolsas tornaram as economias mais instáveis. Governos perderam controle sobre mercados. Outro ponto importante é o enfraquecimento da capacidade das instituições sociais - família, escola, igrejas - de reproduzir os valores e a cultura. Esse enfraquecimento está deixando as pessoas sem sentido na vida. Sem esse controle, os indivíduos são volúveis em suas decisões. Têm seu individualismo intensificado e isso aumenta as incertezas. Estudos de psicologia cognitiva e neurociência, principalmente os mais ligados à neuroeconomia - que une neurociência e economia -, mapearam nos últimos anos como o cérebro humano reage aos momentos de incerteza. As decisões são tomadas no córtex pré-frontal médio, região localizada na altura da testa que orienta as decisões, pesando os resultados bons e ruins de escolhas passadas. Em testes com ratos - os cientistas dizem que possivelmente humanos se comportam da mesma maneira -, uma equipe do Instituto Médico Howard Hughes, nos Estados Unidos, conseguiu visualizar como surge a dúvida. No início, são apenas algumas células nervosas, mas, à medida que aumenta a confusão, mais e mais novas células ficam agitadas e criam um turbilhão mental, forçando uma mudança de perspectiva. Quando o ambiente muda, você quer reavaliar o mundo, diz Alla Karpova, neurocientista encarregada do estudo. Essa atividade parece indicar como agem, por exemplo, os donos de carteiras de ações em tempos de crise. Em outro estudo, do Programa de Neurobiologia da Escola de Medicina da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, cães foram submetidos a testes em que obtinham ração numa máquina parecida com uma de venda de refrigerantes. Conforme a portinhola do aparelho que escolhiam, podiam receber mais ou menos comida. Ou nenhuma. O teste apontou para uma verdade conhecida dos mercados financeiros: em tempos incertos, somos conservadores. Quando aumentaram os nichos vazios, os animais passaram a escolher aqueles onde já sabiam que havia comida, mesmo que em menor quantidade. O resultado, segundo Michael Platt, neurobiólogo responsável pelo estudo, explica esse mecanismo de proteção. Geralmente, as pessoas são avessas à incerteza quando tomam decisões sobre ganhos financeiros, revela a pesquisa. Ao mesmo tempo, são mais abertas à incerteza quando se defrontam com perdas em potencial. Em outro exemplo, se uma pessoa for a um game show na TV em que o apresentador dá a chance de escolha entre receber R$ 100 mil naquele momento ou tentar a sorte e ganhar R$ 500 mil ou perder tudo, a maior parte dos candidatos escolherá a primeira opção. É o que os economistas costumam chamar de aversão ao risco. Teste aponta para uma verdade conhecida dos mercados financeiros: em tempos incertos, somos conservadores A descoberta explica por que, em momentos de grande incerteza, medidas de emergência tomadas por governos geralmente não funcionam. Trata-se do que o economista americano Nicholas Bloom, da Universidade de Stanford, chama de choque de incerteza. Depois da crise que se seguiu à quebra do banco Lehman Brothers, Bloom foi um dos interessados em analisar como as economias se comportam em tempos incertos. Após analisar 14 crises, começando pela dos mísseis em Cuba, em 1962, até a quebra do Lehman Brothers, em 2008, notou que, em um primeiro momento, a incerteza sempre prevaleceu, anulando as ações dos governos. O processo é conhecido. Em momentos de incerteza, os mercados reagem mal, derrubando as bolsas. As empresas congelam investimentos, e a taxa de desemprego aumenta. Os governos reagem, injetando dinheiro no mercado e cortando a taxa de juros. Mas, em todos os casos, a preocupação maior é sempre com o risco, anulando as medidas adotadas para contê-la. Somente há uma resposta quando a incerteza diminui e a economia se normaliza. Para os políticos, isso é importante: sugere que uma resposta monetária ou fiscal a um choque de incerteza provavelmente não terá quase nenhum impacto imediato, diz Bloom. Se medidas certas tomadas em um clima de incerteza podem demorar para ter efeito, uma subida errada na taxa de juros para conter a fuga de capitais, por exemplo, pode atrasar a recuperação mais tarde. Políticas voltadas para o que está por trás da incerteza são mais prováveis de funcionar. Sob incerteza, dizem outros estudos, as pessoas também se tornam mais propensas a antecipar gastos e fazer menos poupança. Os efeitos vão além da economia. A incerteza pode afetar a política, diz Ingrid Haas, pesquisadora de psicologia política da Universidade de Nebraska. Em uma série de experimentos, ela testou voluntários em vários cenários criados para provocar incerteza. Os pesquisadores então faziam uma série de perguntas para determinar os níveis de abertura a novas ideias. Resultado: em tempos incertos, as pessoas se tornam mais intolerantes. A rejeição aumentava quanto mais os participantes da pesquisa se sentiam inseguros. No mundo real, isso seria uma explicação para ondas de xenofobia e perseguição a minorias em momentos de temor nas sociedades sobre o futuro. Em um caso extremo, munição para o totalitarismo, como na Alemanha nazista. No mercado financeiro, mais uma explicação para o efeito manada em momentos de crise. Mas a incerteza, descobriram os pesquisadores, também pode ter o efeito contrário no caso de opiniões radicais. Em situações nas quais a intolerância é resultado de alguma certeza, criar dúvidas nas mentes das pessoas levou a posições menos radicais. Dúvidas podem gerar mentes mais abertas a opiniões opostas e menos dispostas a minimizar o que pensam os outros, diz Ingrid. [Bloomberg / BloombergHá incógnitas conhecidas, isto é, há coisas que agora sabemos que não sabemos, disse o ex-secretário americano de Defesa Donald Rumsfeld, em 2002] Com dados sobre famílias em situação econômica frágil por causa da recessão entre 2007 e 2009, o sociólogo Dohoon Lee, professor da Universidade de Nova York, constatou que a incerteza também faz com que mães criem os filhos de maneira mais dura. Cada 10% de aumento na taxa de desemprego correspondeu a 1,6% a mais de casos de palmadas, gritos, ameaças e espancamento de crianças. Estudos sobre a Grande Depressão, nos anos 1930, haviam chegado à mesma descoberta, mas ligavam os maus tratos à vida mais difícil criada pela maior crise econômica do século XX. Lee descobriu que a mente antecipa os piores momentos. Já na fase inicial da recessão, quando as taxas de desemprego ainda não estavam altas, mas o índice de confiança do consumidor caía, as mães começaram a bater e a gritar mais com os filhos. A antecipação da adversidade foi mais importante do que a exposição real, asseguram os pesquisadores, que ainda fizeram mais uma constatação: entre mães com um grupo específico de genes que as deixam mais suscetíveis à incerteza, os casos de maus tratos foram ainda maiores. Até mesmo os processos químicos que fazem sentir o sabor dos alimentos são afetados. Em um teste para o exército americano, em 2012, batizado significativamente de Jantando no escuro, 160 voluntários experimentaram, de olhos vendados, porções de biscoitos, carne e enchiladas, uma tortilha de milho recheada. Enquanto nos dois primeiros pratos, que fazem parte da culinária do dia a dia, a aceitação não mudava, os militares recusaram a enchilada, prato mexicano não familiar a eles. Mas quando sabiam do que se tratava, a aceitação subia. Os resultados, segundo os organizadores da pesquisa, professores de universidades americanas como Cornell e Yale e de um centro de pesquisas do Exército em Massachusetts, mostram uma ligação entre os processos psicológicos e o paladar. Esses estudos respondem a perguntas que filósofos e escritores fazem há milênios. Já no século IV A.C., o grego Sócrates criava sua frase famosa: Só sei que nada sei. O francês Voltaire, no século XVIII, considerava a incerteza algo positivo: Incerteza é uma posição desconfortável, mas certeza é uma [posição]absurda. Aqui no Brasil, Machado de Assis escreveu no romance Esaú e Jacó: O imprevisto é uma espécie de Deus avulso que pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. O economista americano John Kennedy Galbraith (1908-2006), em seu clássico A Era da Incerteza, tem uma visão negativa: em comparação com a certeza das ideias do século XIX, a incerteza atual é resultado da desigualdade, da ineficiência e da instabilidade. Nem sempre incerteza é ruim. Para os criadores de videogames, por exemplo, quanto mais incerteza, melhor. Seja em clássicos como Space invaders e Super Mario ou em sucessos recentes, como World of Warcraft, a quantidade de incerteza à qual o jogador é submetido desperta medos subconscientes e é a essência do jogo. Mas, no caso dos cientistas climáticos, falar de incerteza tem sido motivo de dor de cabeça. Com o tufão Yolanda, que dizimou cidades inteiras nas Filipinas e deixou mais de 10 mil mortos, o tema da previsão climática ganhou destaque especial. Em estudo realizado em parceria com a agência Reuters, pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, analisaram 350 notícias publicadas em seis países - o Brasil não faz parte da lista - e notaram que, em 80% dos casos de noticiário sobre o clima, falava-se da incerteza dos cientistas. A situação fez a Sense about Science, organização inglesa de divulgação científica, lançar uma campanha para esclarecer que incerteza não é o mesmo que ignorância. A existência de incerteza não significa falta de conhecimento ou que uma ação, bem justificada, não pode ser tomada, diz David Stainforth, pesquisador do instituto de pesquisas Grantham para a Mudança Climática e o Meio Ambiente, da London School of Economics. Se eu jogar uma bola no ar, posso ter enorme incerteza quanto ao local onde ela vai parar, mas posso ficar muito confiante de que vai cair. E se eu não quero que ela caia na minha cabeça, posso ir embora. [Bloomberg / BloombergAo analisar 14 crises, incluindo a do Lehman Brothers, pesquisador verificou que a incerteza, num primeiro momento, sempre prevaleceu, anulando ações dos governos] Apesar dos alertas, continua-se a cobrar dos cientistas algo que a ciência não pode prometer: certeza. Incertezas são inerentes ao processo científico e ao conhecimento em geral, diz o físico Paulo Artaxo, da USP. Basta ver as incertezas nas projeções de inflação, de taxa de cambio, de cura de câncer etc. Essa confusão cria um ruído desnecessário, que não chega a ameaçar, mas sem duvida é um ponto muito negativo. No último relatório do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas da ONU, a palavra incerteza aparece 42 vezes. Mesmo assim, o documento recebeu criticas por despertar mais dúvidas no público e nos políticos. A questão é que, nas mudanças climáticas, as implicações socioeconômicas são enormes, diz Artaxo. Decisões de mitigação e adaptação são questões complicadas e com amplas implicações políticas. Em outro aspecto, um dado curioso é que a incerteza não é percebida da mesma maneira em todos os lugares. Ao analisar, nos anos 1960 e 70, os dados de 100 mil moradores de 40 países diferentes para saber como reagem à incerteza, o psicólogo social holandês Geert Hofstede notou que a cultura local influencia essa visão. O Brasil, segundo o estudo, é o país com maior aversão à incerteza na América Latina, onde a rejeição também é alta. Portugal, Grécia e Bélgica são outros lugares com grande rejeição ao incerto. Já Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Jamaica e Cingapura veem a incerteza de maneira mais positiva. No Brasil, como nas sociedades com alta rejeição à incerteza, burocracia, leis e regras são muito importantes para fazer o mundo um lugar seguro para viver, diz o estudo de Hofstede. A necessidade das pessoas de obedecerem a essas leis, no entanto, é fraca. Mas se as regras não podem ser mantidas, novas são feitas. A sociedade, aqui, é moldada - concluiu o estudo - para evitar a incerteza. Brasileiros são mais coletivistas e costumam se juntar a grupos. Quanto menos voltada para o indivíduo for uma sociedade, mais mecanismos existirão contra momentos de incerteza. Enfim, caso uma pessoa se sinta abalada pela incerteza, como lidar com ela? Um estudo da Universidade de Toronto, no Canadá, divulgado em junho, descobriu que ler romances diminui o bloqueio cognitivo, uma tendência a delimitar demais um problema. Cem voluntários, estudantes universitários, mostraram-se mais abertos a informações contraditórias depois de ler contos de autores como os americanos Wallace Stegner, Jean Stafford e Paul Bowles. As opiniões, no entanto, tornavam-se menos abertas com a leitura de ensaios. Se estiver se sentindo em dúvida, ler Os Sonhos da Morte de Pessoas Queridas, de Sigmund Freud, será mau negócio. ###################### OS VERDADEIROS HERÓIS DA ECONOMIA por Dani Rodrik As economias da Áustria, Canadá, Filipinas, Lesoto e Uruguai não podem se equiparar às dos campeões do crescimento mundiais. Mas, sem elas, a economia mundial seria ainda menos administrável VALOR ECONÔMICO, 14-11-2013 Os formuladores de políticas econômicas públicas que buscam modelos de sucesso para imitar contam com muitas opções hoje em dia. Capitaneados pela China, grande número de países emergentes e em desenvolvimento registraram altas recorde de taxas de crescimento nas décadas recentes, fixando precedentes a serem seguidos por outros. Embora as economias avançadas tenham tido desempenho muito pior, em média, há exceções notáveis, como a Alemanha e a Suécia. Façam o que fazemos, dizem os dirigentes desses países, e vocês prosperarão também. Se os examinarmos mais de perto, no entanto, descobriremos que os decantados modelos de crescimento desses países não podem ser reproduzidos em todo lugar, porque dependem de grandes superávits externos para estimular o setor comercializável e o restante da economia. O superávit de conta corrente da Suécia1 alcançou, em média, fabulosos 7% do PIB nos últimos dez anos; o da Alemanha se aproximou, em média, de 6% no mesmo período. O grande superávit externo da China - de mais de 10% do PIB em 2007 - diminuiu significativamente nos últimos anos, com o desequilíbrio da balança comercial tendo caído para aproximadamente 2,5% do PIB. Com a redução do superávit, a taxa de crescimento da economia caiu também - na verdade, quase ponto por ponto. Sem dúvida, o crescimento anual da China continua comparativamente alto, em níveis superiores a 7%. Mas um crescimento desse nível reflete uma alta sem precedentes - e insustentável - do investimento doméstico, para quase 50% do PIB. Quando o investimento voltar aos níveis normais, o crescimento vai desacelerar mais. As economias da Áustria, Canadá, Filipinas, Lesoto e Uruguai não podem se equiparar aos campeões do crescimento mundiais. Elas são desinteressantes e não conquistam muitas manchetes. Mas, sem elas, a economia mundial seria ainda menos administrável do que já é. Obviamente, nem todos os países conseguem registrar superávits comerciais ao mesmo tempo. Na verdade, o desempenho superlativo em crescimento das economias de sucesso foi possibilitado pela opção de outros países de não imitá-los. Mas ninguém jamais poderia ficar sabendo disso a partir do discurso, por exemplo, do ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, de exaltação às virtudes do país. No fim da década de 1990, [a Alemanha] era o indiscutível homem doente da Europa, escreveu Schäuble2 recentemente. O que promoveu a reviravolta do país, afirma ele, foi a liberalização do mercado de trabalho e as restrições aos gastos públicos. Na verdade, embora a Alemanha tenha implementado algumas reformas, outros países fizeram o mesmo, e o mercado de trabalho alemão não parece muito mais flexível do que o que se encontra em outras economias europeias. Uma grande diferença, no entanto, foi a reviravolta dos resultados da balança externa da Alemanha, com os déficits anuais da década de 1990 oscilando para um superávit significativo nos últimos anos, graças a seus parceiros comerciais da zona do euro e, mais recentemente, do resto do mundo. Como destacou, entre outros, Martin Wolf3, do Financial Times, a economia alemã tem almoçado grátis, sustentada pela demanda mundial. Outros países cresceram aceleradamente nas últimas décadas sem contar com superávits externos. Mas a maioria sofreu da síndrome oposta: dependência excessiva dos fluxos de capital, que, ao estimular o crédito e o consumo internos, geram crescimento temporário. Mas as economias destinatárias de recursos são vulneráveis ao sentimento do mercado financeiro e à repentina evasão de capital - como aconteceu recentemente, quando os investidores previram um aperto da política monetária nos Estados Unidos. Observemos o caso da Índia, até recentemente outra muito festejada história de sucesso. O crescimento da Índia durante os últimos dez anos teve muito a ver com políticas macroeconômicas folgadas e a deterioração da conta corrente - que registrou um déficit de mais de 5% do PIB em 2012, após ter computado superávit no início da década de 2000. A Turquia, outro país cuja estrela feneceu, também dependia de grandes déficits anuais em conta corrente, que alcançaram 10% do PIB em 2011. Em outros países, economias pequenas, anteriormente socialistas - Armênia, Belarus, Moldávia, Geórgia, Lituânia e Kosovo - cresceram muito rapidamente desde o início da década de 2000. Mas, se examinarmos a média de seus déficits em conta corrente de 2000 a 2013 - que variam de um mínimo de 5,5% do PIB na Lituânia a um máximo de 13,4%, em Kosovo -, ficará claro que esses não são países a serem imitados. A história é semelhante no caso da África. As economias de crescimento mais acelerado do continente são as que se mostraram dispostas e capazes de permitir déficits externos cada vez maiores de 2000 a 2013: de 26% do PIB, em média, na Libéria, 17% em Moçambique, 14% no Chade, 11% em Serra Leoa e 7% em Gana. A conta corrente de Ruanda deteriorou, e seu déficit ultrapassa 10% do PIB. A soma dos saldos em conta corrente mundiais tem, em última análise, de ser zero. Num mundo ótimo, os superávits de países que apostaram no crescimento puxado pelas exportações serão voluntariamente equiparados pelos déficits dos que apostaram no crescimento puxado pelo endividamento. No mundo real, não existe mecanismo que assegure tamanho equilíbrio de forma persistente; as políticas econômicas nacionais podem ser (e muitas vezes são) mutuamente incompatíveis. Quando alguns países querem computar déficits menores sem o desejo correspondente dos demais de reduzir seus superávits, o resultado é a exportação de desemprego e uma propensão à deflação (como o que ocorre atualmente). Quando alguns querem reduzir seus superávits sem o desejo correspondente dos demais de reduzir os déficits, o resultado é a paralisação repentina dos fluxos de capital e a crise financeira. Na medida em que crescem os desequilíbrios externos, cada fase desse ciclo se torna mais dolorosa. Os verdadeiros heróis da economia mundial - os modelos exemplares que os outros deveriam imitar - são países que se saíram relativamente bem registrando apenas pequenos desequilíbrios externos. Países como Áustria, Canadá, Filipinas, Lesoto e Uruguai não podem se equiparar aos campeões do crescimento mundiais porque não tomam volumes excessivos de empréstimos nem mantêm um modelo econômico mercantilista. As economias deles são economias desinteressantes, que não conquistam muitas manchetes. Mas, sem eles, a economia mundial seria ainda menos administrável do que já é. (Tradução de Rachel Warszawski) 1- bit.ly/17U0Y8f 2- on.ft/HU7CQ9 3- on.ft/1enMeM Dani Rodrik professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, é autor de The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy (O paradoxo da globalização: a democracia e o futuro da economia mundial). Copyright: Project Syndicate, 2013. project-syndicate.org DESINDUSTRIALIZAÇÃO II [DANI RODRIK] jporfiro.blogspot.br/2013/10/desindustrializacao-ii.html ################ ################# O DILEMA DE PEQUIM Por Antonio Palocci, da China A China prepara um novo salto de desenvolvimento, com reformas que prenunciam avanços sociais de dimensão extraordinária VALOR ECONÔMICO, 14-11-13 [AP / APOs poderosos governos locais já não querem indústrias poluentes, um dos maiores problemas da China de hoje] São 7h30 de uma manhã ensolarada em Shenzhen. A mãe fotografa a filha Lihai, de 6 anos, na mesa do café da manhã do hotel onde a família passa o feriado nacional. Ela procura enquadrar o prato cheio de carne suína, pães, salsichas e frutas misturadas do jeito que as crianças gostam. A primeira grande diferença da China de hoje com aquela de 15 anos atrás é esta: as crianças estão comendo mais e melhor, parecem mais gordinhas e rosadas. A revolução de Deng Xiaoping já deu certo. Aqui em Shenzhen, Deng é visto como grande patriarca. Mas Lihai é uma menina de sorte. Estima-se que ainda hoje 40 milhões de crianças chinesas vivam aos cuidados de parentes, para que os pais trabalhem nas fábricas às vezes distantes. Uma das primeiras decisões de Deng em 1978 foi construir a nova Shenzhen. Por que começar a abertura da economia chinesa por aqui? Olhando a ponte do rio Shenzen, no outro lado vemos Hong Kong. Deng sabia que o muro de Hong Kong iria cair. Mas, ao contrário do muro de Berlim, esse tinha data marcada. Os ingleses, que receberam a ilha como indenização pela vitória na Guerra do Ópio, em 1847, deveriam devolvê-la em 1997. Deng sabia que quando isso acontecesse a China rural, atrasada e paupérrima é o que apareceria ao mundo. A construção da nova Shenzhen foi a maneira de fazer com que o muro caísse do lado contrário. E ele conseguiu. Exatamente na data prevista a China recebeu de volta sua velha ilha, agora transformada num vibrante enclave financeiro e comercial. Mas a menos de 10 km dali a atrasada área rural de Shenzhen desaparecera, dando lugar ao que seria, pelas décadas seguintes, uma das mais poderosas concentrações industriais do mundo. Hoje, Shenzhen, na província de Guang Dong, é a quarta maior cidade da China. Aqui, os poderosos governos locais já não querem indústrias poluentes. E aqui está um dos maiores problemas da China de hoje: a poluição, que já ganha matérias importantes nos jornais oficiais chineses. Eles dizem que aquela Pequim da Olimpíada de 2008 não existe mais. As autoridades parecem realmente empenhadas em enfrentar o problema. Mas o desafio não é simples: 70% da energia na China provém de termelétricas movidas a carvão mineral. E a maior parte da frota de carros é de um período sem grandes exigências ambientais. Depois do feriado, a pequena Lihai voltará a Pequim. Tudo que seus pais querem é que o mesmo governo que trouxe fartura à sua mesa limpe os céus da cidade. Desejam que Lihai cresça em um país melhor. Os chineses viram a vida melhorar e querem mais. O jovem já não quer o emprego na fábrica. Esse foi o sonho de seus pais. Ele quer emprego nos serviços, nas finanças e nas novas tecnologias. Enfrentar o problema ambiental é o desafio mais imediato da China, mas está longe de ser o único. A China desacelera Na mesa de reuniões do Cicir (Instituto Chinês de Relações Internacionais Contemporâneas), a pergunta que me fazem é por que o Brasil desacelerou. Tento uma interpretação: a atual crise financeira mundial fez um duplo mergulho, o primeiro após a falência do Lehman Brothers, em 2008, e o segundo na crise do euro de 2011. Na primeira etapa, os países emergentes vinham de um longo período de bons ajustes macroeconômicos e de grande acúmulo de reservas. Por isso, reagiram rápido, cada um utilizando sua própria força motriz: o Brasil, que crescia baseado na ampliação da renda e do consumo, dobrou a aposta e a China, que sustentava seu PIB principalmente no investimento e no saldo comercial, forçou mais o investimento. Enfrentar o problema ambiental é o desafio mais imediato da China, mas está longe de ser o único a equacionar no caminho para o futuro Na segunda onda da crise, foi diferente. Havia um esgotamento do ciclo. Não bastaria para o Brasil promover mais consumo, aumentando a dívida das famílias e do governo, e não bastaria para a China ampliar ainda mais o investimento, com nova expansão do crédito a governos locais e empresas estatais, com eficiência cada vez mais duvidosa. Fazer isso seria esticar a corda no limite e preparar um quase certo desastre posterior. Por isso, o Brasil, a China e todos os grandes países emergentes desaceleraram com a crise do euro, o segundo mergulho da crise. Essa avaliação é vista com surpresa pelos analistas chineses. Para eles, há um esgotamento do modelo chinês, e outros problemas com países como o Brasil. Tento dizer a eles que, na verdade, enfrentamos o mesmo problema, a crise financeira mundial, com impactos diferentes em nossas economias. E com necessidades diferentes para o futuro. De alguma forma, o Brasil precisa ser mais China - priorizar investimentos - e a China ser mais Brasil - fomentar o consumo interno. Em 2012, como componente do PIB pelo lado da demanda, o consumo privado na China respondeu por apenas 35%, quando no Brasil foi de 61%. Por outro lado, o investimento na China respondeu por 48% e, no Brasil, apenas 19%. A boa notícia é que as economias mais desenvolvidas estão retomando. Mas não será óbvio crescer no próximo período. Para repetir o sucesso do último ciclo, os emergentes terão que trabalhar dobrado, fazendo reformas e aperfeiçoamentos institucionais, ganhando produtividade. Eles concordam. No Cicir, que tem grande influência nas políticas governamentais, todos são reformistas. Há grande expectativa em torno dos desdobramentos do 3º pleno do Comitê Central do Partido Comunista Chinês, que ocorreu nesta semana. Lembram que esse mesmo mistério cercou o pleno do Comitê Central em 1978, quando as reformas de Deng foram aprovadas. É nesses eventos que o Politburo apresenta seu plano de ação. É neles que os planos quinquenais são traduzidos em ações concretas e as metas, estabelecidas. É o que se espera do encaminhamento das resoluções deste 3º pleno, cujos documentos preparatórios previam: no plano interno, do Partido, combater o burocratismo, a acomodação e a corrupção. No plano do país, promover uma sequência de reformas para um novo modelo de desenvolvimento: a liberalização da conta de capital, a reforma do sistema financeiro, o reconhecimento dos direitos dos migrantes e o fortalecimento do mercado interno, a melhoria do planejamento das metrópoles, além de avanços na previdência e na saúde pública. Não se sabe ainda em que ordenamento essas reformas serão encaminhadas e a ênfase que cada um dos temas terá para além da retórica do recente evento, mas todos contam com o advento de um vigoroso período reformista. Por que as reformas? Na verdade, é voz corrente na China que o modelo baseado na exportação e no investimento intensivo está estruturalmente esgotado, com problemas externos, como a menor demanda mundial, e internos, como a poluição, os milhões de migrantes sem direitos básicos ou a questão das dívidas dos governos locais - cujo corolário é uma fragilidade bancária de dimensões chinesas. Reformar é garantir um novo impulso de crescimento, mais equilibrado e mais sustentável, para as próximas décadas. Abrir a conta de capital significa preparar o caminho para tornar o yuan uma moeda internacional. Essa é uma ambição do governo chinês que, embora seja vendida como um processo em grande avanço (há uma pequena parcela de comércio exterior denominado em moedas próprias), o fato é que há um imenso oceano que separa o mercado chinês de algo que comporte uma moeda de padrão internacional. De qualquer forma o governo promete abrir a conta de capital, liberando progressivamente a conversão de moedas no país. A reforma do sistema financeiro é outra questão que está no centro dos debates reformistas. Permitir a operação mais livre de bancos privados e internacionais, dado que hoje os grandes bancos chineses são públicos e não há um marco regulatório mínimo para um sistema mais amplo. [Asahi Shimbun/Getty Images / Asahi Shimbun/Getty ImagesAntes da reunião do Comitê Central do Partido, a polícia se posiciona na praça Tiananmen: agora, as expectativas se voltam para a aplicação das decisões tomadas] Outra questão fundamental é liberar a taxa de juros, remunerando a poupança e realizando empréstimos com critérios de mercado. Aqui, os depósitos são sub-remunerados, o que permite empréstimos a baixas taxas, basicamente dirigidos aos governos regionais e às empresas públicas. Mudar isso está se tornando uma questão urgente, pois a situação é tão disfuncional que um grande mercado não bancário está se desenvolvendo no vácuo do sistema. Instituições financeiras não bancárias oferecem remuneração mais vantajosa para os poupadores e, ao mesmo tempo, emprestam a taxas mais realistas à enorme legião de médias e pequenas empresas chinesas, sem acesso aos recursos bancários. O fato é que isso vem ocorrendo sem qualquer regulamentação e à margem do sistema bancário formal. Um modelo com mais ênfase no consumo interno é outro ponto presente em todas as análises de tendências da economia local. Já há algum tempo, o governo age no sentido de remover os constrangimentos ao consumo das famílias, entre eles a inexistência de um sistema de saúde pública e de previdência social adequado. Além disso, a regulamentação dos migrantes, se bem combinada entre o poder local e central, acaba sendo um trunfo para um impulso rápido no consumo. Uma grande ênfase deverá ser dada também ao setor de serviços, do qual se espera um impulso econômico através de quatro canais: diversificação das fontes de crescimento, potencial diversificação no comércio exterior, demanda por grandes investimentos num setor novo, e uma fonte de geração de empregos de melhor qualidade. Nos últimos anos, a previdência social tem sido implantada. Não abrange ainda os camponeses, mas já é significativa na indústria e abrange todo o setor público. Detalhe intrigante: o sistema é local, com alíquotas diferenciadas por cidade. Na saúde publica, o atraso é ainda maior, com grande déficit de investimento, tanto público quanto privado. De qualquer forma, a China caminha para constituir um grande sistema previdenciário e de atenção à saúde. Além de direitos civilizatórios óbvios, condizentes com a evolução social do país, a criação desses sistemas aparece como grande incentivo para a mobilização da poupança das famílias chinesas - em torno de 30% de sua renda, níveis recordes em termos mundiais - em direção ao consumo. E se olharmos o último feriado nacional chinês, na primeira semana de outubro, podemos apostar que a vontade de consumo do povo anda em alta. Nada menos que 480 milhões de cidadãos saíram de suas casas para passear pelo país. Todo tipo de problema ocorreu nesse feriado: estradas paradas, serviços colapsados, atrasos e superlotação em aeroportos. De novo, aparece a carência e a baixa qualidade dos serviços: transporte e turismo, logística e distribuição de bens, telefonia, tudo precisa ser ampliado e melhorado. Aqui, os serviços são responsáveis por apenas 43% do PIB, enquanto a indústria responde por 47%. Redesenhar as metrópoles Todo o modelo de crescimento da China é regionalizado e os governos locais têm enormes poderes. O resultado dessa descentralização, talvez inevitável, dadas as dimensões do país, é que os desequilíbrios têm se acumulado de maneira perigosa. A poluição está presente em todos os grandes centros, proveniente das termelétricas a carvão e dos automóveis. As águas dos mananciais estão se contaminando progressivamente. A existência de enormes criações de aves e suínos e sua convivência com as populações locais aumentam em muito o risco de epidemias. Não há política tributária estável na China. As cidades têm como principal fonte de receita o spread entre o preço que pagam pelas terras dos camponeses e o preço pelo qual as vendem para a incorporação imobiliária (o percentual de receita das prefeituras pela venda dessas áreas, que era de 9,19% em 1999, chegou a 63,7% em 2011). Dado que o processo de expansão tende a se autolimitar, a dependência dessa fonte promete ser explosiva para o futuro das cidades. Os investimentos em infraestrutura e na indústria estão mostrando perda de eficiência. O endividamento das prefeituras é colossal e muito pouco transparente. Evitar a chamada armadilha da renda média talvez seja o mais importante dilema que os governantes chineses devam resolver A migração entre cidades e entre as cidades e o campo é regulada na China, e os direitos (saúde, previdência, moradia) não serão reconhecidos se a opção do cidadão não tiver o aval do governo local. Isso é controlado por uma espécie de caderneta individual, que vincula uma pessoa ou família a uma cidade, garantindo seus direitos, chamada hukou. Há milhões de migrantes chineses em situação irregular, sem acesso aos direitos básicos. A dupla Xi-Li e os 7 comandantes A China foi a maior economia do mundo entre o século XVI e inicio do século XIX. Em 1820, era responsável por um terço do produto mundial. A partir desse período, por um conjunto de circunstâncias e decisões equivocadas, o país viveu um impressionante declínio, tornando-se uma nação pobre. Em 1911, o Partido Nacionalista encerrou um longo período de domínio das dinastias, mas não conseguiu atender minimamente aos anseios de paz e de direitos básicos dos chineses. Na Segunda Guerra, a ocupação japonesa devastou e humilhou a China. Por isso, a revolução de 1949, liderada por Mao Tsé-Tung, é tida pelos mais idosos como a revolução libertadora, o fim do século das humilhações. Mas foi a ascensão de Deng Xiaoping que permitiu a grande arrancada da China, a partir de 1978. Passados 35 anos, a China volta ao topo da economia mundial, com o segundo maior PIB do mundo. Mesmo crescendo um terço menos que nas ultimas décadas, a economia chinesa deverá ultrapassar a americana antes de 2030. Mas a China prosseguirá em seu curso de crescimento, ou sucumbirá na chamada armadilha da renda média, que ameaça o estágio de desenvolvimento que o país vive hoje? Esse é talvez o mais importante dilema que ocupa a mesa do grupo de dirigentes que comanda a China nos dias atuais. Embora o comando formal seja de Xi Jinping e Li Keqiang, o fato é que, recentemente, o Partido voltou a adotar o sistema de decisões coletivas no comitê executivo do Politburo, composto por sete membros e que é o verdadeiro comando central do país. Serão esses sete homens que vão endereçar as reformas, envoltas numa nova onda pós Deng. Xi Jinping não é um homem contido como seu antecessor, Hu Jintao. É um líder extrovertido, enérgico e ousado. Pode errar, mas seu tempo não ficará na história como um período apagado ou neutro. O primeiro-ministro, Li Keqiang, é mais contido, mas aparenta tranquilidade, inteligência e comportamento processual. Os demais membros do Politburo ocupam-se de funções definidas, como é o caso de Liu Yunshan, secretário-executivo, que maneja o aparato partidário, ou de Wang Qishan, chefe do aparelho anticorrupção do Partido, a Comissão Central de Inspeção Disciplinar. Essa liderança quer acreditar que inventou um socialismo com características chinesas. Renova o comando, aposenta as velhas raposas, combate o burocratismo e a corrupção, aposta nas reformas, abre-se ao mundo. Aceita, enfim, todos os riscos. Menos o de vacilar na sustentação do poder com punhos de ferro. Argumenta que uma nação de mais de 1,3 bilhão de cidadãos não seria governável de outra maneira. Contraria as mais avançadas teses da ciência política, as quais pontuam que é o conjunto das instituições políticas e econômicas, desenhadas e constituídas ao longo de períodos históricos determinados, seu grau de abertura e modernização, que guia as sociedades para o sucesso ou o fracasso. O fato é que, se a atual liderança conseguir conduzir o país a um renovado ciclo de crescimento, promovendo uma nova quantidade de cidadãos aos seus direitos civilizatórios, vencendo o desafio da poluição, das vulnerabilidades e desequilíbrios acumulados nestas três últimas décadas, estará dando ao seu país e ao mundo uma contribuição sem qualquer paralelo em termos de avanço social da humanidade. Tempo e incentivo Ordenar as reformas não é um exercício teórico. Há enormes resistências a vencer. Por isso, a liderança chinesa está realizando um grande esforço de elaboração e planejamento. Um exemplo é o trabalho conjunto realizado pelo Centro de Pesquisa do Desenvolvimento, do Conselho de Estado (DRC) e o Banco Mundial sobre as reformas necessárias ao país em direção a uma sociedade moderna, harmoniosa, criativa e de alta renda, como eles definem seu desejo maior. O trabalho destaca as características que o processo deve comportar: melhorar a qualidade do crescimento, fortalecer a inovação e a criatividade, liberar o potencial chinês para o empreendedorismo e valorizar as regras do mercado, os termos da lei, os valores sociais e altos padrões de valores morais. [AP / APO presidente Xi Jinping é extrovertido, enérgico e ousado. Pode errar, mas seu tempo não ficará na história como um período apagado ou neutro] Nesse estudo, os formuladores de políticas apontam os pontos-chave para a nova direção estratégica de crescimento: desenvolver o papel apropriado do governo, do Estado e do setor privado, estimular sistemicamente a inovação, crescer verde, promover igualdade de oportunidades e proteção social para todos, construir um sistema fiscal sustentável e desenvolver relações ganha-ganha com países de todo o mundo. São definições estratégicas que de fato permitem visualizar um caminho para um novo modelo de desenvolvimento. No que se refere às metrópoles, a tendência é uma maior colaboração do poder central, em direção a uma política tributária mais estável e a uma nova abordagem do crescimento urbano sobre a área rural, garantindo os direitos dos camponeses e uma ação determinada de preservação ambiental. A reforma do hukou é muito esperada, além de avanços na previdência e na saúde. Mas há duas questões que são centrais no momento atual do Império do Meio: Haverá tempo para a China ordenar seu conjunto de reformas sem que ocorram rupturas, considerando-se os riscos político, social e ambiental? Haverá vontade da liderança para endereçar as reformas na dimensão de sua necessidade, mesmo que o crescimento de curto prazo se mantenha razoável? A primeira questão, embora pareça puramente especulativa, merece ser colocada. De fato, há riscos não desprezíveis no curto e médio prazos para a estabilidade da sociedade chinesa. Os riscos políticos parecem menores, embora os eventos sócio-politicos sejam sempre imprevisíveis e surpreendentes. Mas o fator ambiental está se tornando dramático. O governo tem clareza do problema, mas conseguirá pressionar os poderes locais a agir com a urgência e a dimensão necessárias? Por fim, a segunda questão, da motivação das lideranças. A elite política parece entender os riscos da manutenção do esforço de crescimento no padrão anterior. O fato é que, pelos ensinamentos de Maquiavel, as reformas são muito custosas e pouco compensadoras no curto prazo. Mas a China não é a sociedade de Maquiavel. A China guarda as tradições de Confúcio e de Sun Tzu, bastante diferentes e mesmo incompreensíveis para o mundo de Maquiavel. Mas o surpreendente é que, questionados ao limite, os formuladores de política chineses respondem mesmo no velho padrão maquiavélico: O Partido quer se manter no poder, e sabe que, para isso, tem que promover as reformas, sem as quais sua legitimidade ficará fortemente questionada. Isso se ouve na academia, mas também nos corredores do Partido. Em 2020, Lihai estará concluindo seu curso universitário. Se formos pessimistas em relação à atual liderança chinesa, podemos antever que Lihai estará diante de um país declinante, que renunciou às reformas quando eram inevitáveis. Lihai será parte de uma juventude deprimida e sem força vital para buscar seus velhos sonhos. Sonhos que nem existem mais. Um país que novamente perdeu o bonde da história e, ao se dirigir ao topo do mundo, sucumbiu às armadilhas do crescimento desordenado. Mas se formos otimistas, considerando a energia demonstrada pela liderança e pela vigorosa sociedade criada pela revolução de Deng Xiaoping, podemos antever um belo futuro para Lihai e seus colegas de universidade. A China está perto de se tornar a primeira economia do mundo, com pleno emprego para os jovens. O governo e o Partido, prontos para medidas de abertura política, liberando ainda mais as forças produtivas do país. Esse nos parece o futuro mais provável para a vibrante sociedade chinesa. Na sua festa de formatura, Lihai estará usando um lindo vestido vermelho, sua cor preferida. Boa sorte, Lihai! Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, esteve durante o mês de outubro em visita à China, a convite da School of International Studies, da Universidade de Pequim. No período, dialogou com autoridades do governo e do Partido Comunista, com representantes das Universidades de Tsinghua e de Pequim e dos principais think tanks, além de analistas independentes. Também visitou indústrias na região de Guang Dong. ################# ################# A IMITAÇÃO DA LIBERDADE Por Rodrigo Petronio | Para o Valor É por causa da dificuldade de separar o vivido, o real e o imaginado que em geral esbarramos em uma visão superficial do que é ser livre VALOR ECONÔMICO, 14-11-2013 Um escritor inglês chamado James Miller (William Shimmell) lança um livro em Nápoles. Na plateia, Elle (Juliette Binoche), dona de uma galeria, que vive há anos na Itália, assiste à sua conferência. O título da obra é exatamente o nome do filme: Cópia Fiel. Qual é a tese do personagem-escritor? A originalidade não existe. É preciso ir além da superficial intencionalidade do artista. Se reconstruirmos as intersecções, intertextualidades e motivações envolvidas na criação de uma obra de arte, descobriremos que o original se perdeu para sempre. Em termos evolucionários e antropológicos, qual é a originalidade de microvariações do código genético ao longo de milhões de anos? Cada fisionomia humana seria um breve lampejo diferencial na textura monótona do universo. Toda obra seria uma cópia mais ou menos fiel de obras anteriores. Por isso mesmo, toda cópia tem uma beleza intangível. Todo simulacro traz em si uma potência. Uma verdade. Mas se no plano da arte isso é possível, como estender esse lema à nossa vida? Existiria uma vida sem autoria? E ela seria desejável? Essas questões vão surgindo à medida que Elle e Miller se deslocam para um vilarejo no interior, em Lucignano, onde existe uma Gioconda. É apenas a cópia de um afresco feita por um falsificador napolitano. Tamanha é sua perfeição que o museu a exibe como se fosse original. Mais: os espectadores acreditam estar diante de um Leonardo. O espelhamento entre cópia e original não termina aqui. A certa altura, a dona de um café pensa que Elle e Miller são marido e mulher. Ambos assumem a designação desse terceiro que os nomeia. Um jogo se instala entre os dois. Uma ficção da ficção se desdobra aos olhos do espectador. Nessa encenação, o suposto casal compartilha fragmentos de lembranças para testar os limites da representação. Sentimos uma mudança sutil. Aquele talvez não seja um encontro, mas um reencontro. O diálogo passa a dar vestígios de um possível reconhecimento. Começam a ficcionalizar ou relembrar um passado a dois. Enredamo-nos em um jogo de ilusionismo. Editam falas do passado? Improvisam como dois atores que se apreendessem a si mesmos como atores? Eis-nos imersos na forma pura da indecidibilidade, como diria Derrida. Nessa obra-prima, o diretor iraniano Abbas Kiarostami propõe uma contundente reflexão sobre o próprio processo criativo e o sentido da arte. E o faz ao revelar os cruzamentos infinitos entre arte e vida. Ou seja: ao ser fiel a uma das mais antigas e menos originais metáforas para a atividade criadora. Nesse sentido, para além da dialética entre cópia e original, o filme de Kiarostami sugere algo mais complexo. Algo mais visceral. Define a própria condição humana como um fluxo tensionado entre a autoria e a desidentificação. Um pêndulo entre originalidade e renúncia criativa a toda fixidez. Somos, a cada instante tramado na película tangível do tempo, a soma do que fomos, do que poderíamos ter sido, do que deixamos de ser e do que viemos a nos tornar. Além disso, somos também tudo o que ainda poderemos vir a ser. Deixar de ser. Transformarmo-nos. Captar esse fluxo feito de silêncio e vertigem não é um patrimônio da arte - essa parece ser a mensagem de Kiarostami. Não há distância alguma entre o fingido e o vivido porque a ficção é a soma de todas as máscaras que paradoxalmente nos aproximam mais do que somos. Enredam-nos no âmago da vida ao nos distanciar daquilo que supúnhamos ser. Oferecem-nos o enigma de sermos capazes de decifrar o que se esconde nas camadas virtuais do espelho. Apenas assim é possível realizar o imperativo de Nietzsche: transformar-se no que se é. Tornar-se algo que provavelmente sequer havíamos intuído existir sob nossa pele. Não é por outro motivo que a liberdade é uma das questões centrais do Homo sapiens em sua jornada. E é por causa da dificuldade de separar o vivido, o real e o imaginado que em geral esbarramos em uma visão superficial da liberdade. Acreditamos que ser livre é poder ser o que somos. Engano. A grande liberdade não consiste em sermos o que ilusoriamente imaginamos ser. Consiste em podermos não ser aquilo que não somos. A grande liberdade não é uma grande afirmação. É uma derradeira renúncia. Não é uma afirmação do exercício de nossos limites. É sim a criação de um campo de possibilidades ilimitado em direção ao que podemos vir a ser. A liberdade não é a segurança do exercício de si. É o elogio da metamorfose e da transformação dos eus virtuais que se ocultam potencialmente em nós - e que desconhecemos. Modo puro da metamorfose. Uma visão voluntarista desse ato pode nos enredar em camadas ainda mais profundas de ilusão. Por isso a liberdade é tão difícil. Mais importante do que ser livre para escolher é saber quem em nós escolhe quando escolhemos. Por que este ou isto que em nós escolhe decidiu escolher o que enfim acreditamos ter escolhido por livre vontade? Toda a autodeterminação humana é uma apreensão da nossa finitude. Um reflexo de nossa precariedade. Um hino à contingência. E isso porque, ao fim do caminho, muitas vezes nem sequer supomos quem iluminou o caminho por onde decidimos caminhar. Seguir os instintos ou a moral é obedecer mais aos nossos avós do que a nós mesmos. Muitas vezes nosso eu não é nada mais do que um fantasma. Parido pelo medo. Projetado em um labirinto de espelhos. Sermos fiéis a nós mesmos pode ser o mais triste dos enganos. Ao definirmos o que somos, quem garante que não estamos sendo a cópia fiel de nossos ancestrais ocultos em alguma caverna interior? Não por acaso, como tragicamente intuiu Nietzsche, é possível nos darmos conta apenas no leito de morte que toda nossa vida foi um equívoco. Essa luta constante da autorrealização é o esteio mesmo da vida. Inescapável. Outro dia, vasculhando gavetas antigas, deparei-me com um poema. Ao lê-lo, a surpresa. Não pelo seu teor. Nem pela perícia ou a inépcia dos versos. Tudo isso é secundário. O susto se deu por um fato muito mais prosaico: o poema era meu. O continuum de identificação e desidentificação é a essência não apenas de nossa apreensão temporal do eu. É também o enigma de toda arte. Toda obra de arte é uma maneira de conferir sentido a instantes recolhidos do tempo. Redimi-los do caos indiferenciado. Ampará-los em alguma dimensão transpessoal na qual consigamos sentir as vidas alheias como se fossem nossa vida. Em outras palavras: onde possamos ser fiéis a nós mesmos por meio de outras vozes. A oscilação temporal entre continuidade e descontinuidade simultaneamente dilui e reinstaura o eu. Só assim podemos falar em primeira pessoa. Não é por outro motivo que a mãe de todas as artes é a Memória, a deusa Mnemosine. Reter os fios esparsos da vida e por meio deles preservar a integridade parcial do que fomos um dia. Para além de todas as artes, essa parece ser a grande Arte. A matriz de onde brotam todas as representações mentais e afetivas de que somos capazes. Se o imaginário amplia as fronteiras do real sem as dissipar, só o faz porque as linhas invisíveis da memória conseguem dotar de unidade o que fomos e o que seremos. Traz as imagens do sonho para a consciência até dissipar os limiares entre o possível e o realizável. Nos primeiros volumes de sua obra monumental, Proust insere a sonata para piano tocada na casa dos Verdurin. Ela se transforma no tema do amor de Swan por Odette de Crécy. Deleuze, em páginas impecáveis, percebeu muito bem que o tema musical era um ritornelo. Ou seja: uma linha musical que se repete. Sim. Mas que se repete articulando de modo diferencial a série harmônica. Em outras palavras, não é a repetição de uma mesma unidade. É a repetição de unidades que só são identificadas como unidades porque se repetem de modo diferente. A diferenciação confere identidade àquilo que se diferencia de si mesmo justamente ao se repetir. No plano romanesco, esse recurso formal materializa como o Swan que havia se apaixonado por Odette não é o mesmo Swan que depois medita sobre o fim desse mesmo amor. No terceiro volume, vemo-lo até incrédulo por não conseguir reconhecê-la no retrato da antiga amada feito pelo pintor Elstir. No plano da vida, esse ensinamento de Proust demonstra que o desenvolvimento, o ápice e o declínio do amor de Swan não são nada mais do que a possibilidade de estarmos condenados a sermos diferentes de nós mesmos ao amar uma mesma pessoa. E também de amarmos igualmente uma mesma pessoa cujo rosto nos escapa, multiplicado em prismas no devir temporal, ainda que continue sendo formalmente o mesmo. Por vias diferentes, talvez Proust e Kiarostami estejam encenando um dos maiores enigmas da vida. Se toda a vida existe e apenas existe como um fenômeno temporal. E se o tempo é a substância mesma de que somos feitos, como bem definiu Jorge Luis Borges. Então a vida pode ser entendida como um infinito gesto de diferenciação. Em outras palavras, como uma constante desidentificação daquilo que supomos ser. Nesse sentido, sermos fiéis a nós mesmos pode ser o caminho mais seguro de simplesmente copiarmos algo que desconhecemos. Uma das formas mais sublimes de alienação. Parafraseando o crítico Harold Bloom, a angústia não nasce do medo da influência. Ela surge sim da falsa suposição da originalidade. Sermos originais pode ser a mais anódina de todas as mentiras. E reconhecermos a replicação infinita das vozes distantes que nos constituem pode ser o primeiro passo para podermos ouvir os acordes diferenciais de uma música personalíssima. Eles são as frases soltas que se unificam e se dispersam, dia a dia, na eterna conquista de um rosto amado. Apenas assim podemos responder pelo que somos. Apenas assim transformarmo-nos no que somos será enfim o último gesto de nossa liberdade. Rodrigo Petronio é escritor e filósofo. Autor, editor e organizador de dezenas de obras. Professor da Faap, do Museu da Imagem e do Som (MIS) e da Casa do Saber .
Posted on: Thu, 14 Nov 2013 21:41:53 +0000

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