DEVIDO PROCESSO LEGAL, AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO - TopicsExpress



          

DEVIDO PROCESSO LEGAL, AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO Rodrigo Galvão Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina Professor de Direito Administrativo dos Cursos de Graduação e Pós-graduação do CESUSC Membro fundador do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC Procurador Federal Chefe da Seção de Matéria Administrativa da Procuradoria Seccional em Florianópolis da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS/Procuradoria-Geral Federal/Advocacia-Geral da União 1. Noções A Constituição da República de 1988 inovou em relação às ordens precedentes (cujas poucas e esparsas referências se resumiam à faceta disciplinar): inseriu no Capítulo I do Título II da Carta, entre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos constantes do catálogo de Direitos e Garantias Fundamentais (ao lado dos Princípios Fundamentais, “a cabeça e o coração da Constituição”), no art. 5o, não apenas o direito de informação, o direito de certidão e de petição aos poderes públicos (incisos XXXIII, XXXIV), mas igualmente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo. Estes três princípios estão de tal forma entrelaçados, comungam tão profundamente da mesma essência, seus desdobramentos são de tal forma confundidos pela doutrina, que não há como abordá-los separadamente sem prejuízo de algum conteúdo ou sem redundância/repetição. Ferraz e Dallari não incluem entre os princípios do processo administrativo o devido processo legal1. Para os autores, trata-se de algo que não pertence ao âmbito da categoria e sim que o antecede, como seu fator determinante2. No conteúdo do 1 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 51. 2 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 51. devido processo legal estão embutidos, segundo os mesmos, todas as garantias processuais que visam proteger a pessoa sob a lei e contra a ação arbitrária do Estado (de modo que se pode divisar no princípio um instrumento de legitimação do mesmo)3. Atesta Medauar que existe uma interconexão profunda entre os princípios do contraditório e da ampla defesa, de modo a gerar uma dificuldade teórica e prática para separar os seus desdobramentos, mesclados que estão no curso processual (um decorre do outro: o contraditório brota da defesa, a defesa se manifesta no contraditório)4. Expõe o Gordillo que se nos dias atuais a democracia não é apenas uma maneira de se chegar ao poder, mas também uma forma de exercê-lo, obviamente num Estado de Direito o poder não pode se manifestar juridicamente de modo unilateral, sem prévia oportunidade de debate5. Destaca que o princípio do devido processo tem aplicação não apenas à audiência do indivíduo ou da pessoa jurídica concreta num caso singular, particular ou concreto; igualmente se aplica, com maior razão, ao indispensável procedimento de audiência pública antes da adoção de normas gerais que afetarão a todo um universo de usuários, consumidores, cidadãos, etc.6. Sublinha o autor que o respeito ao princípio da defesa7 individual ou coletiva - prévio às decisões adotadas, foi consagrado pela jurisprudência argentina até mesmo quando se tratam de organismos públicos não estatais que tenham a 3 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 52. 4 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 101-102. 5 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-10. 6 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-11. 7 O autor emprega indistintamente as expressões garantia da defesa e princípio da defesa. faculdade legal de impor algum tipo de sanção de cunho administrativo, como no caso da Federação Argentina de Box8. O princípio cardeal do processo administrativo, como de qualquer procedimento de exercício do poder sobre um indivíduo ou grupo de indivíduos é o devido processo, o procedimento leal e justo (fair procedure), afirma Gordillo9. Este princípio é óbvio quando se trata do processo judicial - também deveria sê-lo no processo administrativo10. Ouvir o interessado e o público antes de decidir algo que os afeta não é apenas um princípio de justiça, é igualmente um critério de eficácia política e administrativa, até de boas relações públicas, um dever ético - um governo preocupado com a sua imagem na opinião pública e com seus eleitores agiria bem ao não privá-los da audiência prévia à decisão11. Acrescenta o mesmo autor que a audiência do(s) interessado(s) assegura um melhor conhecimento dos fatos e contribui para uma melhor administração e uma mais justa decisão a um menor custo político12. O princípio se mantém incólume mesmo quando se cuida de fatos absolutamente claros, cuja prova seja contundente e unívoca, porque a administração pública leva em consideração para sua decisão não somente razões de legitimidade, mas também de oportunidade e conveniência - motivo pelo qual a voz dos potenciais afetados aporta relevantes elementos de juízo e sinaliza o grau de satisfação do interesse público comprometido13. 8 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-13. 9 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-13. 10 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-13. 11 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-13. 12 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-13-14. 13 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-14. Citado autor põe em relevo o princípio da defesa (o direito dos indivíduos e grupos de serem ouvidos, de produzirem provas e controlar a produzida pela administração pública) como critério de eficácia política e de legitimidade de exercício do poder - o governo depende da aprovação dos governados14. E completa: [...] Com efeito, é bem evidente que uma grande parte do descontentamento de um povo com seu governo, qualquer que seja este, nasce não apenas das grandes linhas ou ações políticas que ele empreenda, mas também das pequenas contudo numerosas injustiças que diariamente se cometem através do aparato administrativo, por ação ou omissão. O descontentamento pelo trato descortês, pelo procedimento injusto, originado numa tramitação pelo controle do serviço elétrico, telefônico, de águas, de transportes, ou pela modificação da tarifa ou das condições do serviço sem audiência pública, transforma-se fácil e rapidamente em insatisfação contra o governo, qualquer que seja o seu rótulo. A falta de publicidade e transparência é suspeita e a ante-sala da corrupção, como surge inequivocamente da Convenção Interamericana contra a Corrupção. Um governo que pudesse operar com um aparato administrativo que não cometesse estas desnecessárias injustiças de tratamento, que assegurasse um procedimento leal e respeitoso, que garantisse a todo momento um efetivo direito de ser ouvido, a discutir os atos administrativos em todo nível, a tratar de provar o contrário do sustentado pelo servidor público ou concessionário ou permissionário e que eliminasse assim essa enorme cota de fricções e insatisfação, seguramente veria que a aprovação dos governados se ofertaria com muito mais facilidade e permitir-lhe-ia em última análise cumprir com maior eficácia os objetivos que se tenha traçado.15 14 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-15-16. 15 Tradução livre (GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-16). Alerta Gordillo que a garantia da defesa não é um mero ritual, rotineiro e externo, ou uma aparência formal de defesa, nem mera formalidade de citação, mas consiste na possibilidade de efetiva participação útil no processo16. Isto sinaliza que na prática existe resistência à real observância da garantia, seja negligenciando o dever de citação e audiência, seja cumprindo as etapas formais exigidas mas fazendo "ouvidos moucos" ao alegado e provado17. Sintetiza o autor: "(...)o direito a ser ouvido é um direito transitivo que requer alguém que queira escutar para poder ser real e efetivo(...)."18 Medauar sublinha que a Constituição brasileira de 1988 consagrou a ampla defesa e não a simples defesa, o que significa que o direito de rebater acusações, alegações, interpretações, etc., não pode ser restrito. A expressão final do inciso LV – “com os meios e recursos a ela inerentes” – denota esta extensão, não admitindo interpretação restritiva19. A garantia deve ser respeitada antes da tomada de decisão - isto tem relevância não só para se alcançar uma maior eficácia na defesa dos interessados, mas também para pôr uma ênfase maior nos controles preventivos20. 2. Desdobramentos Asseveram Ferraz e Dallari que o primeiro requisito para que alguém possa exercitar a defesa de forma eficiente é saber do que está sendo acusado; em 16 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-17. 17 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-17. 18 Tradução livre do trecho (GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-17). 19 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 112. 20 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-17. segundo lugar, ter acesso aos autos no curso do processo; em terceiro lugar, exercêla previamente à decisão21. Sublinha Bacellar Filho, sem embargo, que a doutrina tem evoluído no sentido de obter a oportunidade de defesa não apenas antes da decisão final, mas previamente a toda e qualquer decisão capaz de influir no convencimento do órgão julgador, a cada movimento do processo (combinação entre ampla defesa e contraditório – albergada pela Constituição brasileira de 1988)22. Gordillo desdobra a garantia da defesa: a) direito a ser ouvido e a uma decisão motivada – o que pressupõe: a.1) publicidade do processo (leal conhecimento das atuações administrativas, obtenção da chamada vista e fotocópia integral do expediente); a.2) oportunidade de expressar as razões do interessado antes (e depois) da emissão do ato administrativo (a violação da seqüência temporal prevista na norma é causa de nulidade absoluta); a.3) consideração expressa dos seus argumentos e das questões propostas (concernentes ao ato decisório - motivação deste); a.4) obrigação de decidir expressamente o requerido - inclusive representações; a.5) obrigação de motivar as decisões (os pontos propostos devem ser analisados); a.6) direito a fazer-se patrocinar por advogado (assistência, intervenção e acesso ao expediente a todo momento23. b) direito a oferecer e a produzir prova de desagravo: b.1) direito a que toda prova razoavelmente proposta seja produzida - mesmo que pelo próprio interessado (pericial, testemunhal, etc); b.2) direito a que a produção da prova seja efetuada 21 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 70-71. 22 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 277-278. 23 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-18-20. antes de se adotar a decisão; b.3) direito a controlar a produção da prova feita pela administração24. Medauar menciona como desdobramentos da ampla defesa, além do caráter prévio da defesa, o direito de interpor recurso administrativo independentemente de previsão legal ou normativa expressa (uma vez que o próprio direito constitucional de petição – alínea a do inciso XXXIV do art. 5o – já o assegura e é mera conseqüência da ampla defesa), o direito à defesa técnica (obrigatória nos processos dos quais possa resultar sanção grave) ou à autodefesa (pessoalmente o sujeito processual se faz presente nos atos do processo e se faz ouvir), o direito de ser notificado do início, dos atos de produção de provas e juntada de documentos, o direito de acesso aos elementos do expediente (vista, cópia e certidão) e o direito à produção de provas razoavelmente propostas.25 A autora anota como desdobramentos do contraditório (e alerta que muitas vezes são tidos pela doutrina e pela jurisprudência como da ampla defesa): a) a informação geral consiste no direito dos sujeitos da relação processual administrativa (inclusive da administração pública) de tomar conhecimento dos fatos, ter acesso aos documentos, provas produzidas nas várias fases do processo e de não se utilizar de elementos que não constem do expediente formal) – divisa-se uma interface nítida com o princípio da publicidade; b) a ouvida dos sujeitos ou audiência das partes (que se confunde com a ampla defesa) se traduz na faculdade de manifestar o próprio ponto de vista sobre fatos, documentos, interpretações e argumentos, incluído o direito de propor e produzir provas (razoáveis) e o direito a um prazo suficiente para apresentar seus argumentos contrários; 24 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-20. 25 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 115-119. c) direito a uma decisão motivada, na qual sejam ponderados os argumentos e documentos dos sujeitos processuais (interface com a questão da transparência e com o próprio princípio da legalidade, na medida em que as razões de fato e de direito são expostas) – a autora portanto concebe a motivação também como decorrência do contraditório (pouco importando, portanto, a ausência de referência expressa do atual Texto Constitucional brasileiro)26. Observa Gordillo que exceto em hipóteses de extrema urgência ou estado de necessidade pública, nas quais a exigüidade do tempo e a gravidade da situação possam exigir uma decisão imediata, nada justifica que não se ouçam as razões e se considerem as provas apresentadas pelos interessados antes da decisão27. Trata-se de uma regra de boa administração, inclusive, na medida em que assegura um mais perfeito conhecimento e avaliação dos fatos sobre os quais deve se resolver28. O princípio da defesa se relaciona mas não se confunde com o princípio da publicidade, já que se concebe um processo de caráter reservado ou até mesmo secreto, contudo não se admite a ausência de adequada oportunidade de defesa à pessoa afetada pelo ato29. Por mais grave que tenha sido a falta, ainda que a culpabilidade esteja provada ou reconhecida, sublinha o autor que não pode o interessado deixar de ser escutado para expressar o que quer dizer em seu desagravo - a prova por ele produzida pode mitigar a sua culpa, dar um enquadramento normativo diverso para a questão, graduar a sanção, etc30. 26 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 103-108. 27 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-20. 28 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-20. 29 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-21. 30 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-21. Observam tanto Medauar31 como Bacellar Filho32 que a anterioridade da defesa, a partir do disposto no mencionado inciso LV, veda a imposição sumária de penas sem um prévio processo – tanto no que se refere a sanções leves como extremas – proibindo-se a punição pela “verdade sabida” (a autoridade que tivesse conhecimento direto da falta cometida aplicava imediatamente penas leves). A violação da garantia da defesa é, segundo Gordillo, um dos principais vícios que podem ocorrer no processo administrativo (e na prática dos atos administrativos, por conseqüência) - sancionado genericamente com a nulidade (a declaração de nulidade deve retroagir ao ato em que a garantia não foi respeitada)33 Segundo Medauar, o contraditório se traduz na possibilidade de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos diante de fatos, documentos ou pontos de vista apresentados por outrem34. Assevera a autora: Elemento ínsito à caracterização da processualidade, o contraditório propicia ao sujeito a ciência de dados, fatos, argumentos, documentos, a cujo teor ou interpretação pode reagir, apresentando, por seu lado, outros dados, fatos, argumentos, documentos.35 Observa a administrativista que nos processos administrativos concernentes a direitos coletivos e difusos, o contraditório se expressa na possibilidade de 31 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 115-116. 32 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 276. 33 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-21. 34 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 96. 35 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 96. manifestar os distintos interesses em jogo e de confrontá-los antes da decisão (exemplifica com o licenciamento ambiental)36. Salienta Medauar que a noção vinha tradicionalmente atrelada a processo judicial, porém, com a evolução da doutrina, passou-se a se vislumbrar na relação processual administrativa não apenas uma parte (a administração pública não seria apenas julgadora, desinteressada), mas a existência de contenda entre cidadãos e entidades/órgãos administrativos ou entre estes37. Relevante, então, para definir a efetiva relação de contraditório (ações, reações e controles recíprocos) é que a administração pública esteja em pé de igualdade com o particular: “Se na fase que antecede a formação do ato um órgão da Administração não se coloca no mesmo plano que o sujeito, no tocante a direitos, ônus, ações e reações, inexiste contraditório.”38 As partes (afirma a autora que a resistência à utilização do nome cede hoje terreno à introdução da processualidade na atividade administrativa), os sujeitos (termo mais rigoroso do ponto de vista doutrinário) na relação processual administrativa podem ser: particular (indivíduo ou grupo) e administração pública, servidor e a mesma, dois ou mais particulares contrapostos diante desta, dois ou mais servidores ante esta39. Leciona Gordillo que nas hipóteses de interesses contrapostos de diferentes cidadãos (concursos, licitações, audiências públicas, etc), o processo adquire o caráter contraditório (direito a ser ouvido com ataque e defesa) e por isso mesmo a administração pública está obrigada a garantir a participação igualitária dos 36 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 96-97. 37 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 98. 38 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 98-99. 39 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 99-100. interessados, sob pena de ilegitimidade da sua decisão, por comprometer a imparcialidade do expediente40. Aponta Gordillo que o princípio da legalidade objetiva não se confunde com o apego cego e desarrazoado ao regulamento, como suposto cumprimento da lei - é, mais precisamente, a aplicação razoável e hierárquica dos princípios jurídicos (constitucionais)41. Sem esta percepção, o processo administrativo poderá ser utilizado contra o direito (ainda que conforme o regulamento).42 Ressalta Bacellar Filho que o princípio do contraditório faz presumir uma compreensão particular das decisões processuais: elas não são um dado préfabricado extraído da norma abstrata e sim algo alcançado concretamente, através de um mecanismo dinâmico e criativo43. Pressupõe-se a divergência de dois pensamentos, contrapostos num diálogo – o juízo resulta da síntese das opiniões opostas, superando e resolvendo as contradições44. Expõe o autor que o processo se assenta logicamente sobre a idéia de bilateralidade processual: o processo é formado por duas partes contrapostas e a relação jurídico-processual se constitui e se desenvolve da contraposição destas45. Sintetiza: Sob o ponto de vista prático, o contraditório fundamenta-se na facilitação, por meio da atividade contraposta das partes, com mediação do juiz, da investigação do material fático e jurídico da causa ou da busca da verdade no processo a partir da procura dos fatos e atuação da lei. 40 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-29. 41 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-9. 42 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-9. 43 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 203-204. 44 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 204-205. 45 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 206. O contraditório tem como método o diálogo. Enquanto o monólogo limita a perspectiva do observador, o diálogo, em compensação, amplia o quadro de análise, concita à comparação, minimiza o perigo de opiniões preconcebidas e favorece a formação de um juízo mais aberto e ponderado.46 Observa o administrativista que o diálogo contraditório implica necessariamente a idéia de colaboração: pluralidade de pessoas atuando contemporaneamente e objetivando um resultado de síntese (que não pode ser obtido por um único indivíduo)47. O contraditório determina que esta síntese (decisão) decorra da ponderação entre tese e antítese – somado à garantia da defesa, assegura às partes possibilidades equivalentes de interferir na formação do convencimento do órgão julgador (não configura mera resistência ao agir alheio)48. Evidentemente, tais assertivas tornam o contraditório incompatível com o processo inquisitório (concentração do poder de acusar, defender e julgar), viciado num processo em que a gestão probatória esteja a cargo de um único órgão (a prova será unilateral e não dialógica)49. Assinala Gordillo que uma das características fundamentais do processo administrativo é a sua objetividade: este protege não apenas o interessado ou a determinação de seus direitos, mas defende igualmente a norma jurídica objetiva, com o fim de manter o império da legalidade e da idéia de justiça no funcionamento administrativo50. O fortalecimento do processo administrativo, a ampla e integral tramitação dos expedientes administrativos dos particulares e usuários é do interesse 46 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 207. 47 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 208. 48 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 208-209. 49 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 211. 50 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-35. público51. A tutela da atividade administrativa concedida ao cidadão através do processo administrativo reflete na tutela do interesse público e faz funcionar - a requerimento do interessado - os controles administrativos que as autoridades competentes podem exercer espontaneamente; existe uma relação entre a defesa do cidadão e a do interesse público (inter-relação entre o princípio da oficialidade e a garantia da defesa, do contraditório e do informalismo)52. Medauar enumera as finalidades do contraditório: numa perspectiva garantista, visa a proteção das posições jurídicas dos destinatários do ato final (o sujeito participa na fixação do conteúdo do ato e pode reagir, combatendo este, se lesivo aos seus direitos); sob o aspecto técnico, possui uma finalidade instrutória – a procura da verdade, do conhecimento mais aprofundado dos fatos e informações úteis para a decisão (o confronto de razões esboça um panorama mais completo da situação de fato, de direito e dos interesses envolvidos); pela perspectiva colaborativa, destaca-se a questão da impessoalidade (na medida em que os sujeitos têm igualdade de oportunidade de apresentar alegações, provas, etc., os elementos e dados objetivos vêm à tona, dificultando o surgimento da pessoalidade na decisão ou a sua fácil detecção) – o que repercute na ampliação da transparência administrativa (o contraditório não pode ocorrer em regime de “despotismo administrativo” – em segredo – mas pressupõe a cooperação dos interessados na tomada de decisão e a visibilidade dos momentos processuais)53. Em virtude do princípio da legalidade, sublinha o Gordillo, explica-se o caráter instrutório do processo administrativo, o proceder de ofício da autoridade, a busca da verdade material (em oposição à verdade formal), a flexibilidade na admissão de recursos administrativos - tudo facilita o controle dos superiores hierárquicos sobre a 51 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-35. 52 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-35. 53 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: RT, 1993. p. 102-103. boa marcha da atividade administrativa54. Depreende-se disto, igualmente, que a desistência ou mesmo o falecimento do interessado não exime a administração pública da obrigação de determinar se existe ou não a ilegitimidade aduzida e decidir o requerimento ou o recurso55. Ressalta Gordillo que é tecnicamente necessário conferir máxima oportunidade de defesa ao cidadão para a efetiva e correta aplicação da legalidade objetiva – na medida em que este utiliza amplamente a via administrativa contra os desvios e excessos da atividade administrativa diária, proporciona à autoridade competente um mecanismo para controlar e avaliar a execução de determinada política, buscando uma maior eficácia56. Acima de tudo, o processo administrativo contribui para eliminar a arbitrariedade e a pessoalidade por parte de um dado agente público57. Ao se analisar o conteúdo destes princípios, queda claro que ao mesmo tempo que impõem garantias para o cidadão, obrigam a uma administração democrática, conduzem a um diálogo necessário, favorecem o interesse público. Simultaneamente protegem as pessoas do arbítrio administrativo e são um anteparo para toda a coletividade. 3. Considerações finais Ao aprofundar a análise do conteúdo do princípio do devido processo legal, em conjunto com o contraditório e a ampla defesa, constata-se que eles asseguram uma prévia oportunidade de debate, portanto impõem uma forma não unilateral, mas 54 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-35. 55 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-35. 56 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-36. 57 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 5.ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000. tomo II. p. IX-37. democrática de exercício do poder (os aludidos princípios têm aplicação não apenas à audiência do indivíduo ou da pessoa jurídica concreta num caso particular – igualmente se aplicam ao procedimento de audiência pública). O princípio da ampla defesa (o direito dos indivíduos e grupos de serem ouvidos, de produzirem provas e de controlarem a produzida pela administração pública), para além do seu conteúdo garantístico, presta-se como critério de eficácia política e de legitimidade de exercício do poder (a administração pública depende da aprovação dos cidadãos). A abordagem do conteúdo dos princípios constitucionais específicos do processo administrativo revela, por si só, o seu potencial democratizante, no sentido de catalisar a participação dos cidadãos na formação da decisão administrativa (no ciclo de elaboração do ato) e parametrizar o exercício do poder, na medida em que se constituem em exigências de otimização normativa e núcleos de condensação de valores, pela sua função normogenética e sistêmica (fundamento das regras jurídicas e elemento de ligação e articulação do sistema constitucional), além de hermenêutica (arsenal de critérios de interpretação à disposição do intérprete/aplicador do Direito). Contribuem, assim, para recuperar o espaço democrático na administração pública do vigente Estado Social – desvirtuado que foi o seu projeto (e promessa) em práticas antidemocráticas (primado da economia – dos interesses de seus principais agentes – e de uma suposta eficiência sobre o ser humano, sua dignidade e suas relações sociais, por meio da cooptação de uma burocracia governamental hermética e refratária à participação dos cidadãos, cada vez mais distantes das instâncias decisórias). Esta contribuição é ainda mais importante – e é imprescindível fazer referência à esta peculiaridade – em países de tradição autoritária como Brasil, pródigo ainda em práticas políticas e administrativas autoritárias, recente que foi o seu processo de transição de um regime ditatorial (fato normalmente negligenciado, subestimado ou superficialmente mencionado nos escritos de Direito Público).
Posted on: Fri, 04 Oct 2013 18:36:20 +0000

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