DINOSSAURO SIM, COM MUITO ORGULHO Até o ano de 2.000, eu - TopicsExpress



          

DINOSSAURO SIM, COM MUITO ORGULHO Até o ano de 2.000, eu consegui resistir às tão propaladas maravilhas do computador. Teimosamente, eu continuei utilizando a minha velha máquina de escrever, na firme crença de que nada poderia substituir o cérebro humano e o estudo constante. Na verdade, eu notava que a cada petição ou outra peça processual que eu entregava no fórum, o funcionário que a recebia, sempre esboçava um sorriso de admiração, como de estivesse diante de uma antiguidade com a qual ele não se deparava há muito tempo. Embora ninguém tenha me falado, tenho certeza que eles pensavam que eu era uma espécie de “dinossauro do direito”. Até que um dia, em uma audiência em que eu estava pleiteando uma simples reparação causada por acidente de automóvel, o advogado da parte contrária anexou uma contestação com mais de dez folhas, nas quais estavam contidas as mais modernas doutrinas e jurisprudências, todas elas transcritas de forma tão perfeita conforme eu as encontrava nos livros de direito. Fiquei impressionado com aquilo e fiquei imaginando o trabalho que aquele profissional do direito havia tido para datilografar com tanta perfeição. Comentando o fato com o meu filho, pessoa já afeita à tais modernidades, ele me explicou que não havia nenhum mérito naquela peça processual, eis que tudo não passava do famigerado “control c” e “control v”. Em um primeiro momento, eu não acreditei, até que ele me mostrou como é que funcionava. Disse-me ainda, que eu poderia economizar um bom dinheiro deixando de comprar os diversos códigos que eu necessitava a cada modificação legislativa (e isso, até pela facilidade tecnológica, ocorria quase que diariamente) pois eu poderia “baixar” todas as novas legislações diretamente da fonte através da Internet. Foi assim que a pressão da necessidade, fez com que eu me rendesse ao novo. E lá fui com meu filho adquirir o tão famigerado computador do qual eu nunca havia sequer me aproximado. Instalada a parafernália em minha sala, eu ainda tentei resistir em abandonar a máquina datilográfica, companheira desde os meus tempos de músico, quando eu “tirava” músicas e copiava letras dos discos de vinil com ela. Eu disse que tudo bem; eu iria escrever as minhas peças no monitor mas depois iria copiá-las com a máquina. É claro que isso não aconteceu. Tão logo eu vi as primeiras peças saindo da impressora com uma perfeição inatingível mesmo para um exímio datilógrafo como eu, aconteceu o inevitável; o velho instrumento de datilografar foi ficando esquecido, primeiro ao lado do computador e depois, em um canto de um armário. Eu que havia aprendido na faculdade de direito, que as peças processuais deviam ser claras e concisas e que devíamos obter o máximo de conteúdo com o mínimo de palavras, passei também me utilizar fartamente da doutrina e jurisprudência e minhas petições que nunca passavam de três ou quatro folhas, em seguida passaram a ser de sete a dez. É claro que nem tudo são flores. Lembro que na minha época pré-computador, quando eu tinha necessidade de elaborar uma petição, ficava caminhando de um lado para outro de minha sala e, mentalmente, eu conseguia imaginar toda a minha argumentação, ordená-la e depois, ao transportá-la para a máquina de escrever. Muitas vezes eu sequer necessitava corrigir as ideias ali colocadas. O que era para ser rascunho acabava se tornando a peça definitiva. Pois hoje eu já não consigo mais repetir tal façanha. O fato de que no computador, eu posso escrever algum esboço e logo depois modificá-lo a meu bel prazer, acabou instalando em mim uma espécie de acomodação mental. Ou seja, minha mente que antes era acostumada com o árduo trabalho de fixar com detalhes uma complexa teoria jurídica para depois levá-la ao papel, hoje se adaptou a fazer isso por partes. É como se uma pessoa acostumada a carregar sacos de cinqüenta quilos passasse agora a carregar agora saquinhos de cinqüenta gramas. É evidente que ela acaba sofrendo uma decadência física. É a idade, são os efeitos deletérios do tempo agindo sobre a nossa mente, dirão alguns. Eu acho que não. Acredito que estamos nos tornando cada vez mais escravos das modernas tecnologias e isso está tornado nossos corpos e mentes obesos e preguiçosos. É claro que a coisa não parou por aí, afinal o mundo moderno está construindo em cima de um sistema comercial que nos obriga a sermos eternos escravos do consumismo. Logo o meu computador se tornou obsoleto e, não sem antes resistir muito, acabei tendo que trocá-lo por um mais moderno. Agora, me perguntem se eu me desfiz do primeiro. É claro que não, afinal eu sempre fui apegado às coisas antigas. Conservo-o ainda no meu quarto e seguidamente eu acabo utilizando-o para escrever meus artigos, já que a noite é propícia para adubar a minha imaginação e fazer brotar novas ideias, animal noturno que sou. Outro dia eu precisei levá-lo para um conserto e o técnico me disse que iria fazer uma adaptação, pois não existiam mais peças para ele, a não ser que ele a conseguisse de outro computador velho. Vejam só. Aquela máquina que foi uma revolução na minha vida há dez anos, hoje não passa de mais um dinossauro igual ao dono, condenada a, em breve, fazer companhia à minha máquina de datilografar e outras tantas antiguidades que eu possuo. Vocês sabiam que eu sou dono orgulhoso do primeiro disco de bossa-nova do João Gilberto além de discos de 78 e 45 rotações de vários cantores dos anos cinqüenta? Pois eu os tenho e ainda conservo e ouço de vez em quando em um toca-discos para o qual nem mesmo a fábrica possui peças de reposição. A última agulha que eu consegui, após percorrer quase toda a cidade, eu logrei comprar em uma antiga casa de comércio lá no final da Av. Presidente Vargas. E tinha apenas uma esquecida em cima de um armário. Eu a comprei e levei para casa com todo o cuidado, como se estivesse carregando um tesouro valioso. Enfim. São tempos difíceis para um amante das coisas antigas. Eu que sempre gostei de objetos duradouros como panelas de ferro, fogão à lenha, ferro de passar à brasa e cujo maior sonho de consumo sempre foi ter um “Ford 29” igualzinho àquele que meu tio Solon possuía, com um porta-malas atrás daqueles que, uma vez aberto, se tornava um banco para crianças (igual ao do Pato Donald) e no qual eu e meus primos Paulo Renato Bohrer, Luiz Carlos Bohrer e Sérgio de Assis Brasil andávamos pelas estradas poeirentas da região a uma incrível velocidade de 30 a 40 quilômetros horários, estou vendo este velho mundo se diluir em coisas voláteis e cada vez mais transitórias. Eu e minhas preciosidades estamos nos tornando mesmo, uma espécie de dinossauros e, por inadaptação, acabaremos sendo soterrados por grossas camadas de lixo descartável deste mundo tão novo e surpreendente quanto superficial. Nota. Em uma cidade famosa por seus dinossauros fossilizados, eu acabei me tornando mais um ainda em vida. Jorge André Irion Jobim jobhim.blogspot.br/2010/08/dinossauro-sim-com-muito-orgulho.html
Posted on: Sat, 03 Aug 2013 02:40:10 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015