DOCUMENTO FINAL DO “FORUM: NOVAS POLITICAS SOBRE DROGAS. - TopicsExpress



          

DOCUMENTO FINAL DO “FORUM: NOVAS POLITICAS SOBRE DROGAS. ÉPOSSÍVEL?” O “FORUM: NOVAS POLITICAS SOBRE DROGAS. É POSSÍVEL?”- uma realização em parceria da Upop- Universidade Popular Juvenal Arduini e Uniube-Universidade de Uberaba, aconteceu nos dias 26/09/2013 (Cine Vera Cruz, Uberaba/MG) contando com a presença de mais de 300 (trezentas) pessoas de diferentes setores da comunidade e prosseguiu no dia 27 na Uniube, com dois grupos de discussão, que culminaram em uma Assembleia Pública. Este documento é o resultado final deste trabalho e foi redigido a partir do registro das discussões acumuladas, por um grupo destacado na Assembleia Pública do dia 27/09. Foram expositores convidados do evento, que acompanharam também dos trabalhos dos grupos e da Assembleia Final: - Orlando Zaccone D’Ellia Filho, Policial Civil do Estado do Rio de Janeiro (Delegado titular da 15ª Delegacia de Polícia da Gávea) e representante da LEAP Brasil - Law Enforcement Against Prohibition (Agentes da lei contra a proibição); - Aldo Zaiden Benvindo, psicólogo especializado em etnopsicanálise pela Université Paris XIII, ex-assessor da área técnica de saúde mental, álcool e outras drogas da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde e ex Conselheiro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas do MS; - Rubens Correa Jr, advogado, criminólogo pos graduado pela PUC/MG, Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires - UBA, Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal, Pesquisador do GEPESADES/USP; - Flavia Fernando Lima Silva, médica (pela UFCG), Psiquiatra, Psicoterapeuta com área de atuação no cuidado de pessoas que usam drogas e Psiquiatra da Infância e Adolescência (pela UFRGS), analista Institucional, pela Fundação Gregório Baremblitt, MG, Mestranda em Estudos da Subjetividade no PPG em Psicologia-UFF, atualmente preceptora da residência em Psiquiatria do CPRJ (Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro); - Rosemeire Aparecida da Silva, psicóloga especialista em Saúde Mental, mestranda em Saúde Coletiva pela UFMG, conselheira no Conselho Nacional de Saúde representando o conselho Federal de Psicologia –CFP, membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP, ex-coordenadora de Saúde Mental de Belo Horizonte, militante da Luta Antimanicomial do Fórum Mineiro de Saúde Mental. A Assembleia Final do Fórum foi um grande exercício de democracia, contando com a presença de grande número de usuários de serviços do SUS (sistema único de saúde) para o tratamento da dependência química, de trabalhadores da saúde na área de álcool e drogas, de profissionais e estudantes de diversas instituições de ensino de Uberaba, como Uniube, Facthus, Unipac, UFTM, movimentos sociais, unidades básicas de saúde, trabalhadores da SME-Secretaria Municipal de Educação, membros do Comad-Conselho Municipal Anti-drogas, do Corpo de Bombeiros, de algumas clínicas e comunidades terapêuticas, de escolas estaduais, profissionais de Estratégia Saúde da Família, artistas e muitos outros seguimentos. Comecemos por destacar o protagonismo de todos estes diferentes setores da sociedade, conferindo`a assembleia grande legitimidade. Vários testemunhos desnudaram a forma como a sociedade tem lidado com o uso de drogas e seus usuários, bem como as consequências das soluções que esta sociedade vem propondo. Tem-se gerado aos usuários muito sofrimento decorrente, entre outros fatores, do fato de seu uso estar colocado na ilegalidade. Vários usuários presentes que se pronunciaram, foram unânimes em expor suas queixas por serem vítimas de preconceito, estigmatização, falta de oportunidades de trabalho e emprego, negativas constantes de oferecer-lhes chances de se reinserir no seu meio, medo da sociedade e do que ela pensa deles, por ser vistos como criminosos. Tratou-se também de identificar que essas pessoas que vem sendo tratadas como inimigos da sociedade são os usuários das drogas atualmente relacionadas como drogas ilícitas. Foi levantada a importância do papel da mídia na formação dessas posições estigmatizantes em relação aos usuários das drogas ilícitas, como por exemplo, a forma como a mídia expõe espaços como as chamadas “cracolândias”. Estas visões propaladas pela mídia aumentam o preconceito, levando a sociedade a atitudes de repúdio pelas pessoas que os frequentam, cujas histórias de vida ninguém conhece. Os grupos discutiram sobre a origem desta leitura que a sociedade atual tem do uso de algumas drogas, constatando que se trata de uma construção histórica, seletiva em relação a algumas drogas e não a outras, configurando que a separação entre drogas lícitas e ilícitas é uma posição política que tem sido construída de forma diferente nos diversos períodos da história. No momento histórico atual, a sociedade selecionou um grupo de drogas contra os quais chegou-se à assim conhecida “política de guerra às drogas”, ou “política de tolerância zero”, responsável por uma situação paradoxal, onde esta guerra passou a ser assumida como uma política de “saúde”. Evoluiu-se para um estado policial, cuja letalidade é inegavelmente muito maior do que a ocasionada pelo uso das próprias drogas, do qual pretende proteger a sociedade. Isto acontece pela falta de critérios na diferenciação entre usuários e traficantes, pela falta absoluta de controle do Estado sobre o tráfico, gerado pela situação de ilegalidade. A política que coloca certo grupo de drogas na ilegalidade gera a atividade criminosa, onde quem regula o mercado não é o Estado, mas o tráfico. O Estado, portanto, ao invés de produzir saúde, vem produzindo guerra. E as guerras não são feitas contra as coisas, mas contra as pessoas. Esta relação de guerra contra as pessoas que usam algum tipo de droga ilícita só poderá mudar se nossa legislação mudar. Ponderou-se que o uso de drogas é feito pela maioria das pessoas sem qualquer problema e esta imensa maioria de pessoas não é doente nem criminosa. Que entre os usuários que vem a ter problemas com seu uso de drogas, conforme resultado de recente pesquisa da Fiocruz, 80% desejam se tratar. O foco da política atual de drogas, portanto, não deve estar na guerra contra o usuário, mas nos investimentos para o tratamento daqueles que precisam dele. Em relação aos tratamentos, os grupos enfatizaram a necessidade de não submeter ninguém a tratamento à força, pois nenhuma pessoa esta doente fora da sociedade onde vive. Nossa sociedade esta doente quando quer impor a um determinado grupo, formas de agir e de pensar, transformando em um ideal para todos, condutas que lhes são impostas e não condutas livremente aceitas. Nada é bom ou ruim em si mesmo, de forma descontextualizada. As diferentes adições em nossa sociedade, como em todas as sociedades humanas são um processo histórico, onde os homens tiram da natureza as suas drogas, deixando claro que o que importa é o homem e seu uso particular de qualquer que seja a substância. A tentativa de impor um pensamento hegemônico sobre qualquer coisa não é saudável nem natural. A multiplicidade, a diferença, a singularidade não são problemas, mas riquezas e devem ser consideradas também em relação ao uso de drogas, que é feito por um sujeito único. Ou seja, o sujeito deve ser o centro e não pode ser reduzido ao seu uso de droga, transformando-o num mero objeto. O uso de drogas é individual e cada pessoa a usa de forma diferente. Portanto, os tratamentos, quando necessários, devem levar em conta que cada pessoa precisa de um tipo de cuidado, não podendo nenhuma dessas formas de cuidado ser generalizadas, pois não dão conta da diversidade das necessidades das pessoas. Quanto aos tratamentos involuntários e internações, podem ocorrer dentro desta visão, mas não podem transformar-se em política pública, pois isto representa uma forma de exclusão de um determinado grupo social, sendo contrário à ética de acolhimento e a qualquer relação de ajuda a uma pessoa que apresenta um sofrimento singular.Há que se conviver com muitas formas de abordagem de maneira respeitosa, tendo sempre como critério, aquilo que cada sujeito precisa, a partir do que descobrimos no convívio com ele. O trabalho clínico exige respeito ao usuário que pode participar e definir o que é melhor para si, numa clínica múltipla, que compreenda que a pessoa que veio a ter problemas com seu uso de drogas, não o fez por escolha, mas por um conjunto de diversas outras circunstâncias. Em relação a este ponto, a assembleia faz alertas quanto à aprovação do projeto de lei que tramita no Senado (PLC 37/2013), que prevê, entre outras questões, legalizar as internações compulsórias e aumentar a penalização dos usuários, escondendo sob uma aparente legalidade, importantes interesses econômicos. Muitas críticas foram feitas ao sistema público de saúde e suas organizações em geral: tratamento a adolescentes que cumprem medidas sócio educativas que não levam em conta a sociedade e as condições onde ele vive, dificuldades de atendimento público para consultas e exames, falta de formação dos trabalhadores de saúde que lidam com as questões de álcool e outras drogas, sujeitos eles também a atitudes de preconceito disseminadas pela sociedade, somadas ao despreparo do sistema público para lidar com esta clientela e acolher suas demandas. Destacaram-se nos grupos ainda, outras questões importantes deixadas para outros fóruns: a dependência tem cura? A legalização das drogas seria boa ou ruim para os usuários e a sociedade? O acolhimento involuntário reabilita? O direito ao uso de drogas deve ser de livre escolha dos indivíduos, como o é para o uso de álcool e de cigarro? O que fazer para nos contrapormos aos ditames da mídia que tentam impor uma maneira muito negativa de ver os usuários de drogas? Por último, mas não menos importante, foi feita proposta de criação de novos espaços de discussão, que possam dar continuidade ao trabalho iniciado neste fórum, envolvendo os diversos atores interessados no tema. UBERABA, 21 DE OUTUBRO DE 2013.
Posted on: Tue, 29 Oct 2013 15:23:13 +0000

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