De política e eletrodomésticos Quando sua geladeira não está - TopicsExpress



          

De política e eletrodomésticos Quando sua geladeira não está funcionando direito, você a conserta. Em último caso, quando não vale a pena o conserto, você joga a bicha fora e compra outra. O que não adianta é esperar que o fogão vá gelar suas cervejas e garantir o sorvetinho. Para cada eletrodoméstico, uma função. O sistema político brasileiro tem suas mazelas, e disso os manifestantes sabem, mas a tragédia é que de pouco mais entendem. Por ignorância e por exaltação, saem às ruas exigindo coisas sem sentido: o impeachment da Dilma, o cancelamento da Copa do Mundo, a cassação de Renan Calheiros, tarifa zero para o transporte, o fim dos partidos políticos, um levante popular, revolução social, abaixo o capitalismo, revolução ou morte! Pois então, objetivamente, o que quer a turba? O fascínio do atual movimento é justamente a mágica de parecer a qualquer um aquilo que desejar ver. É pior porque os líderes existem, mas querem nos fazer crer no contrário: que tudo foi fruto de uma manifestação espontânea das massas. Conversa para boi dormir, claro. Sem pauta e lideranças explícitas, para alguns, trata-se de apoio à Família-Tradição-Propriedade, para outros, onda LGBT ou a Revolução Anarquista. Diante do mar de cartazes que cobrem as ruas, cada um lê o que lhe interessa. Mas quem vai sair por aí escolhendo dentre as milhares de frases de efeito os temas que serão tratados? A quem caberá a seleção? A quem é dado o poder de fazer estas escolhas? Na democracia participativa, a turba, você e eu escolhemos os temas que queremos discutir através dos nossos representantes, que elegemos livremente. Os manifestantes parecem ignorar esse mecanismo. Acreditam ser possível governar por distúrbio e enxergam nas redes sociais um mecanismo de substituição das Assembleias e dos partidos políticos. A democracia direta é um mito e uma bobagem. Em um país com 200 milhões de habitantes, meia dúzia de gatos pingados que acampam no Leblon não representam nada, nem ninguém, e não deveriam ser atendidos pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, a não ser para um aprazível cafezinho. Cabe a quem ainda guarda seu bom senso explicar ao povo, os ignorantes anônimos de plantão, que não existe um sistema de representação política melhor do que a democracia que praticamos, ou que deveríamos praticar, no Brasil. É evidente que a corrupção e o mau uso do dinheiro público são nossa tragédia. É evidente que existe uma crise de representatividade e que o povo não se sente representado em lugar nenhum. É esse, em resumo, o combustível da mobilização atual. Mas esse câncer dura 500 anos. E é uma doença que se espalha pelas três esferas (federal, estadual e municipal), e pelos três poderes (executivo, legislativo e judiciário). Não foi invenção deste governo, não é exclusividade do executivo federal e não assola somente o PT, ou os partidos da sua base aliada. A culpa, portanto, não é só do presidente. Não adianta cobrar de Dilma, por exemplo, a cassação de Renan Calheiros, senador eleito democraticamente pelo povo de Alagoas. Não cabe ao Presidente da República cassar o mandato de ninguém. Também não adianta cobrar do legislativo o impeachment de Dilma, já que ela não é pessoalmente responsável por nosso sistema político. Na próxima eleição, pretendo votar no Aécio porque o PT foi sobretudo uma decepção para mim e porque desejo uma saudável renovação. Mas espero que a oposição ganhe nas urnas, no voto, democrática e pacificamente, segundo os trâmites previstos em lei. Discordo desse golpe baixo que é tentar culpar o governo federal por todas as mazelas da história política brasileira. De vez em quando, as janelas devem ser abertas e os governos arejados, mas não compactuo com golpismos. Nossa geladeira precisa de reparos, é verdade, mas as manifestações já perderam sentido há tempo. Não adianta “ficar puto com tudo isso que está aí” se não existe uma forma melhor de conservar os alimentos. Querer usar a batedeira para fazer gelo é esperar que as fogueiras e as manifestações espalhadas pelo Brasil substituam a participação política e a cobrança inteligente. A batedeira faz barulho, mas para isso não funciona.
Posted on: Wed, 26 Jun 2013 00:49:55 +0000

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