Desaparecimento de Luísa Porto Pede-se a quem souber do - TopicsExpress



          

Desaparecimento de Luísa Porto Pede-se a quem souber do paradeiro de Luísa Porto avise sua residência À Rua Santos Óleos, 48. Previna urgente solitária mãe enferma entrevada ha longos anos erma de seus cuidados. Pede-se a quem avistar Luísa Porto, de 37 anos, que apareça, que escreva, que mande dizer onde está. Suplica-se ao repórter-amador, ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte, a qualquer do povo e da classe média, até mesmo aos senhores ricos, que tenham pena de mãe aflita e lhe restituam a filha volatilizada ou pelo menos dêem informações. É alta, magra, morena, rosto penugento, dentes alvos, sinal de nascença junto ao olho esquerdo, levemente estrábica. Vestidinho simples. Óculos. Sumida há três meses. Mãe entrevada chamando. Roga-se ao povo caritativo desta cidade que tome em consideração um caso de família digno de simpatia especial. Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa. Foi fazer compras na feira da praça. Não voltou. Levava pouco dinheiro na bolsa. (Procurem Luísa.) De ordinário não se demorava. (Procurem Luísa.) Namorado isso não tinha. (Procurem. Procurem.) Faz tanta falta. Se todavia não a encontrarem nem por isso deixem de procurar com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa e talvez encontrem. Mãe, viúva pobre, não perde a esperança. Luísa ia pouco a cidade e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada. Sua melhor amiga, depois da mãe enferma, É Rita Santana, costureira, moça desimpedida. a qual não da noticia nenhuma, limitando-se a responder: Não sei. O que não deixa de ser esquisito. Somem tantas pessoas anualmente numa cidade como o Rio de janeiro que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada. Uma vez, em 1898, ou 9, sumiu o próprio chefe de polícia que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio e até hoje. A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil, ficou pasma. O jornal embrulhado na memória. Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez, a pobreza, a paralisia, o queixume seriam, na vida, seu lote e que sua única filha, afável posto que estrábica, se diluiria sem explicação. Pela ultima vez e em nome de Deus todo-poderoso e cheio de misericórdia procurem a moça, procurem essa que se chama Luísa Porto e é sem namorado. Esqueçam a luta política, ponham de lado preocupações comerciais, percam um pouco de tempo indagando, inquirindo, remexendo. Não se arrependerão. Não há gratificação maior do que o sorriso de mãe em festa e a paz intima conseqüente às boas e desinteressadas ações, puro orvalho da alma. Não me venham dizer que Luísa suicidou-se. O santo lume da fé ardeu sempre em sua alma pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus. Ela não se matou. Procurem-na. Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora e os jornais não deram. Está viva para consolo de uma entrevada e triunfo geral do amor materno filial e do próximo. Nada de insinuações quanto à moça casta e que não tinha, não tinha namorado. Algo de extraordinário terá acontecido, terremoto, chegada de rei. As ruas mudaram de rumo, para que demore tanto, é noite. Mas há de voltar, espontânea ou trazida por mão benigna, O olhar desviado e terno, canção. A qualquer hora do dia ou da noite quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos. Não tem telefone. Tem uma empregada velha que apanha o recado e tomará providencias. Mas se acharem que a sorte dos povos é mais importante e que não devemos atentar nas dores individuais, se fecharem ouvidos a este apelo de campainha, não faz mal, insultem a mãe de Luísa, virem a pagina: Deus terá compaixão da abandonada e da ausente, erguerá a enferma, e os membros perclusos já se desatam em forma de busca. Deus lhe dirá : Vai, procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração. Ou talvez não seja preciso esse favor divino. A mãe de Luísa ( somos pecadores ) sabe-se indigna de tamanha graça. E resta a espera, que sempre é um dom. Sim, os extraviados um dia regressam — ou nunca, ou pode ser, ou ontem. E de pensar realizamos. Quer apenas sua filhinha que numa tarde remota de Cachoeiro acabou de nascer e cheira a leite, a cólica, a lágrima. Já não interessa a descrição do corpo nem esta, perdoem, fotografia, disfarces de realidade mais intensa e que anúncio algum proverá. Cessem pesquisas, rádios, calai-vos· Calma de flores abrindo no canteiro azul onde desabrocham seios e uma forma de virgem intata nos tempos. E de sentir compreendemos. Já não adianta procurar minha querida filha Luísa que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo com inúteis pés fixados, enquanto sofro e sofrendo me solto e me recomponho e torno a viver e ando, está inerte gravada no centro da estrela invisível Amor. Carlos Drummond de Andrade
Posted on: Sun, 10 Nov 2013 16:37:40 +0000

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