Ecopedagogia, Pedagogia da terra, Pedagogia da Sustentabilidade, - TopicsExpress



          

Ecopedagogia, Pedagogia da terra, Pedagogia da Sustentabilidade, Educação Ambiental e Educação para a Cidadania Planetária Conceitos e expressões diferentes e interconectados por um projeto comum Moacir Gadotti A história da Ecopedagogia aparece inicialmente como “pedagogia do desenvolvimento sustentável” num estudo realizado pelo Instituto Latino­americano de Pedagogia da Comunicação (ILPEC), da Costa Rica e assinado por Francisco Gutiérrez (1994). Nele já se faz referência a uma visão holística, ao equilíbrio dinâmico ser humano e natureza e a categoria da sustentabilidade que são pressupostos essencial da ecopedagogia. Francisco Gutiérrez e Cruz Prado, do ILPEC, perceberam logo que a pedagogia do desenvolvimento sustentável não tinha a abrangência necessária para se constituir numa grande inovação na teoria da educação e lançaram, logo a seguir o conceito de “ecopedagogia” em seu livro Ecopedagogia e cidadania planetária (GUTIÉRREZ & PRADO, 1998). Eles nos falam de uma cidadania planetária que vai além da cidadania ambiental. Para eles a ecopedagogia seria aquela que promove a aprendizagem do “sentido das coisas a partir da vida cotidiana”. O conceito de “vida cotidiana” é essencial no contexto da concepção ecopedagógica desses autores. Mais tarde eles rebatizariam essa pedagogia com o nome de “biopedagogia”, uma pedagogia da vida (PRADO, 2006), utilizando o mesmo referencial teórico e oferecendo mais profundidade espiritual ao tema. Cruz Prado e Francisco Gutiérrez foram os primeiros grandes desbravadores do campo e das potencialidades da ecopedagogia. O Instituto Paulo Freire traduziu seu livro para o português e ele continua sendo um grande referencial dessa pedagogia. O movimento pela ecopedagogia se ampliou e ganhou novos desdobramentos. No meu entender a ecopedagogia não pode mais ser considerada como uma pedagogia entre tantas pedagogias que podemos e devemos construir. Ela só tem sentido como projeto alternativo global onde a preocupação não está apenas na preservação da natureza (Ecologia Natural) ou no impacto das sociedades humanas sobre os ambientes naturais (Ecologia Social), mas num novo modelo de civilização sustentável do ponto de vista ecológico (Ecologia Integral) que implica uma mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais. Ela está ligada, portando, a um projeto utópico: mudar as relações humanas, sociais e ambientais que temos hoje. A palavra “pedagogia” vem do grego e significa, literalmente, “guia para conduzir crianças”. Na Grécia o pedagogo era o escravo que levava para a escola as crianças das elites. A palavra “pedagogia” tem por referencial um paradigma antropocêntrico. Todas as pedagogias clássicas são antropocêntricas. Ao contrário, a ecopedagogia parte de uma consciência planetária (gêneros, espécies, reinos, educação formal, informal e não­formal...). Ampliamos o nosso ponto de vista, de uma visão antropocêntrica para uma consciência planetária, para uma prática de cidadania planetária e para uma nova referência ética e social: a civilização planetária. Assim, a ecopedagogia, como pedagogia holística, desloca­se desse referencial antropocêntrico, situando­se em outro campo. Ela não está voltada para a “formação do homem” ­ a “paidéia” ­ como diziam os gregos. A ecopedagogia é mais ampla: ela supera o antropocentrismo das pedagogias tradicionais e concebe o ser humano em sua diversidade e em relação com a complexidade da natureza. A Terra passa a ser considerada também como ser vivo, como gaia. Por isso, seria melhor chamar a ecopedagogia de “Pedagogia da Terra” (GADOTTI, 2001). Esse sentido já havia sido percebido nas discussões que ocorreram em 1999 com a presença, entre outros de Francisco Gutiérrez, Cruz Prado, do ILPEC e Mirian Vilela da Iniciativa da Carta da Terra, no I Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educação, realizado em São Paulo. Esse encontro aprovou um documento com o título: Carta da ecopedagogia: em defesa de uma Pedagogia da Terra. 2 Paulo Freire, que faleceu em 1997, foi o autor de um grande livro: Pedagogia do Oprimido. Consideramos hoje a Terra também como um oprimido, por isso precisamos também de uma pedagogia desse oprimido que é a Terra. Precisamos de uma Pedagogia da Terra como um grande capítulo da pedagogia do oprimido. Uma pedagogia que tem como suporte o Paradigma Terra que considera esse planeta como uma única comunidade, una e diversa. A ecopedagogia não se opõe à educação ambiental. Ao contrário, para a ecopedagogia a educação ambiental é um pressuposto básico. A ecopedagogia incorpora­a e oferece­lhe estratégias, propostas e meios para a sua realização concreta. Foi justamente durante a realização do Fórum Global 92, no qual se discutiu muito a educação ambiental, que se percebeu a importância de uma pedagogia do desenvolvimento sustentável e de uma ecopedagogia. Hoje, porém, a ecopedagogia tornou­se um movimento e uma perspectiva da educação maior do que uma pedagogia do desenvolvimento sustentável. Ela está mais para a educação sustentável, para uma ecoeducação, que é mais ampla do que a educação ambiental. A educação sustentável não se preocupa apenas com uma relação saudável com o meio ambiente, mas com o sentido mais profundo do que fazemos com a nossa existência, a partir da vida cotidiana. Numa época de convergência de crises, com o advento do aquecimento global e de profundas mudanças climáticas, a ecopedagogia tem tudo a ver com uma educação para a sustentabilidade. Como afirma Gro Harlem Brundtland no prefácio do Relatório das Nações Unidas Our Common Future, “a menos que sejamos capazes de traduzir nossas palavras em uma linguagem que atinja as mentes e corações das pessoas, velhas ou novas, não poderemos executar as extensas mudanças sociais necessárias para corrigir o curso do desenvolvimento”. Desenvolver subsídios teórico­práticos necessários para essa educação para a sustentabilidade é tarefa de outra pedagogia complementar à Pedagogia da Terra, a “pedagogia da sustentabilidade” (Antunes, 2002). A categoria “sustentabilidade”, como sustenta o Leonardo Boff, é central para a cosmovisão ecológica e, possivelmente, constitui um dos fundamentos do novo paradigma civilizatório que procura harmonizar ser humano, desenvolvimento e Terra entendida como Gaia. Educar para a cidadania planetária implica muito mais do que uma filosofia educacional, do que o enunciado de seus princípios. A educação para a cidadania planetária implica uma revisão dos nossos currículos, uma reorientação de nossa visão de mundo da educação como espaço de inserção do indivíduo não numa comunidade local, mas numa comunidade que é local e global ao mesmo tempo. Educar, então, não seria como dizia Émile Durheim, a transmissão da cultura “de uma geração para outra”, mas a grande viagem de cada indivíduo no seu universo interior e no universo que o cerca. Nessa trajetória a ecopedagogia tem contribuído cada vez mais com a educação para a cidadania planetária. A sobrevivência do planeta Terra, nossa morada, depende da consciência socioambiental e a formação da consciência depende da educação. A noção de cidadania planetária sustenta­se na visão unificadora do planeta e de uma sociedade mundial. Ela se manifesta em diferentes expressões: “nossa humanidade comum”, “nosso futuro comum”, “nossa pátria comum”. Cidadania planetária é uma expressão adotada para expressar um conjunto de princípios, valores, atitudes e comportamentos que demonstra uma nova percepção da Terra. Trata­se de um ponto de referência ético indissociável da civilização planetária. O conceito de cidadania planetária tem a ver com a consciência, cada vez mais necessária, de que somos todos habitantes de uma única casa, de uma única morada, de uma única nação. Temos uma identidade terrena, somos terráqueos. Assim como nós, este planeta, como organismo vivo, tem uma história. Nossa história faz parte dele. Nós não estamos no mundo; nós somos parte dele. Não viemos ao mundo; viemos do mundo. Terra somos nós e tudo o que nela vive em harmonia dinâmica, compartilhando o mesmo espaço. Temos um destino comum. Educar para a cidadania planetária pressupõe esse entendimento da nossa vida no planeta onde precisamos viver permanentes e complexas relações entre nós mesmo e outras formas de vida, numa simbiose onde nós, seres humanos, incorporamo­nos a um outro ser, que também está vivo, que nos acolhe e nos mantém vivos e se mantém vivo. Todos esses conceitos encontram­se nos recentes desdobramentos da ecopedagogia. Ela deve 3 ser considerada como uma pedagogia apropriada ao processo da Carta da Terra. Precisamos de uma ecopedagogia e uma ecoformação hoje, justamente porque sem essa pedagogia para a re­educação do homem/mulher, principalmente do homem ocidental, prisioneiro de uma cultura cristã predatória, não poderemos mais falar da Terra como um lar, como uma toca, para o “bicho­homem”, como fala Paulo Freire. Sem uma educação sustentável, a Terra continuará apenas sendo considerada como espaço de nosso sustento e de domínio técnico­tecnológico, objeto de nossas pesquisas, ensaios, e, algumas vezes, de nossa contemplação. Mas não será o espaço de vida, o espaço do aconchego, de “cuidado” como nos diz Leonardo Boff (1999). A ecopedagogia está se desenvolvimento seja como um movimento pedagógico seja como abordagem curricular. Como a ecologia, a ecopedagogia também pode ser entendida como um movimento social e político. Como todo movimento novo, em processo, em evolução, ele é complexo e, pode tomar diferentes direções. A ecopedagogia também implica uma reorientação dos currículos para que incorporem certos princípios e valores. Os sistemas educacionais nasceram na Europa, no século XIX em plena era do desenvolvimento industrial e, apesar da atual diversidade de nações que os adotaram depois, eles são, hoje, muito semelhantes. No século XX eles se fortaleceram com a expansão do direito à educação consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1947. Apesar dessa consolidação e de programas internacionais de avaliação do desempenho escolar como o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA), iniciamos o século XXI com questionamentos sobre a sua capacidade de promover a paz e o entendimento. A UNESCO, com razão, tem sustentado a necessidade de reorientar a educação, em todos os níveis, para um cultura de paz e de sustentabilidade. Essa é a preocupação central da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005­2014) e de estudos recentes como os de Peter Blaze Corcoran (2009). O conceito de “sustentabilidade” e de “sociedades sustentáveis”, tal como aparece na Carta da Terra, encerra todo um novo projeto de civilização e, aplicado à pedagogia, pode ter desdobramentos em todos os campos da educação, não apenas na educação ambiental (Gadotti, 2008). Ele se torna, assim, um conceito chave para entender a educação do futuro. Ele supõe novos princípios e valores bem como sugere novos símbolos, como o “jardim”, na visão da educadora norte­americana Emily De Moore. Ela toma o jardim como metáfora e como realidade física. Num artigo para a Revista Pátio (Porto Alegre, no. 13, maio­julho 2000, pp. 11­15), ela nos fala dos “valores educacionais para a sustentabilidade”, entendendo o “jardim como currículo” (DE MOORE, 2000). A idéia de jardim encarna os novos valores de sustentabilidade que estão surgindo. O jardim permite trabalhar com a terra, aprender a cuidar da “teia da vida” (CAPRA, 1996). Perceber a Terra através da terra. Ver a semente assumir a forma de planta e a planta forma de alimento, o alimento que nos dá vida. Ensina­ nos a paciência e o manuseio cuidadoso da terra entre o semear e o colher. Aprender que as coisas não nascem prontas. Precisam ser cultivadas, cuidadas. Aprendendo, também, que o mundo não está pronto, está se fazendo, está nos fazendo; que sua construção exige persistência, paciência esperançosa da semente que, em algum momento, será broto e será flor e será fruto. Emily De Moore cita a pedagogia do oprimido de Paulo Freire e seu “pioneirismo” nesta pedagogia, afirmando que ele, há mais de 40 anos, alertava que os sistemas de vida da Terra estavam sofrendo grandes estragos a ponto de perderam a capacidade de sustentar a vida no planeta. “Se quisermos adotar uma pedagogia que produza valores de sustentabilidade, o pensamento de Freire deve ser estendido para incluir a libertação do mundo natural” (Idem, 12). E, a seguir, cita uma passagem do livro Pedagogia do oprimido de Paulo Freire: “A consciência do opressor tende a transformar tudo a seu redor em um objeto de sua dominação. A terra, a propriedade, a produção, as criações das pessoas, as próprias pessoas, o tempo – tudo é reduzido à condição de objetos a sua disposição”. Paulo Freire tinha essa consciência alargada do mundo, como podemos constatar no mesmo livro (FREIRE, 1975:94) quando afirma que “o amor é compromisso com os homens. Onde quer que estejam esses oprimidos, o ato de amor está em comprometer­se com sua causa”. Emily A. De Moore (2000:14) conclui dizendo que “este modelo curricular é essencial se quisermos fornecer aos estudantes o conhecimento, as habilidades e a consciência crítica necessários não apenas para a justiça ou a eficácia social, preocupações importantes da teoria curricular, mas também para a realização da 4 verdadeira liberdade, comunidade e sustentabilidade da Terra e suas formas de vida”. Os sistemas educacionais, em geral, são baseados em princípios predatórios, em uma racionalidade instrumental, reproduzindo valores insustentáveis. Para introduzir uma cultura da sustentabilidade nos sistemas educacionais nós precisamos reeducar o sistema: ele faz parte tanto do problema, como também faz parte da solução. Por isso precisamos de uma nova pedagogia. Estou convencido de que a sustentabilidade é um conceito poderoso, uma oportunidade para que a educação renove seus velhos sistemas, fundados em princípios e valores competitivos. Introduzir uma cultura da sustentabilidade e da paz nas comunidades escolares é essencial para que elas sejam mais cooperativas e menos competitivas. Nesse sentido, a Ecopedagogia, a Pedagogia da Terra, a Pedagogia da Sustentabilidade, a Educação Ambiental e a Educação para a Cidadania Planetária podem dar uma grande contribuição. Referências bibliográficas ANTUNES, Ângela e Julia Tomchinsky, orgs. 2009. Sementes de primavera: cidadania desde a infância. São Paulo: Instituto Paulo Freire. ANTUNES, Ângela, 2002. Leitura do mundo no contexto da planeterização: por uma pedagogia da sustentabilidade. São Paulo, FE­USP (Tese de Doutorado). BOFF, Leonardo, 1999. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis, Vozes. CAPRA, Fritjof, 1996. The Web of Life: a New Scientific Understanding of Living Systems. New York: Anchor Books. DE MOORE, Emely, 2000. “O Jardim como currículo”. In: Revista Pátio. Porto Alegre, no. 13, maio­ julho 2000, pp. 11­15. FREIRE, Paulo, 1975. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. GADOTTI, Moacir, 2001. Pedagogia da Terra. São Paulo: Peirópolis. GADOTTI, Moacir, 2009. Educar para a sustentabilidade. São Paulo: Instituto Paulo Freire. GUTIÉRREZ, Francisco & Cruz Prado, 1999. Ecopedagogia e cidadania planetária. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire. GUTIÉRREZ, Francisco, 1994. Pedagogia para el Desarrollo Sostenible. Heredia, Costa Rica: Editorialpec. PRADO, Cruz, 2006. “Biopedagogia”. In: Guadas, Pep Aparício, Dolors Monferrer, Isabel Aparício Guadas e Pascual Murcia Ortiz, orgs, 2006. Fórum Paulo Freire – V Encuentro Internacional: Sendas de Freire: opresiones, resistencias y emancipaciones en un nuevo paradigma de vida. Xátiva: Institut Paulo Freire de España y Crec, pp. 169­211. Título: Ecopedagogia, Pedagogia da terra, Pedagogia da Sustentabilidade, Educação Ambiental e Educação para a Cidadania Planetária Autor: Moacir Gadotti Editor: Data de publicação: 2009 Direitos autorais1 : Creative Commons by­nc­nd 2.5 (Atribuição­Uso Não­Comercial­Vedada a Criaç
Posted on: Sat, 05 Oct 2013 01:31:11 +0000

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